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“Minha sorologia fica só comigo”. Histórias de pessoas com HIV que não revelam sua sorologia

Genilson Coutinho,
03/05/2024 | 12h05

“O diagnóstico eu recebi há aproximadamente seis anos depois da infecção, quando eu engravidei da minha primeira filha. Eu não fazia ideia, eu sou assintomática. Quando fui fazer os exames de pré-natal, descobri que era soropositivo. No início foi um baque, meu mundo caiu, imaginei que fosse morrer, não ia conseguir criar minha filha, ver ela crescer. Chorei muito, foi muito difícil, Iniciei o tratamento já de início, estava grávida, tinha que ser um tratamento imediato”, ela inicia a narrativa.

Gabriela foi infectada por um namorado na adolescência. Sem sintomas, seguiu sua vida normalmente. Conheceu seu esposo, Roberto. Estava casada há dois anos quando ficou grávida, então veio o diagnóstico. Comunicou ao seu esposo e ele fez o exame, testando negativo.

“Foi um milagre ele não ter contraído o vírus, afinal tínhamos relação sem preservativo”, atesta.

Quando Gabriela comunicou para seu ex-namorado que ele havia transmitido o vírus para ela, “Foi um choque muito grande, ele não aguentou, se sentiu muito culpado, morreu logo após de AIDS não quis fazer o tratamento’.

O esposo da Gabriela ficou ao seu lado, não teve preconceito, e continuam juntos até hoje. Tiveram duas filhas dessa união, uma de 14 anos e outra de quatro anos. As filhas do casal não tem o vírus”, conta.

A reportagem pergunta então quais são as suas dores, por que não abrir sua sorologia, qual é o medo?

“A sorologia afetou a minha vida sentimental, no início. Não porque eu estava casada, estava grávida da minha primeira filha, quando eu fiquei sabendo, já contei pra ele. Me abraçou, apoiou, nunca soltou a minha mão, não jogou na minha cara, nunca falou ou comentou com alguém sobre o assunto. Isso é uma coisa que ele guarda pra ele. Porém, depois de anos, nos separamos e isso afetou a minha vida, porque eu não consigo me relacionar com outras pessoas devido à minha sorologia”, afirma.

Gabriela sente falta de um apoio psicológico no SUS, relata que o acompanhamento oferecido é em um grupo de apoio com várias pessoas, e ela não se sente à vontade. “Nunca tive uma consulta com um psicólogo”, afirma. Gabriela, por sua vez, faz tratamento com os remédios retrovirais e está há mais de 20 anos “indetectável”.

‘Eu convivo tranquilamente com isso, porém, eu acho que o apoio, a oferta de especialistas deveria ser maior. Sei que muitas pessoas não aceitam o que aconteceu com o meu ex-namorado que me passou o HIV, hoje ele poderia estar vivo. O SUS poderia melhorar esse apoio na rede de saúde, ter um psicólogo para vim e conversar, ter um atendimento para pessoa individual, é sobre isso”, diz.

O preconceito na vida de Ricardo*

Ricardo era um menino quando recebeu um diagnóstico que mudaria completamente sua vida. O entrevistado preferiu não se identificar devido ao medo do preconceito. Ricardo veio de Açailândia, Maranhão. “Vim para Curitiba em fevereiro de 2020, em busca de uma vida melhor e um tratamento mais adequado”.

“Meu diagnóstico foi difícil, complicado, imagina, eu tinha 18 anos, achava que eu ia morrer a qualquer momento, não ia viver nem três anos. Chorei bastante, estava tentando me aceitar, pensei que minha vida acabou”.

Segundo Ricardo, na cidade onde morava, todos se conheciam. “O constrangimento era muito grande. Tive que sair de lá”, conta. Ainda hoje convive com o medo e o receio. “Na verdade, tenho medo do preconceito, Inclusive ninguém sabe a minha sorologia, as pessoas não entendem, acham que a gente é um imundo, que é pesteado. Nem todos, mas a maioria. É bem difícil lidar com essa situação”, afirma.

“Não sofro preconceito, porque nunca contei, nem falei para ninguém, só minha mãe sabia e infelizmente hoje ela é falecida, faço o tratamento e sou indetectável, minha sorologia fica só comigo”

“Minha saúde mental mudou após o diagnóstico, piorou na verdade. Inclusive hoje faço tratamento com remédios. Desenvolvi um transtorno de ansiedade, faço acompanhamento com psicólogo, psiquiatra. Mudou bastante, mas eu dou conta.”

Unidade básica de saúde

Hoje é possível fazer o teste na Unidade Básica de Saúde, ou procurar os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). Em Curitiba, existe o Centro de Orientação e Aconselhamento (COA).

Ali, o teste é feito de forma sigilosa, segura e rápida. Em 30 ou 40 minutos sai o resultado. Em caso positivo, o teste é refeito na hora. A pessoa passa por um psicólogo preparado para esse acolhimento, onde terá todas as orientações sobre o tratamentos e cuidados até ficar indetectável.

Hoje, com o avanço da ciência temos acesso a um medicamento chamado Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), totalmente gratuito. Fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que age de forma preventiva, para pessoas que não são portadoras do vírus HIV, indicado para quem tem um número maior de parceiros, o PrEP é um medicamento que não permite que o vírus do HIV se instale no organismo.

Uma pessoa que vive com HIV e faz o tratamento de forma correta, alcança a carga viral indetectável sustentada e pode declarar com confiança a seu parceiro sexual que não é transmissível. Hoje, o vírus só é transmitido por quem não faz o tratamento corretamente, e sobretudo quem não faz o teste para saber realmente sua sorologia.

O tratamento com os retrovirais pode durar seis meses para se tornar indetectável.

Estima-se que, hoje, um milhão de pessoas vivam com HIV no Brasil. Desse total, 650 mil são do sexo masculino e 350 mil do sexo feminino, de acordo com o relatório do monitoramento clínico do HIV.

Considerando o sexo atribuído no nascimento, as mulheres apresentam piores desfechos em todas etapas de cuidados. Enquanto 92% dos homens estão diagnosticados, apenas 86% das mulheres possuem diagnóstico. 82% dos homens recebem tratamento antirretroviral, mas 79% das mulheres estão em tratamentos, e 96% dos homens estão indetectáveis, mas o número fica em 94% entre as mulheres.

*Os personagens da matéria tiveram o nome alterado para evitar exposições

Fonte: Brasil de Fato Paraná