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Mpox é uma nova IST? Especialistas explicam e alertam que doença ‘veio para ficar’

Em agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou novamente emergência de saúde pública internacional devido ao avanço de uma nova cepa da mpox no continente africano. No entanto, a versão que se disseminou globalmente em 2022 não deixou de circular e provocar novos casos pelo planeta. Para especialistas, a doença “veio para ficar” e é possível considerá-la como uma nova infecção sexualmente transmissível (IST).

— Podemos falar como um novo ator no universo das ISTs. Essas infecções são classificadas de três formas: exclusivamente, geralmente ou ocasionalmente transmitidas pelo contato sexual. A mpox não é exclusivamente uma IST, mas tem uma uma disseminação frequentemente relacionada ao sexo. Uma micose de virilha, por exemplo, que não é normalmente considerada uma IST, pode ser transmitida numa relação sexual — explica John Veasey, professor da Faculdade da Santa Casa de São Paulo.

Veasey falou sobre o tema durante uma aula no 77º Congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Ele, no entanto, destaca que é importante fazer a distinção de não ser exclusivamente uma IST:

— A preocupação de colocar esse carimbo é que, se aparecer uma criança ou alguém que não é sexualmente ativo com as lesões, vão surgir alarmes sobre abuso sexual. Mas é uma doença que se transmite pelo contato direto pele com pele, então muitos pacientes vão ter mpox sem relações sexuais.

Omar Lupi, vice-presidente do Colégio Ibero Latino Americano de Dermatologia e membro da Academia Nacional de Medicina, também vê o cenário dessa forma. Para ele, assim como ocorreu com a Covid-19, a disseminação da mpox pelo mundo não foi um episódio isolado, e a doença vai fazer parte do dia a dia de brasileiros:

— A mpox não vai embora, é uma doença que veio para ficar, vamos ter cada vez mais casos. Mas como é transmitida por contato pele por pele, não é pelo aerossol, como a Covid-19, você depende dessas janelas de oportunidade para o contágio. Nós vimos um incremento significativo de casos neste ano após o carnaval, por exemplo, que era algo esperado. Eu mesmo acompanhei pacientes nos hospitais em que eu trabalho.

Para ele, que é ex-presidente da SBD, isso também significa que a doença vai se disseminar além de grupos que eram considerados de maior risco em 2022:

— Vemos na prática uma frequência muito alta de mpox por homens que fazem sexo com homens. No surto de 2022, eles foram a plena maioria, mais de 90% dos casos. Mas com a tendência de disseminação da doença, a expectativa é que vá se perdendo essa característica. Conforme a mpox circula, você começa a ter casos em que não se rastreia esse comportamento marcado. Acredito que a tendência é começarmos a ver casos mais gerais, como vemos na África hoje.

Ele destaca que, nesse contexto, os médicos precisam estar informados sobre os sinais de alerta, em especial os clínicos e dermatologistas: — Quando alguém tem uma ferida na pele, ela não procura diretamente um infectologista, ela busca um clínico, um dermatologista. Então esses profissionais precisam saber identificar a doença.

Segundo os especialistas, após a exposição ao vírus da mpox há um período de incubação de em média duas semanas para que a doença comece a se manifestar. No início, os sintomas são típicos de uma infecção viral, como febre, dores no corpo e mal-estar. Outro sinal característico são o aumento dos linfonodos. Em seguida, começam as lesões, que duram até quatro semanas até a resolução. Veasey explica como diferenciar as lesões de outras doenças que afetam a pele, como a catapora:

— Não só na população leiga, mas também entre médicos que não são da dermatologia, há muito essa dúvida. Basicamente, o que indica mpox é a evolução das lesões. Ela vai de uma pápula, que é uma bolinha dura, passa para uma vesícula, que quando você estoura ela não é mais dura, tem um líquido dentro, e depois para uma placa e para presença de crosta. Muitas vezes, confunde-se com catapora. Uma diferença é que , na mpox, as lesões são mais infiltradas e exuberantes. Mas as duas são bem parecidas.

Em relação à prevenção, ele esclarece que o mais importante é evitar o contato pele com pele direto, ou indireto por meio do compartilhamento de toalhas, vaso sanitário, de roupas. — É importante destacar que em outras doenças dermatológicas, falamos que quando se forma casquinha, ela deixa de transmitir. Mas com a mpox não, precisa esperar a pele estar totalmente cicatrizada — alerta.

Sobre a via sexual, ele explica que os preservativos são muito importantes, porém evitam o contágio apenas se as lesões estiverem na área do pênis, que está protegida. Se houver feridas em áreas como virilha, púbis, saco escrotal, a pessoa ainda poderá ser contaminada.

Em relação à vacinação – que hoje é restrita a grupos de maior riscos, como indivíduos que vivem com HIV e contagem baixa de células de defesa CD4 – Lupi explica por que não existe a perspectiva de uma campanha em massa para erradicar a mpox, como ocorreu em 1980 com a varíola tradicional:

— A varíola tinha o ser humano como o único reservatório. Já a mpox foi descrita em roedores, cães, o que abre perspectiva para uma endemia, uma doença acontecendo o tempo todo, com vários vetores, que na prática torna uma vacinação com o objetivo de erradicação muito difícil.

Para ele, o cenário atual também dá indícios de que a mpox pode evoluir no futuro próximo como um problema de saúde pública maior, o que deveria preocupar as autoridades de saúde:

— Minha sensação é que estamos sentados numa bomba-relógio. Estamos tendo agora uma rodada nova de mpox pela cepa mais agressiva, que tem uma letalidade muito alta. Acredito que a mpox ainda vai trazer muitos dissabores no futuro, estamos vendo apenas o início. É um vírus que deveria ter todas as luzes vermelhas em relação a ele.

* O repórter viajou a convite do 77º Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Fonte: O Globo

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