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Redes pública e privada de saúde adaptam protocolos para atender pessoas trans

Foto: Divulgação

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garante direito de acesso amplo e irrestrito a pessoas trans e travestis aos serviços de saúde já gera impactos nos sistemas público e privado. O Ministério da Saúde está preparando mudanças nos protocolos de atendimento para que a decisão da Corte seja cumprida. Já na rede privada as mudanças são mais lentas e devem ser implementadas primeiro por hospitais de referência.

A ação que gerou a decisão no STF foi ajuizada pelo partido do governo, o PT, que apontava entraves no Sistema Único de Saúde (SUS) que dificultavam o acesso dessa população a consultas médicas especializadas, principalmente nos casos em que a pessoa ainda não fez a cirurgia para troca de gênero.

Para atender a determinação, o Ministério da Saúde alterou no final do mês passado as restrições de gênero de 271 procedimentos médicos oferecidos pelo SUS para ampliar o acesso a exames, cirurgias e outros procedimentos por pessoas transexuais e travestis.

O ministério deve anunciar na semana que vem uma nova medida para adaptar seus protocolos de atendimento. Será permitida a autodeclaração de nome social e identidade de gênero no aplicativo Meu SUS Digital. Com isso, todas as informações editadas e autodeclaradas serão integradas ao Cadastro Nacional de Usuários do SUS (CadSUS) e espelhadas nos sistemas das unidades básicas de todo o país.

A pasta elabora também uma política nacional de atenção especializada à população trans para melhorar o acesso do público aos serviços de saúde. O documento passa por análise interna da assessoria jurídica do ministério antes de ser publicado no Diário Oficial da União.

Gestante trans

A Maternidade Climério de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), já vem adotando um protocolo inovador no Brasil: uma caderneta para gestantes trans. A unidade é gerenciada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), vinculada ao governo federal.

Segundo a diretora de Atenção à Saúde da Ebserh, Lumena Furtado, a ideia é expandir o serviço. A rede é responsável por 45 hospitais universitários federais.

— Estamos investindo muito fortemente na ampliação da rede de cuidado da pessoa trans. Um deles é o cuidado do pré-natal e parto da pessoa trans, um ponto muito sensível. A caderneta vai ajudar a singularizar o cuidado com o corpo da pessoa trans.

De acordo com Furtado, a rede também investe no aprimoramento do tratamento hormonal. O trabalho é alinhado com o Ministério da Saúde.

A caderneta para a pessoa trans leva em conta a identidade de gênero, tanto da pessoa que está gerando o bebê como da parceira, possibilita o pré-natal de duas pessoas num único instrumento de assistência. Além disso, também traz informações sobre uso de hormônios e mastectomia para quem está em processo de transição.

João (nome fictício) foi um dos primeiros gestantes a utilizar a novidade. Ele havia começado a gestação com a antiga caderneta, voltada para mulheres, e trocou pela nova já na fase final da gravidez.

— Quando comecei o pré-natal ainda não tinha a cartilha do gestante. Continuei com a caderneta da gestante e substituí no sétimo mês. A cartilha dá esperança para a gente de inclusão em espaços que não foram feitos para nós. Espaços de maternidade não foram feitos para homens trans, e a caderneta nos fará estar em espaços de saúde com o mínimo de dignidade e respeito possível.

Mudanças

A rede privada também já começou o seu processo de adaptação. O Hospital Sírio-Libanês é referência na área e conta com a orientação do coordenador de Inclusão e Diversidade da instituição, Joseph Kuga, 33 anos, um homem trans que atualmente é responsável por iniciativas que envolvem os temas de LGBTQIA+, pessoas com deficiência, étnico-racial, gerações e gênero na instituição.

Joseph, que impulsionou a criação do Núcleo de Cuidados em Saúde para Pessoas Trans “Larissa Giannoccaro Linares”, dentro do Sírio, detalha as dificuldades encontradas por pessoas trans no atendimento à saúde.

— Às vezes você está com o pé quebrado. E, quando você fala que é trans, a pessoa para de olhar para o seu pé quebrado e vai querer falar da sua transição. Eu falo por experiência própria — conta.

Felipe Duarte Silva é gerente de Práticas Médicas, Desfecho Clínico e Protocolos do Sírio-Libanês e membro do Núcleo Trans. Segundo ele, a colaboração de Joseph é essencial, pois ele traz experiências próprias, e que não podem ser vividas por pessoas cisgênero. Um dos pontos que relata ter aprendido é a importância de educar os profissionais para evitar “microagressões” durante o atendimento.

— As micro agressões provavelmente são o fator que mais afasta as pessoas trans. Dou um exemplo: o paciente está na recepção e alguém lê o nome que foi atribuído no nascimento. Isso provoca um constrangimento. São coisas que a gente precisa evitar e nos adaptar— diz Duarte.

Segundo Joseph, o seu objetivo é fazer com que outras pessoas, inclusive as atendidas pela rede pública, não passem pelas experiências que ele enfrentou em atendimentos médicos.

Fonte: O Globo

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