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O amor de iguais nas canções de Jorge Vercillo

Genilson Coutinho,
06/05/2023 | 12h05

Por Carlos Leal

(Lucas Soares/Divulgação)

Jorge Vercillo, um dos maiores sucessos pops da Música Popular Brasileira (MPB), é um dos compositores brasileiros mais desprovidos de preconceitos, embora com um número pequeno de músicas que tratam do universo LGBTQIAPN+, é um compositor que fala sem preconceitos. As músicas que falam de amor entre iguais em nada alterou o sucesso pop de Vercillo, que, aliás, casado com uma baiana de Itapuã, já é quase soteropolitano.
Paras começar, vamos falar de Final Feliz (Jorge Vercillo), gravada inicialmente em parceria com Djavan no álbum Leve (2000). Foi a música que projetou a carreira do artista carioca para todo o Brasil. Uma música LGBT? A princípio podemos dizer que assume as duas posições, pois também embala o público heterossexual. O que poucos sabem é que a música foi feita com outro propósito: ela entraria no repertório da cantora paraibana Renata Arruda e realmente com uma “pegada” mais LGBTQIAPN+. O fato é que, para sorte de Vercillo, a música acabou não entrando no repertório da paraibana e o autor acabou gravando a mesma com Djavan. Até hoje um dos maiores do artista. O que dizer de frases

como:
“Chega de fingir
Eu não tenho nada a esconder
Agora é pra valer, haja o que houver
Não tô nem aí
Não tô nem aqui pro que dizem
Eu quero é ser feliz, e viver pra ti
Pode me abraçar sem medo
Pode encostar tua mão na minha”

Jorge não teve (nunca) medo de ousar nas letras de suas canções. Essa possibilidade de gravar uma canção com letra que podemos considerar dúbia, hora LGBT, hora Hétero, poderia condenar a música ao insucesso, especialmente para artista em início de carreira fonográfica. Ele não teve essa preocupação.
E o que dizer de Avesso, música que faz parte do mesmo álbum de Final Feliz? Se em Final Feliz a letra pode ser dúbia, em Avesso ela é direta e fala de um amor proibido entre dois homens, não tem meio termo. Lançada em 2000, quando o movimento LGBTQIAPN+ começava a se consolidar, a música provocou inúmeras discursões. A principal delas? “Jorge Vecillo é gay?”. Isso em nada importa nem está em pauta e nem sei se Jorge nunca teve a preocupação em responder a essa pergunta,  mas me lembra uma frase de Chico Buarque de Holanda: “achar que cada música que faço tem a ver com o que eu vivo ou histórias da minha vida é duvidar da minha capacidade criativa”.
Avesso, não tenho dúvidas, fez muita gente chorar. O amor impossível, a questão familiar, a possibilidade de não ser concretizada uma história com “final feliz” nessa encarnação era (ou ainda pode ser) a realidade de muita gente. Avesso teve outras regravações, uma delas de Rick Vallen, um artista talentoso mas ainda em busca de um estilo,  mas não tenho dúvida: quem emociona é Jorge Vercillo, o artista que sabe a nota e a palavra certa. A música tem a frase “a idade média é aqui”, uma referência a sociedade preconceituosa e violenta que vivemos até hoje.  Quanto a Avesso:

“…Com dois canos pra mim apontados
Ousaria te olhar, ousaria te ver
Num insuspeitável bar, pra decência não nos ver
Perigoso é te amar, doloroso querer
Somos homens pra saber o que é melhor pra nós
O desejo a nos punir, só porque somos iguais

O que eu sinto, meu Deus, é tão forte
Até pode matar
O teu pai já me jurou de morte
Por eu te desviar”
Para fechar a “trilogia Verciliana”, temos Pela Ciclovia, parceria dele com Leila Pinheiro e Paulo Sérgio Valle. Não é uma música necessariamente LGBT, apenas com alguns toques. Em entrevista sobre a música para o DVD em que ela foi lançada, Jorge conta que a frase “olha a bandeira do quiosque, é um arco-íris” seria “olha a bandeira do gayosque, é um arco íris”, mas preferiu mesmo o “quiosque”. A música, uma das minhas preferidas, foi gravada com participação dos outros dois autores: Leila Pinheiro e Paulo Sérgio Vale. Quem não conhece, vale muito a pena conhecer:
“…Onde anda o meu viver?
Quero vê-lo voltar
De mãos dadas com você
Na beirinha do mar
Só ele sabe

O sol estende o seu tapete luz só pra você passar
Mítica manhã dos pescadores
Salva-vidas, futevôlei
A bola pega alguém, no tai chi chuan
É como um balé à beira-mar
Olha a bandeira do quiosque é um arco-íris”

Que Venham muitas outras obras primas de Jorge Vercillo!

Carlos Leal -Jornalista formado pela Universidade Tiradentes, Especialista em Marketing Digital, autor do livro infanto-juvenil Histórias de Dona Miúda: a Raínha do Forró (Ed.Pinaúna), co-autor do livro Cem Anos de Dorival Caymmi: panoramas diversos, em parceria com a Professora Dra. Marilda Santanna. Atualmente colabora com artigos e textos para O Dois Terços e para o jornal A Tarde e escreve duas biografias: da cantora alagoana Clemilda e da sambista baiana Claudete Macêdo.