Primeiro lutador gay de MMA fala sobre sua vida
Nunca na história do MMA brasileiro houve um lutador em atividade que assumisse ser homossexual. Apesar de entre as mulheres a homossexualidade ser tratada com naturalidade, com direito a ter grandes nomes como Amanda Nunes e Jéssica Bate-Estaca como representantes da comunidade LGBT, no masculino parece existir uma barreira, mas este tabu começa a ser quebrado diretamente de Laranjal do Jari, município localizado no Sul do Amapá com pouco mais de 50 mil habitantes.
Lá vive Washington Duarte Souza ou, se o leitor preferir, a “Princesinha Dourada”, como é conhecido em sua academia e até mesmo por moradores da cidade. Gay assumido, o lutador de 29 anos recebeu a reportagem do “Fantástico” nesta semana, conversou sobre sua história de vida e contou para sua mãe sua orientação sexual pela primeira vez.
Washington não se lembra quando se descobriu homossexual. Segundo ele, sempre foi algo natural em toda sua vida. Na academia, liderada pelo treinador Ricardo Macaco e que conta com o ex-UFC Tiago Trator como um dos atletas, Dourado (como também é chamado pelos mais próximos) sempre foi tratado com carinho pelos companheiros e é visto como um atleta de talento e potencial para chegar nos grandes eventos. Mas isso não impediu que ele fosse vítima de preconceito dentro do MMA.
– Primeira parte de preconceito que tive dentro do MMA foi um rapaz de uma cidade vizinha. Ele falou pro meu professor de jiu-jítsu que, se ele perdesse pra mim, ele iria embora da cidade. Eu ganhei a luta no primeiro round, nocauteei o menino e ele saiu da cidade – contou Washington, sendo ratificado por Macaco.
– Aconteceu um episódio, um lutador na época falou que, se ele perdesse, ele ia embora. Então, a luta foi fechada. Chegou o dia do evento, Dourado foi lá e ganhou e o cara foi tão “chicotado” que, de um tempo pra cá, sumiu. E hoje não mora mais na cidade.
Seu cartel no site “Sherdog” (plataforma que registra resultados de lutadores profissionais de MMA no mundo todo) é de cinco vitórias e duas derrotas, com três resultados positivos, apesar de o lutador garantir ter mais de 30 lutas na carreira. Para Tiago Trator, Washington está pronto para enfrentar “o top 1 do Brasil” na categoria até 61kg. Ele também lembrou de outro episódio no qual acredita que o preconceito atingiu seu amigo e companheiro de equipe.
- Fui levar ele para lutar em Macapá, simplesmente ele deu um show, ganhou os três rounds. No resultado dos juízes deram a luta para o oponente dele. E todos que estavam presentes no evento viram que ele ganhou a luta e creio que teve um certo preconceito pela parte de ele ser homossexual.
Para a lutadora Jéssica Bate-Estaca, que fez a primeira luta da história do UFC entre duas atletas homossexuais (quando enfrentou Liz Carmouche), é o machismo aliado à homofobia que dificulta o surgimento de atletas gays no MMA masculino, já que o esporte costuma ser taxado como “coisa de homem”.
- Dentro do mundo do MMA, nunca conheci (lutadores homossexuais do sexo masculino). Mulheres a gente costuma ver bastante, agora é muito difícil ter homens assumidos. Pode existir algum, mas que assumiu, até hoje não conheci. Acredito que o mesmo preconceito que há de ter mulheres lutando MMA na visão das pessoas de “ah, não é uma profissão pra mulheres”, também seria uma coisa muito machista de um homem assumir que é gay e ser lutador de MMA. A visão que é passada de lutador de MMA é do cara fortão, super hétero, que bate, que briga, essa é a visão. Para a mulher é mais fácil, a mulher já nasceu cheia de tabus, de preconceitos de profissão, que mulher tem que ser só dona de casa e mãe, então, pra gente, assumir é motivo de força. De mostrar que sou forte, sou decidida na minha vida, sou gay e não tenho problema de expor isso pro mundo porque não me importo com o que as pessoas vão dizer, porque a vida inteira eu sofri preconceito – analisou a ex-campeã do peso-palha do UFC.
Atualmente, Washington só teve chance de lutar em eventos no Amapá. Com o sonho de ter oportunidade em eventos maiores, o lutador acredita que sua posição pode incentivar outros lutadores homossexuais a se assumirem publicamente, e quer utilizar o esporte para levantar a bandeira contra a homofobia.
Quando a reportagem chegou em Laranjal do Jari, Washington contou que nunca havia contado para sua mãe, Maria de Fátima, sobre sua orientação sexual e aceitou que este momento fosse gravado.
- Nunca cheguei com ela pra conversar. Ela já ouviu me chamarem de Princesinha, Douradinho, mas nunca ouviu de mim mesmo. Sinto que é o momento para dizer para ela. Não sei como a minha mãe vai reagir, porque ainda não cheguei com ela para dizer que sou homossexual.
Nervoso, Washington chegou a gaguejar para falar, mas, ao contar diante das câmeras, viu sua mãe apenas abrir o sorriso e revelar que já sabia disso desde a infância dele. Os dois se abraçaram e, quando Maria de Fátima ouviu o filho agradecer pela compreensão, respondeu:
- Quem fica grata sou eu. Fico grata de tudo que você vive, que está sobrevivendo, está vencendo e que Deus lhe dê força e você vença em tudo na sua vida.
- Eu estava nervoso. Sempre vi amigos meus sendo rejeitados pelos familiares. Hoje é a primeira vez que estou dizendo isso a ela. Fiquei nervoso (risos) – afirmou Dourado.
Assim como Maria de Fátima, o público nas lutas de Washington costuma apoiar o atleta, que dá um show à parte em suas entradas. Sempre com um roupão colorido, ele entra ao som da música “Cheguei”, da cantora Ludmilla, e diz que os fãs vibram.
– (Quando entro nas lutas) é uma vibração muito grande porque as pessoas gritam. A emoção é muito grande, as pessoas me chamando, gritando meu nome. “Vai, Princesinha Dourada!”. E logo na entrada tem a música da Ludmilla: “Cheguei, cheguei chegando bagunçando a zorra toda…”.
Do Combate