Quinta-feira (7), o criador de conteúdo da página Bixcoitando (@bixcoitandopod), Ítalo Costa, fez um desabafo que também serviu como denúncia. Ítalo tem 36 anos, se declara bissexual, diagnosticado com autismo e portador do vírus HIV desde março de 2019, estando indetectável em uso de Tratamento Antirretroviral (TARV) desde junho do mesmo ano. No vídeo, ele conta que para chegar a esse relato precisou passar por anos de terapia, medicação e muita coragem. Além da demissão, em entrevista ao Dois Terços, ele faz uma denúncia ainda mais grave: “Estive internado no Hospital Português, em Salvador, quatorze dias após uma cirurgia, o que, para mim, já era suspeito. Durante a internação fiz os exames necessários, inclusive o de HIV, tentando por meses receber os resultados sem obter sucesso”, contou Ítalo. Vale destacar que esses resultados continuam indisponíveis até hoje.
“Nunca recebi os resultados e nem chamado para uma segunda coleta. Voltei ao hospital para tentar contato com o laboratório em abril de 2019 e me falaram que havia acontecido algum erro ou que a minha amostra havia sido perdida, em conversa com a diretora do laboratório descobri que meu exame estava, na verdade, esperando um segundo resultado para confirmação, pois já não era negativo desde o dia 17 de outubro de 2018, insistindo para que eu coletasse uma nova amostra e assinasse um novo termo”, contou Ítalo ao Dois Terços.
A descoberta
O influenciador explica que vivia um ano de muitas conquistas trabalhando em uma empresa na cidade de Feira de Santana (BA), chegando a assumir o cargo de diretor (head de comunidades) no dia 15 de março de 2019. “O trabalho era intenso e minha saúde não estava boa, mas eu achava que fosse por conta da minha dedicação ao trabalho: comendo mal, trabalhando até tarde… procurei ajuda médica, que prescreveu antibióticos, mas eu não melhorava, precisei tomar doses maiores. Fui aconselhado a fazer o teste de HIV em meados de março. O resultado saiu dia 1º de abril, uma sexta-feira, três semanas depois da minha promoção na empresa. Viajei para Salvador, pois meus pais moram aqui e ao retornar, na segunda-feira, para minha surpresa, fui demitido sem justa causa e sem aviso prévio, da noite para o dia sem qualquer motivo real”, contou.
“Eles não sabiam o diagnóstico mas sabiam que eu aguardava um diagnóstico e fui perguntado ao ser demitido: é HIV não é ?”.
Ítalo relata ainda que o trauma foi tão grande que hoje ele não consegue elaborar um currículo, por medo do “descarte” das empresas contratantes. “Sou uma pessoa saudável fisicamente, gostosa, mas com sérios traumas e dores. Fora a demissão por sorofobia, fiquei quase sete meses infectado pelo HIV sem saber o resultado dos exames, se demorasse um pouco mais poderia entrar em estado de AIDS e com a pandemia da COVID 19, em 2020, certamente seria meu fim. Disseram que era dengue, Chikungunya… qualquer coisa, menos HIV. Me deram alta logo que melhorei e como sempre me cuidei nunca imaginei que fosse HIV, muito embora soubesse que era algo que poderia acontecer com qualquer um” disse.
Negligência do Hospital
O influenciador explica que a atitude negligente do hospital , foi além de um ato homicida que levaria à sua morte se não fosse diagnosticado a tempo, foi ainda pior: um ato genocida e homofóbico mesmo que não tenha sido intencional, embora ele afirme que tenha dúvidas com relação a essa questão. “Sem saber e com a carga viral crescente, poderia acabar, infelizmente, infectando meus pares , como quase aconteceu com um namorado que tive naquele período. Eu sempre me cuidei e usei preservativo mas em um dia de intimidade, aconteceu. Eu fiquei apavorado que tivesse passado HIV para ele, mas graças a Deus isso não aconteceu”, contou, aliviado.
“Eu confiei no hospital e laboratório, afinal, se tivesse algo de errado me chamariam, não é esse o protocolo? Mas mesmo tentando pegar o resultado não fui informado sobre a necessidade de coletar um novo exame, entendi que estava tudo bem“.
A partir do final de dezembro de 2018, ìtalo teve uma primeira infecção e desde então iniciou vindas ao médico para tratamentos com antibióticos praticamente a cada mês , foi por essas “faltas” e presença de sintomas como vermelhidão na pele e gânglios inchados que houve a percepção da empresa. “O CEO chegou a me levar para tomar uma injeção de ceftriaxoma no hospital e perguntou : o que será que você tem? Estamos preocupados”. Aparentemente, sem que soubessem do diagnóstico em si, assumiram que era HIV a partir da minha sexualidade que naquele momento não era escondida. Ainda assim, ele conta que com a suposta aceitação já havia recebido alguns feedbacks sobre a forma como ele falava puxando o “x” e que sua aparência não era masculina o suficiente por conta do cabelo colorido na época.
“Quem já passou por alguma espécie de homofobia sabe como essas falas são veladas nas empresas, eu aparecia muito nos vídeos e essa avaliação se tornava mais presente”, desabafou Ítalo.
Sobre o hospital ele acrescenta: “Quando tentei perguntar ao Hospital Português o que havia acontecido (tenho os áudios) a enfermeira disse que possivelmente a minha amostra havia sido perdida. Já a diretora responsável do laboratório do hospital informou que na verdade houve uma falha de comunicação que eu precisava realizar uma segunda coleta, pois meu exame havia dado positivo – inconclusivo, mas nunca consegui realizar essa referida coleta”, contou Ítalo. Conforme relatado, somente em abril de 2019 veio o diagnóstico por parte do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP) e que sua carga viral já estava alta, se ficasse mais tempo sem saber poderia progredir para Aids.
“Depois que descobriu a sorologia em abril de 2019, Ítalo relata que repensou sobre como poderia ter finalmente contraído o vírus, é algo que qualquer um ficaria preocupado pensando nos deslizes que possa ter cometido”.
No vídeo, Ítalo relata que havia feito uma cirurgia para tirar uma veia da perna apenas 14 dias antes da internação, e que achou muito suspeito. “Naquela época não havia tido relação com ninguém, especialmente sem preservativo. Minha última relação de risco havia sido entre 2-7 de junho de 2018 e em meados de julho de 2018 fiz o teste, que deu negativo, por isso ainda suspeito que alguma coisa possa ter acontecido na cirurgia que fiz em setembro, fico com medo de ter sido uma contaminação intencional. Era época de eleição meu cabelo estava vermelho e o médico que me operou era bolsonarista. Eu não posso acusar pois não tenho provas, mas fica ainda mais suspeito por nunca conseguir ter acesso ao meu resultado. Se fosse um projeto para matar ou infectar pessoas LGBTs faria algum sentido, espero que isso seja apenas coisa da minha imaginação e por isso reforço apenas a denúncia contra a negligência do hospital“, ressaltou Ítalo.
Repercussão
O vídeo publicado por Ítalo Costa teve grande repercussão. Além de estar com quase 25 mil visualizações, também foi compartilhado por diversas pessoas em apoio ao influenciador. “Ter me vulnerabilizado diante de todos foi fundamental para, finalmente, trazer clareza no propósito deste canal e isso me deu uma força imensa para continuar existindo nesse plano. Assim como muitos outros LGBTs eu não recebi acolhimento da minha família e resisti a diversos preconceitos maldosos desde familiares até o trabalho, eu já fui chamado de doença… Eu sei que a minha história pode ajudar a muitos e a minha forma de trazer essa narrativa com o conhecimento de um cientista e a habilidade de um comunicador tem a graça e o carisma para levar mesmo os mais conservadores a alguma reflexão”, relatou ao site Dois Terços.
Ítalo contou ainda que tem recebido bastante apoio e mensagens de outras pessoas Indetectáveis que não conseguem ter abertura para falar sobre o assunto nem mesmo para a família. “Esse silêncio em primeiro lugar é assassino e doloroso, principalmente porque vem de um lugar de preconceito e desvalorização da vida da pessoa LGBT. Ter uma pessoa que consegue verbalizar de uma forma clara e ainda ter um respaldo técnico para tratar com leveza é uma das maneiras mais poderosas de juntar forças contra o preconceito e em favor da causa no combate contra HIV/Aids, outras ISTs e também contra o preconceito que envolve o tabu da sexualidade e assim os estigmas de nossa comunidade, que como um ciclo retroalimenta as infecções, abusos e perversidades. Eu falo sobre amor”, contou Ítalo.