Em uma sociedade em constante evolução, a discussão sobre inclusão e diversidade ganha espaço em todos os aspectos, inclusive na saúde e na campanha Novembro Azul, de prevenção e conscientização sobre o câncer de próstata.
O Novembro Azul teve início em 2003, na Austrália, chegou ao Brasil em 2008, trazida pelo Instituto Lado a Lado pela Vida em conjunto com a Sociedade Brasileira de Urologia. O objetivo do movimento é conscientizar a população acerca do câncer de próstata, principalmente com relação à importância do diagnóstico precoce e ao tabu do exame de toque.
Contudo, ainda que a campanha seja de suma importância para a manutenção da saúde dos brasileiros, pouco se fala sobre o fato de que o Novembro Azul sempre foi focado em homens cis. Pessoas não-binárias e intersexo e, especialmente, mulheres trans e travestis também estão sujeitas a serem acometidas pelo câncer de próstata, mas ainda assim as vivências e demandas delas não fazem parte da campanha.
Como resultado, a falta de acolhimento e cuidados em saúde dessa parcela da população resulta em um desfalque direto no volume de atendimentos.
Em entrevista à Agência Aids, a médica Layze Castberg, especialista em saúde e comunidade, afirmou que o cuidado integral em saúde é um princípio fundamental, e a inclusão é a chave para garantir que todas as pessoas tenham acesso a serviços de saúde de qualidade. “O cuidado preventivo em relação ao câncer de próstata é essencial, inclusive para mulheres trans.”
No Brasil, este é o terceiro tipo de câncer mais incidente. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o tumor maligno mais incidente no Brasil é o de pele não melanoma (31,3% do total de casos), seguido pelos de mama feminina (10,5%), próstata (10,2%), cólon e reto (6,5%), pulmão (4,6%) e estômago (3,1%).
O câncer de próstata é uma doença que se desenvolve na glândula prostática, parte do sistema reprodutivo masculino. É comum em indivíduos mais velhos. No estágio inicial, o câncer de próstata pode ser assintomático, tornando o diagnóstico precoce fundamental.
“Campanhas de saúde como o Outubro Rosa e Novembro Azul, historicamente foram construídas baseadas em um raciocínio cisgênero e tornam-se reprodutoras de estigmas de gênero. Isso dificulta o acesso a um melhor cuidado”, afirmou dra. Layze.
Ela destacou também que a questão não se trata apenas de reprodutores de estigma de gênero e falas discriminatórias e preconceituosas, mas “são processos gerenciais no âmbito da saúde que reforçam os estigmas de gênero, por muitas vezes impedindo o acesso da população trans, travestis e pessoas não-binárias.”
Segundo a profissional de saúde, os principais desafios de saúde que as mulheres trans, travestis e pessoas não binárias podem enfrentar em relação a questões associadas ao câncer de próstata estão alicerçados no acesso equânime aos serviços de saúde, exames, avaliação clínica que adequadamente avalie a pessoa de forma respeitosa, ancorada em princípios constitucionais como a garantia de acesso a saúde e dignidade.
“Dificuldade de acesso pode gerar uma série de diagnósticos tardios, com maior desafio de tratamentos curativos. Por isso, em primeiro lugar, temos que dar lugar de fala às mulheres trans, travestis e pessoas não binárias, tornando-as co-participantes da elaboração das campanhas. Aos gestores dos serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados, é imprescindível que os fluxos de atendimentos, regulação de exames e trâmites burocráticos sejam inclusivos, não apenas no Novembro Azul, mas em qualquer momento que a população buscar o cuidado em saúde.”
Além disso, segundo a especialista, o treinamento contínuo das equipes tanto assistenciais, como de suporte administrativo, no âmbito da construção de políticas de diversidade, como um processo de desenvolvimento de cultura organizacional nos serviços de saúde, é de suma importância para a superação dos desafios estabelecidos.
“O conhecimento gera valor, e quando digo isso, afirmo baseado em uma compreensão de que, profissionais de saúde capacitados cuidam melhor, e se cuidam melhor, os indicadores de saúde consequentemente evidenciarão em números e dados a gestão de cuidado de forma longitudinal. O conhecimento é o alicerce que fundamenta a liberdade de gerenciamento de cuidado. Melhores evidências científicas, e melhores possibilidades de cuidado. Isto não deve ser apenas para a população cis, isto deve estar disponível para toda a população LGBTQIA+, baseados no princípio de sermos pessoas e termos o direito do acesso à saúde.”
“Reforço que a cirurgia de redesignação sexual para mulheres trans e travestis não inclui a retirada da próstata, esta glândula fica localizada na parede anterior da neovagina, assim o toque vaginal passa a ser mais adequado que o toque retal para avaliação da próstata”, orientou.
Prevenção e diagnóstico
A prevenção do câncer de próstata começa com a adoção de hábitos de vida saudáveis, como uma dieta equilibrada, a prática regular de atividade física e a redução do consumo de álcool e tabaco; tudo isso pode ajudar. Além disso, o rastreio é fundamental, especialmente para quem tem mais de 50 anos e aqueles com histórico familiar da doença.
Os métodos de rastreio incluem o exame de PSA (Antígeno Prostático Específico) no sangue e o toque retal. O PSA é uma proteína produzida pela próstata, e níveis elevados podem indicar a presença do câncer. O valor de PSA total considerado normal está em até 4,0 ng/mL. Pacientes que apresentam nível maior que 10 ng/mL, possuem alta probabilidade de serem encaminhados para biópsia retal diagnóstica, uma vez que pode significar câncer de próstata.
Já o toque retal é um exame físico em que o médico avalia o tamanho e a textura da próstata em busca de possíveis anomalias.
Tratamento
O tratamento do câncer de próstata varia de acordo com o estágio e a agressividade do tumor, podendo incluir cirurgia, radioterapia, terapia hormonal e vigilância ativa. Com diagnóstico precoce, as taxas de cura são altas, e muitos homens podem levar vidas saudáveis após o tratamento.
Confira a seguir dicas da dra. Layze na prevenção do câncer de próstata e qualidade de vida
– Pratique o autocuidado: Cuidar de sua saúde mental, alimentação e manter um corpo saudável é fundamental. A prática de alguma atividade física que seja prazerosa e adequada à rotina pode reduzir a chance de abandonar a rotina de treinos. Isso contribui para o controle do peso, um dos fatores relacionados ao câncer de próstata.
– Tenha uma rotina anual de exames gerais: Consultas regulares são importantes para monitorar a saúde de maneira abrangente, incluindo a saúde da próstata. Essas consultas podem levar à detecção precoce de problemas e ao aconselhamento sobre exames de rastreamento.
– Faça rastreamento de IST’s (Infecções Sexualmente transmissíveis) podendo ser trimestral/semestral: A infecção por certas ISTs, como a clamídia, pode estar associada a um risco aumentado de câncer de próstata. Rastrear e tratar ISTs regularmente ajuda a reduzir esse risco.
– Avalie a possibilidade de uso de PrEP e outras formas de prevenção ao HIV, com o profissional de saúde assistente: Prevenir a infecção pelo HIV, que também está ligada a um maior risco de câncer de próstata, é crucial. Discutir com um profissional de saúde a possibilidade de utilizar a PrEP (Profilaxia Pré-exposição) ou outras estratégias de prevenção ao HIV pode ser uma medida eficaz.
– Sempre permita que o amor a você e ao próximo sejam o alicerce dos teus cuidados em saúde: O apoio emocional e a conexão com entes queridos desempenham um papel importante na saúde. Estar cercado de amor e apoio pode reduzir o estresse e melhorar o bem-estar geral, contribuindo indiretamente para a prevenção do câncer de próstata.
Essas práticas de autocuidado e prevenção não apenas auxiliam na prevenção do câncer de próstata, mas também promovem uma vida saudável e equilibrada, abordando outros aspectos importantes da saúde. Portanto, adotar essas medidas pode ter um impacto positivo significativo na qualidade de vida e na prevenção do câncer de próstata e de outras doenças.
Da AG. AIDS