Prospecção de política de saúde encontra efeitos da desigualdade racial na juventude da Bahia
As secretarias de Saúde e de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, em parceria com a Agenda Jovem Fiocruz, entregaram no dia 12 de março o resultado de um levantamento sobre a situação de saúde de jovens e adolescentes. Essas faixas etárias representam 29,6% da população baiana, sendo que jovens entre 15 e 29 anos compõem 22,4%.
A pesquisa é a primeira fase – chamada prospecção – da elaboração de uma política de cuidado para juventude e adolescência para o Sistema Único de Saúde (SUS) nos estados do Nordeste, fruto de uma parceria entre governos estaduais da Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e a cidade do Recife com a Agenda Jovem Fiocruz e o Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) da Faculdade de Medicina da USP. A Fiocruz Bahia também fez parte da prospecção nesse estado.
O objetivo é responder às demandas em saúde de adolescentes e jovens a partir da atenção primária, tendo como inspiração a Linha de Cuidado para Adolescentes e Jovens (LCA&J) implementada no estado de São Paulo. Trata-se de uma política “ascendente”, ou seja, que é feita a partir das demandas da população. Na fase de prospecção, cada estado pode identificar essas demandas locais para direcionar as políticas de saúde da maneira mais adequada.
Na Bahia, uma das principais questões identificadas é a desigualdade racial nos problemas de saúde. Porém, os serviços do SUS estão deixando de registrar a identificação de raça/cor dos pacientes.
“Encontramos grande subnotificação da população negra e indígena nos dados. Essa informação faz parte da rotina do sistema de saúde, mas ainda é negligenciada”, afirmou a pesquisadora responsável pelo projeto, Gilmara Silva de Oliveira. “Isso mostra a importância de ampliar a formação continuada para gestores e trabalhadores do SUS, pensando no racismo institucional como determinante social da condição de saúde”, alertou a cientista.
Ao todo, 25% dos atendimentos não preencheram o quesito raça/cor dos pacientes. Mas, considerando os dados com essa informação, a população preta e parda responde por aproximadamente 94% dos casos de internação em todos os indicadores analisados. Na Bahia, 81% da população é considerada negra, sendo 58,6% composta de pessoas pardas e 22,4% de pessoas pretas.
Os pesquisadores recomendam que a macrorregião de saúde de Ilhéus seja a região piloto para a implementação da política de cuidado. Ela foi escolhida por apresentar uma quantidade de comunidades rurais, quilombolas e indígenas, além de já ser alvo de monitoramento da saúde de adolescentes, graças a pesquisadores do Núcleo Jovem Bom de Vida, da Universidade Estadual de Santa Cruz de (UFSC).
Para Marilda Gonçalves, pesquisadora da Fiocruz Bahia, a pesquisa é especialmente importante para melhorar a atenção e o cuidado à saúde jovens e adolescentes. “Esse estudo traz uma esperança quanto ao acompanhamento dos adolescentes, jovens e suas famílias, em vários estados da Federação. Nos enche de esperança quanto a uma mudança rápida no quadro que foi descrito”, afirma a cientista.
Jovens sofrem com violências e gestação
Os pesquisadores levantaram dados dos atendimentos do SUS no ano de 2021. Mais da metade (58%) das internações de jovens e adolescentes foram de mulheres, causadas por gravidez, parto e puerpério (período logo após a gestação). Dessas internações, 7,6% resultaram em abortamento da gravidez.
O recorte racial mais uma vez mostra diferenças entre as baianas. Entre as jovens e adolescentes brancas, mais de 70% fizeram sete ou mais consultas pré-natal. Já entre as negras esse percentual é 65,6%, e entre mães indígenas, 52%.
Na região de Ilhéus, 7,4% das mulheres nessa faixa etária não fizeram nenhuma consulta pré-natal, e mais da metade (53,8%) não chegaram a fazer 7 consultas.
A população masculina de jovens e adolescentes sofre principalmente com agressões, especialmente entre os jovens negros. De todas as mortes de jovens e adolescentes baianos em 2021, 91% foram de pardos (75,1%) e pretos (8,6%).
Levando em conta toda a população jovem e adolescente, 65,8% das mortes foram causadas por agressões, sendo que mais 10% foram resultado da ação de forças de segurança.
Homens jovens e adolescentes correspondem a 80,5% das internações por “causas externas” no SUS em 2021, categoria que inclui acidentes, violências e envenenamentos: 42% de todas as internações de homens jovens e adolescentes foi por “causas externas” naquele ano.
Linha de Cuidado
Linhas de Cuidado são uma estratégia de organização da atenção à saúde no SUS, que busca articular toda a rede de serviços de um território a partir da atenção Básica para o cuidado a uma determinada população ou questão de saúde. O objetivo da Agenda Jovem Fiocruz, da Equipe de Pesquisa da LCA&J do CSEB e das secretarias dos estados é desenvolver uma Linha de Cuidado especificamente para jovens e adolescentes, público que recebe pouca atenção dos serviços de saúde.
“Jovens têm necessidades distintas de acordo com a faixa etária e outros marcadores sociais. Por exemplo, nem todo jovem é adolescente”, explica André Sobrinho, coordenador da Agenda Jovem Fiocruz. “Apesar de sofrerem vários agravos à saúde, pessoas jovens apresentam dificuldade em acessar os serviços. Por isso, uma Linha de Cuidado pode oferecer um melhor acolhimento a essa população. Isso requer alinhamento entre pesquisa e gestão, o que abre muitas possibilidades de adaptação ao território”, completa.
Fonte: Fiocruz