Cinema

Nicho 54 promove mostra insurreição! Com 13 filmes sobre biografias de resistências negras

Genilson Coutinho,
18/08/2021 | 13h08
Foto : Divulgação

De 27 de agosto a 05 de setembro, o NICHO 54, instituto que trabalha pela promoção e valorização dos negros brasileiros no audiovisual, apresenta a mostra “Insurreição!”. Com apoio da Open Society Foundations e acesso gratuito pela SALA 54, a iniciativa presta tributo às biografias de resistência de pessoas negras ao longo da história por meio de 13 longas e curtas-metragens nacionais e internacionais, sendo três deles exibidos pela primeira vez no país.

A seleção traz ficções e documentários produzidos ao longo de seis décadas no Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Argélia, Cuba e Gana, divididos em três eixos temáticos ou campos de resistência à opressão: Não Me Curvarei!, Formas de Existir Negro e Nem Tudo Cabe na Representatividade.

Destaque para a première Brasil de “Nationtime”, de William Greaves, um dos principais documentaristas negros estadunidense e autor de mais de 100 produções do gênero documental que versam sobre história, política e cultura afro-americana. Após ter ficado perdido por um longo período e ter sido encontrado em um galpão em Pittsburgh em 2018, o documentário, lançado em 1972, ganha exibição em versão restaurada na mostra em sessão gentilmente autorizada por Louise Greaves, viúva e parceira cinematográfica do diretor.

Também em exibição inédita no país, a produção “Pátria” (Zahlvaterschaft), do cineasta alemão Moritz Siebert, retrata a luta de um homem em busca da cidadania alemã há mais de 30 anos, desvelando a perversidade do sistema colonial. O filme integrou a seção Forum Expanded, do Festival de Berlim deste ano. Outra atração internacional é “Panteras Negras: vanguarda da revolução” (The Black Panthers: Vanguard of the Revolution), único documentário em longa-metragem a explorar a importância do Partido dos Panteras Negras para a vida cultural e política dos Estados Unidos. O filme traz uma grande quantidade de entrevistas tanto com ex-lideranças quanto com anônimos, além de endereçar as contradições e complexidades do partido.

Já “As pretas contra-atacam” (Chocolate Babies), de Stephen Winter, apoia-se na sátira social para acompanhar um grupo de gays, lésbicas e travestis que lutam contra políticos conservadores homofóbicos nas ruas de Nova Iorque. A sessão em “Insurreição!” celebra os 25 anos da primeira exibição deste filme no OutFest, festival voltado à representação das pessoas LGBTQIA+.

A assinatura brasileira em “Insurreição!” faz-se presente com produções de horror, comédia e obras experimentais que buscam a reflexão do público para temas como processos coloniais, resistência à escravização e formação da sociedade brasileira. Destaque para o curta-metragem “Entenda o processo colonial em 5 minutos”, de Ana Julia Travia, narrado pela atriz e poeta Roberta Estrela D’Alva. Já “As Aventuras Amorosas de um Padeiro”, dirigida por Waldyr Onofre, apenas a quarta pessoa negra brasileira a dirigir um longa-metragem, apresenta uma fábula controversa sobre luta de classes e relacionamento interracial no Brasil dos anos 1970. 

“Quando pensamos em resistência negra, qual forma ela toma? Com quais corpos a associamos? A nossa abordagem curatorial em “Insurreição!” convida o público a repensar pré-concepções e ir além da imagem do homem negro como símbolo único da militância. Priorizamos um entendimento amplo de luta negra, trazendo para destaque também os corpos dissidentes que constroem espaços divergentes da cisheteronormatividade”, afirma Heitor Augusto, programador-chefe do NICHO 54 e curador da mostra.

“Insurreição!” é a segunda mostra promovida pelo Eixo Curatorial do NICHO 54 neste ano. A primeira delas foi a “América Negra: Conversas Entre as Negritudes Latino-americanas”, que exibiu 35 filmes, produzidos em 10 países diferentes, entre os dias 04 e 13 de junho. Contando com grande audiência internacional, a mostra foi vista em mais de 20 países, entre eles Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Equador e México. “Entendemos a curadoria como esse espaço para a construção de pertencimento para os espectadores negros e negras, bem como um espaço para uma representação complexa das nossas vivências. A nova mostra do NICHO 54 representa a consolidação dessa visão curatorial racializada”, acrescenta Augusto. 

SALA 54

A programação da mostra “Insurreição!” será exibida pela plataforma de streaming exclusiva SALA 54 (www.sala54.com.br), que abriga todas as mostras online de filmes do NICHO 54. Cada título ficará disponível para acesso por um período de 47 horas a partir da data de estreia no site, que será sempre às 19h.

Para possibilitar que o público consiga assistir ao máximo possível de filmes serão promovidas duas sessões reprises ao longo da mostra. A primeira delas na terça, 31 de agosto, exibirá novamente os filmes inicialmente projetados entre sexta, 27, e segunda, 30; a segunda reprise, realizada no último domingo (5 de setembro) da mostra, exibirá os filmes inicialmente projetados entre quinta (2) e sábado (4) da última semana.

Confira abaixo a lista completa e a janela de exibição dos filmes que integram a mostra “Insurreição!”:

●     Filme: “As aventuras amorosas de um padeiro”, de Waldyr Onofre – Ficção, Brasil, 1975, 109 minutos

Janela de exibição: 03 de setembro às 19h até 05 de setembro às 23h.

Sinopse: Rita, uma mulher branca, está desiludida com a vida de recém-casada. Estimulada pelas colegas, passa a levar uma vida mais livre e aceita uma aventura com o português Marques, dono de uma padaria, e, mais tarde, conhece Saul, homem negro e artista com quem se envolve. A relação dos dois dispara respostas do entorno de ambas as personagens neste filme que alterna comentário social com comédia.

●     Filme: “As pretas contra-atacam” (Chocolate Babies), de Stephen Winter – Ficção, EUA, 1996, 83 minutos

Janela de exibição: 04 de setembro às 19h até 05 de setembro às 23h

Sinopse: Um bonde de bixas pretas auto-denominadas “raivosas, ateias, comedoras de carne, soropositivas, terroristas” luta contra políticos conservadores homofóbicos nas ruas de Nova Iorque nessa sátira de guerrilha selvagem de Stephen Winter. Ambientado na metade da década de 1990 e denunciando a apatia do governo com relação à crise da AIDS – que afetou principalmente as pessoas negras -, As pretas contra-atacam mistura uma exuberante estética camp e uma revolta política ardente que resulta em uma afirmação radical do poder das bixas pretas. Vencedor NewFest e do SXSW, a exibição de As pretas contra-atacam na mostra “Insurreição!” marca o aniversário de 25 anos da estreia do filme.

●     Filme: “Contrafeitiço” (Spit on the Broom), de Madeleine Hunt-Ehrlich – Experimental, EUA, 2019, 12 minutos

Janela de exibição: 28 de agosto às 19h até 30 de agosto às 18h

Sinopse: Navegando entre o surrealismo, os registros em arquivo e a manutenção do segredo, Contrafeitiço (Spit on the Broom) apresenta a história da United Order of Tents, uma organização secreta de mulheres negras surgida nos anos 1840, durante o ápice da Underground Railroad (rede de rotas clandestinas e abrigos secretos nos Estados Unidos do século 19 usada para a fuga de escravizados para os estados do norte do país ou para o Canadá). Incorporando a dinâmica do mistério da organização, o filme estrutura-se em torno de excertos do domínio público, artigos de jornal relacionados com a Tents ao longo de 100 anos e de uma trama visual fabular e mítica.

●     Filme: “Entenda o processo colonial em 5 minutos”, de Ana Julia Travia – Documentário, Brasil, 2019, 5 minutos

Janela de exibição: 29 de agosto às 19h até 31 de agosto às 18h

Sinopse: Construído como parte da estrutura dramatúrgica da peça Black Brecht: E se Brecht fosse negro?, apresentada pelo Coletivo Legítima Defesa em 2019, este filme/vídeo-intervenção faz uso da montagem, de conteúdos da internet e da potente performance sonora de Roberta Estrela D’Alva para desnudar o saque dos territórios do Sul Global pelos países do Norte Global.

●     Filme: “Maluala”, de Sergio Giral – Ficção, Cuba, 1979, 84 minutos

Janela de exibição: 30 de agosto às 19h até 1º de setembro às 18h

Sinopse: Cuba, século 19. Estamos num palenque – similar ao que são os quilombos no Brasil – de nome Maluala, na parte leste de Cuba. Nesse cenário, Gallo e Coba, chefe de dois palenques, exigem que o governo colonial conceda liberdade e terra para as populações escravizadas em fuga. O representante da coroa espanhola faz uma contraproposta: a liberdade será concedida apenas aos líderes, não a toda população. Frente a esse dilema ético, Gallo, Coba e os outros líderes tomam decisões diferentes, o que desencadeia uma série de batalhas e conflitos. Qual caminho levará à liberdade?

●     Filme: Mato adentro, de Elton de Almeida – Ficção, Brasil, 2019, 19 minutos

Janela de exibição: 30 de agosto às 19h até 1º de setembro às 18h

Sinopse: Província de São Paulo, 1870. Um homem escravizado foge por uma mata fechada em busca de um suposto quilombo. Em seu encalço estão dois capitães-do-mato com ordens de capturá-lo a todo custo. Mas a mata, em suas profundezas, abriga mistérios e fantasmas capazes de cercá-los numa armadilha.

●     Filme: “Monangambeee”, de Sarah Maldoror – Ficção, Argélia, 1969, 16 minutos

Janela de exibição: 29 de agosto às 19h até 31 de agosto às 18h

Sinopse: “Monangambeee” era o grito de guerra entoado por ativistas durante a luta anti-colonial pela libertação de Angola para reunir os vilarejos. Monangambeee também é o título do curta-metragem dirigido por Sarah Maldoror que aborda a arrogância dos portugueses com relação à cultura angolana. A cineasta inspirou-se em um conto de José Luandino Vieira, que narra a história de um preso político, para realizar um filme sobre humilhação, solidariedade e resistência. Cópia restaurada a partir do original em 16mm pelo Instituto Arsenal de Berlim.

●     Filme: “Nationtime”, de William Greaves – Documentário, EUA, 1972, 80 minutos

Janela de exibição: 27 de agosto às 19h até 29 de junho às 18h

Sinopse: Considerado perdido por muitos anos, Nationtime documenta a Convenção Nacional Preta (National Black Political Convention)  de 1972, quando 10.000 políticos, ativistas e artistas negros foram até Gary, Indiana, para forjar uma plataforma nacional unificada antes da realização das convenções presidenciais republicanas e democratas. Um dos mais poderosos filmes já realizados por William Greaves, diretor negro estadunidense pioneiro no gênero documental, a versão original de 80 minutos que apresentamos jamais havia sido lançada. Encontrado em um galpão em Pittsburgh em 2018, o negativo de 48 anos foi meticulosamente restaurado pelo IndieCollect sob supervisão de Louise Greaves, viúva e parceira cinematográfica do diretor, a quem agradecemos por nos ter autorizado exibir esta versão.

●     Filme: “Pantera Negra”, de Jô Oliveira – Experimental, Brasil, 1968, 3 minutos

Janela de exibição – 02 de setembro às 19h até 04 de setembro às 18h

Sinopse: Um filme musical pintado à mão, Pantera Negra foi a primeira experiência com cinema de animação do artista e ilustrador Jô Oliveira. À época, Oliveira integrava o grupo Fotograma, organização que reunia o trabalho de diversos artistas e promovia o cinema de animação no Brasil. O filme foi digitalizado em 2019, o que permitiu a sua redescoberta como um material importante para a história do cinema experimental no Brasil. O material original, com as cores pintadas em nanquim, está sob os cuidados do artista. Pantera Negra ganhou menção honrosa no IV Festival de Cinema Amador JB/Mesbla, em 1968.

●     Filme: “Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução” (The Black Panthers: Vanguard of the Revolution), de Stanley Nelson – Documentário, EUA, 2015, 115 minutos

Janela de exibição: 02 de setembro às 19h até 04 de setembro às 18h

Sinopse: A mudança está chegando aos Estados Unidos. Cidades estão queimando, o Vietnã está explodindo e a luta furiosa por igualdade e direitos civis está despertando. Nesse contexto, uma nova cultura revolucionária emerge com o intuito de transformar drasticamente o sistema: o Partido dos Panteras Negras para Autodefesa. Utilizando-se de um verdadeiro tesouro de imagens raras da época, essa história é contada por seus protagonistas: informantes do FBI, jornalistas, apoiadores e detratores brancos, Panteras Negras que deixaram o partido e pessoas que permanecem leais à causa até hoje.

●     Filme: “Pátria” (Zahlvaterschaft), de Moritz Siebert – Documentário, Alemanha, 2021, 22 minutos

Janela de exibição: 29 de agosto às 19h até 31 de agosto às 18h

Sinopse: Gerson Liebl, neto de um oficial colonial alemão estacionado no Togo na primeira década de 1900, tem lutado para obter a cidadania alemã nos últimos 30 anos. Como último recurso, Gerson decide fazer uma greve de fome. As imagens de sua perseverança inabalável em frente à prefeitura de Berlim são acompanhadas de depoimentos, textos oficiais e posições políticas, bem como desculpas por parte do governo – algumas velhas, outras atualizadas.

●     Filme: “Shakedown”, de Leilah Weinraub – Documentário, EUA, 2018, 72 minutos

Janela de exibição: 28 de agosto às 19h até 30 de agosto às 18h

SinopseShakedown documenta a gênese e a trajetória da cena de clubes de strip tease lésbicos em Los Angeles, Estados Unidos. No centro dessa paisagem está a boate negra-centrada Shakedown. Existindo no underground e ilegal por natureza, o espaço é a representação mais obscura, ágil e jovem dessa cultura centrada na performance do corpo. Para aquelas que vivem em Los Angeles existe uma linguagem visual que é necessário aprender para apreender a cidade. As aparências enganam e do lado de fora a paisagem parece se repetir. Palmeiras e carros. À noite nada muda, a não ser pela quantidade de luzes e de carros. Alguns lugares apenas são difíceis de encontrar. A boate Shakedown é um deles.

●     Filme: “Você me esconde” (You Hide Me), de Nii Kwate Owoo – Documentário, Gana, 1970, 16 minutos

Janela de exibição:  29 de agosto às 19h até 31 de agosto às 18h

Sinopse: No ano de 1970, um marcante, notável e controverso documentário intitulado Você me Esconde chocou o mundo ao desvelar  a “Colonização da Arte Africana no Museu Britânico”, em Londres. Escrito, produzido e dirigido pelo cineasta ganês Nii Kwate Owoo, o filme, que se tornou um sucesso imediato e uma lenda, expôs as políticas dos regimes coloniais europeus que, ao estabelecerem seus domínios, tentaram eliminar todos os traços da civilização africana, religião, linguagem e arte. O filme revelou pela primeira vez centenas de milhares de artefatos roubados – até então nunca vistos – saqueados dos reinos de Ashanti e do Benin, na África Ocidental.

Sobre o NICHO 54:

Dirigido por Fernanda Lomba e Heitor Augusto, o Instituto NICHO 54 visa fomentar a presença negra no audiovisual. Incorporando perspectivas de gênero, classe e orientação sexual, atua na estruturação de carreiras de pessoas negras com vistas a posições de liderança criativa, intelectual e econômica.

O projeto está estruturado em três pilares: Formação, que compreende a capacitação para jovens profissionais exercerem distintas funções na cadeia do audiovisual e o fomento de cultura cinematográfica para esses agentes; Curadoria, cuja ênfase está na formação do olhar e de disputa do imaginário, seja por meio da programação de filmes quanto na oferta de oficinas e vivências curatoriais para jovens profissionais negros; e Mercado, com ações de estímulo à aproximação entre profissionais e a indústria, bem como atuando na sensibilização de agentes contratantes e realização de ambientes de mercado para projetos de realizadores negros.

O NICHO 54 nasce em diálogo com experiências internacionais que tratam da reparação dos cenários de exclusão de raça e gênero no audiovisual, como o programa Diversity no European Film Market (Berlinale) e Diversity in Cannes (Festival de Cannes).

SERVIÇO:

O quê: Mostra Insurreição!

Quando: De 27 de agosto a 05 de setembro de 2021

Onde: Exibições online pela plataforma SALA 54: www.sala54.com.br – informações completas dos filmes para acesso a partir de 23 de agosto de 2021.

Quanto: Grátis