Unaids: série histórica mostra menor incidência de ISTs em bissexuais
Um dos termos mais utilizados para se referir preconceituosamente a pessoas bissexuais é a expressão “vetor de doença”, dito por pessoas dentro e fora da própria comunidade queer (termo em inglês para minorias sexuais e de gênero), já que muitas relacionam a sexualidade bi à promiscuidade e, com isso, ao aparecimento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). No entanto, dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) demonstram que os bissexuais são a orientação sexual com menos diagnósticos de infecções ligadas à prática de sexo, se comparados a homo e heterossexuais.
O Metrópoles falou com um dos empresários responsáveis pela clínica LGBT com Local, o psicólogo especialista no público LGBTQIAP+ Lucas de Vito, que afirma: o estigma que liga doenças a LGBTs, especialmente aos bissexuais, vem desde a Idade Média.
Em tempos modernos, o assunto passou a ser associado a condições específicas, como as ISTs, particularmente ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids).
“Existe uma patologização de pessoas LGBT+ desde a Idade Média, de diferentes maneiras. Se a Igreja católica nos acusava de sermos seres demoníacos, no último século fomos colocados como seres doentes fisicamente. Com a história do HIV percorrendo e vitimando pessoas da comunidade, ficou fácil para setores da sociedade estigmatizarem LGBT+ como seres doentes, inclusive os bissexuais. Esses últimos, por saírem totalmente da lógica heteronormativa, que tenta colocar todo mundo como um ser dicotômico”, explica Vito.
A sigla LGBTQIAP+ refere-se especificamente a pessoas fora do espectro padrão de sexualidade e gênero: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Questionando, Intersexuais, Curioso, Assexuais, Pansexuais e outros.
O psicólogo explica que cada letrinha da sigla arco-íris costuma sofrer com um tipo de preconceito diferente: pessoas trans sofrem com hipersexualização, desemprego e representatividade; lésbicas, com o machismo e hipersexualização; bissexuais, com a invisibilidade proveniente da pressão pela monossexualidade e estigma de promiscuidade; e gays costumam sofrer com distorção de imagem, solidão e preconceito de outros gays.
“Bissexuais são vistos como heteros ou homossexuais pela sociedade, mas nunca por quem realmente são”, afirma o psicólogo.
Vito se refere à pressão social sofrida por bissexuais: de um lado, a afirmação de que são outra orientação sexual que se acabam se relacionando com um gênero específico (por exemplo: homens bissexuais que se relacionam só com homens são vistos como gays). De outro, há o estigma da promiscuidade: homens e mulheres hetero associam os bissexuais a preferências por menage a trois – o que faz com que sejam vistos como os “unicórnios sexuais (que não se envolve emocionalmente com o casal)” desse público.
Há, ainda, preconceito contra bissexuais relacionado ao estigma de desconfiança, porque muitas vezes outras orientações sexuais optam por não se relacionar com bissexuais por medo de traição.
De qualquer forma, o resultado é o mesmo: todo o estigma ruma para a associação de que bissexuais, por serem vistos como “mais mentes abertas sexualmente”, teoricamente acabam contraindo mais doenças sexuais.
Bissexuais e LGBTs x Aids e HIV
Foram, ao todo, 15,4 mil diagnósticos de Aids notificados e investigados no Brasil no ano passado, de acordo com o painel de dados do Unaids e do Ministério da Saúde. Desse número, 368 são diagnósticos de pessoas bissexuais.
Os dados começaram a ser colhidos em 1980 – e desde lá já foram mais de 1 milhão de diagnósticos -, com o primeiro reporte de incidência da doença sendo registrado no estado de São Paulo. Historicamente, a Região Sudeste costuma registrar mais casos positivos da doença, seguida pelo Sul, Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Dos mais de 1 milhão de diagnósticos notificados no Brasil desde 1980, 52,9 mil deles são de pessoas bissexuais. Já homossexuais têm 133,7 mil casos notificados e heterossexuais um total de 406,2 mil notificações – um valor que ultrapassa a soma das sexualidades anteriores. Os demais casos estariam fora dessas orientações sexuais.
Fim à Aids
O relatório global de 2023 da Unaids, chamado “O Caminho que Põe Fim à Aids”, considera que a pandemia de HIV afeta populações específicas e que a prevalência da IST é 11 vezes maior entre homens que fazem sexo com outros homens, quatro vezes maior em trabalhadores sexuais, sete vezes maior entre pessoas que fazem uso de drogas injetáveis e 14 vezes maior entre pessoas trans.
Essas altas taxas muito provavelmente se devem ao fato de pessoas LGBTs cuidarem mais da saúde, por fazerem mais exames de rotina que as pessoas heterossexuais e cisgêneras e, por isso, consequentemente também receberem mais diagnóstico, segundo o professor de Medicina do Ceub, Nícolas Cayres, ginecologista e obstetra.
“Pessoas que têm relação anal têm mais risco de contrair determinadas ISTs”, afirma Cayres. “O que observamos no consultório é que não existe uma preocupação tão grande de pessoas heterossexuais e cisgêneros em rastrear ISTs rotineiramente. As pessoas LGBT costumam fazer exames periódicos, de check-up, com mais frequência”, explica.
Diagnósticos de Aids no Brasil:
- 2022: 15.412;
- 2021: 35.246;
- 2020: 30.638;
- 2019: 38.327;
- 2018: 38.627;
- 2017: 39.095;
- 2016: 39.916;
- 2015: 41.519;
- 2014: 42.623;
- 2013: 43.850;
- 2012: 43.004;
- 2011: 43.225;
- 2010: 41.226;
- 2009: 41.608;
- 2008: 41.591;
- 2007: 38.897;
- 2006: 37.814;
- 2005: 38.360;
- 2004: 38.576;
- 2003: 38.334;
- 2002: 39.404;
- 2001: 34.996;
- 2000: 36.590;
- 1999: 26.488;
- 1998: 28.869;
- 1997: 25.958;
- 1996: 23.695;
- 1995: 20.821;
- 1994: 18.027;
- 1993: 16.428;
- 1992: 14.250;
- 1991: 11.531;
- 1990: 8.660;
- 1989: 6.015;
- 1988: 4.353;
- 1987: 2.710;
- 1986: 1.123;
- 1985: 535;
- 1984: 134;
- 1983: 42;
- 1982: 18;
- 1981: sem dados;
- 1980: 1;
- Total: 1.088.536.
Prevenção
Em quesito de prevenção sexual, além da camisinha, existem medicamentos acessíveis em posto de saúde espalhados pelo Brasil, como o PEP, medicamento de proteção indicado após a exposição ao HIV, que só deve ser solicitado em caráter de urgência; e o PrEP, que deve ser tomado antes da exposição e depende de vários fatores, de acordo com informações da Secretaria de Saúde de São Paulo.
Apesar do estigma que a Aids carrega, tendo sido referida no passado como uma doença do público queer, é válido destacar que atualmente se vive normalmente mesmo após o diagnóstico, caso as medicações sejam regularmente tomadas e um estilo de vida saudável seja mantido. A Aids/HIV não é uma doença limitante.
Dia da Visibilidade Bissexual
Neste sábado (23/9) é celebrado o Dia da Visibilidade Bissexual. Pensando na falta de representatividade, a Frente Bissexual Brasileira criou o primeiro Encontro Nacional do Movimento Bissexual Brasileiro, que ocorre neste fim de semana, em Brasília (DF).
Entre os painéis do evento, está a “Saúde Bi e Enfrentamento à Bifobia”, que promete debater sobre os estigmas relacionados à sexualidade.
Da Agência AIDS