No mês das Mulheres, são celebrados diversos avanços sociais em termos de equidade de gênero. No entanto, em alguns setores, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a eliminação de desigualdades entre homens e mulheres, como é o caso da área científica no Brasil. De acordo com a recém-lançada pesquisa “Mulheres Inventoras na América Latina: Construindo o Futuro”, 14.366 patentes foram registradas no país entre 2017 e 2022, mas apenas 6,2% delas tem somente mulheres como suas titulares. Já os homens representam 75% dos inventores deste período, enquanto demais patentes foram registradas por grupos mistos de homens e mulheres.
Felizmente, avanços vêm ocorrendo na área. O estudo também identificou que houve um crescimento de 56% de concessões de patentes para mulheres brasileiras 2022 em comparação a 2017.
O setor privado pode ser um aliado na melhoria desse cenário e algumas empresas brasileiras já vêm buscando ampliar a presença feminina em suas áreas de pesquisa e inovação, apostando, inclusive no potencial de suas cientistas como inventoras. É o caso da Natura, cujos cargos de liderança em P&D são ocupados em 75% por mulheres, e da Avon, que preencheu 60% das vagas abertas em 2023 para atuar no seu novo Centro de Inovação Global, em Cajamar/SP, por mulheres.
Priscila Moncayo é Gerente de Desenvolvimento de Produtos da Natura, empresa onde atua há 17 anos, e está entre as maiores inventoras de São Paulo. A pesquisadora já teve mais de 20 produtos criados durante a sua trajetória na multinacional de cosméticos com as patentes concedidas ou depositadas em seu nome. Um exemplo foi o Natura Chronos Super Sérum Redutor de Rugas, resultado de 13 anos de estudos da microbiota da pele. Nesse projeto, ela participou de todo o processo de prospecção tecnológica e execução da formulação, que gerou ativos exclusivos capazes de estimular a produção de colágeno e elastina da pele. “Conseguimos incorporar prebióticos e probióticos encontrados na biodiversidade brasileira que são capazes de agir em todos os tipos de rugas”, explica Priscila.
Para ela, o Brasil ainda passa por um processo lento de mudança na área científica, onde as mulheres aos poucos vêm ocupando lugares de pioneirismo em pesquisa e desenvolvimento, e é fundamental que empresas incentivem a equidade de gênero no segmento de inovação. “A maternidade, por exemplo, ainda é vista por algumas companhias e instituições como um peso para a mulher, fazendo-a escolher entre os cuidados com a família e a sua carreira”.
Ela conta que a Natura sempre foi um exemplo positivo nesse sentido ao longo de sua trajetória profissional. “Há um incentivo genuíno e contínuo no desenvolvimento profissional feminino na área de inovação. Não somente temos a oportunidade de trabalhar em um ambiente onde somos inspiradas constantemente a ter uma mentalidade mais aberta, sempre buscando o novo, o diferente, em meio a diversas tecnologias pioneiras, como existem iniciativas que visam reduzir a sobrecarga de responsabilidades que recaem sobre as mulheres com mais frequência, como a maternidade. Graças ao berçário presente na empresa, por exemplo, funcionárias podem trazer seus filhos para que recebam o cuidado adequado durante o seu expediente”.
A forte presença feminina entre lideranças também é algo fundamental. “Pelo menos 85% do meu time é composto por mulheres e 100% das minhas lideranças ao longo da minha carreira na empresa foram mulheres. Sempre me senti em um ambiente de muita confiança, onde podia participar do processo criativo e de inovação”.
“A Natura cria um ambiente de trabalho que estimula e dá visibilidade ao protagonismo feminino na Ciência. Temos uma política interna de Patentes que incentiva e protege as invenções de nossos cientistas, na grande maioria, mulheres”, complementa Claudia Leo, diretora de P&D da Natura.
A chegada do Centro de Inovação Global da Avon ao Brasil também é um passo que a companhia dá não só em ampliar os investimentos no ecossistema de inovação brasileiro, como também em expandir a presença de brasileiras no setor, inclusive como inventoras, já que mais da metade das cientistas contratadas para atuar no novo empreendimento são mulheres.
É o caso de Isabella Montuori, coordenadora de P&D para cuidados com o Corpo e Higiene Pessoal da Avon, que passou a integrar, no ano passado, o novo time global de inovação da marca. Sua primeira invenção aconteceu quando ainda era estudante de engenharia química, em 2016, em conjunto com duas colegas da faculdade. Naquela época, ela já demonstrava o interesse em atuar na área de pesquisa e desenvolvimento de cosméticos. “Buscamos desenvolver um shampoo mais sustentável, que tivesse como proposta a redução do uso de água para sua produção e, após vários testes, chegamos na formulação ideal. Até chegamos a testar o produto na prática em uma feira da faculdade”, conta. Hoje, Isabella é titular da patente desse produto, junto com suas colegas que auxiliaram na criação do item.
Para ela, a área científica é mais promissora atualmente, inclusive para mulheres, mas nem sempre foi assim. “Após a faculdade, foi muito difícil encontrar vagas. Muitos colegas encontravam dificuldades para se colocarem no mercado de trabalho e em pesquisa e desenvolvimento isso não foi diferente”. No entanto, mesmo atuando em outras áreas, ela não desistiu de P&D e hoje atua na sua área de preferência. “Cheguei a trabalhar com pesquisa e desenvolvimento de produtos em home care, mas sempre quis ir para a indústria de cosméticos. Quando vi a vaga na Avon, logo me inscrevi”.
Segundo Isabella, trabalhar na multinacional de cosméticos tem sido um desafio positivo, com muitas oportunidades de crescimento profissional, inclusive para criações de patentes futuramente. “Passamos por um processo de transição no ano passado, já que o Centro é totalmente novo, e agora temos mais autonomia nos projetos. Temos muita abertura para mostrar nosso potencial e olhar para as categorias e propor ideias, melhorias. Ver o que realmente funciona, pesquisar e compreender o que podemos entregar tem sido ótimo”.
A visão feminina entre cientistas também é fundamental, especialmente por se tratar de uma empresa cujo principal público-alvo é o feminino. “A mulher pensa no dia a dia, pois em geral usamos muito mais cosméticos que homens, então temos mais facilidade em dizer o que está faltando no mercado nesse sentido. Além disso, sinto que temos ajuda mútua. Quando precisamos resolver algo pessoal ou uma de nós está sobrecarregada, uma auxilia a outra”.
Andrea Costa, Head Global de Desenvolvimento de produtos para Corpo, Higiene Pessoal e Fragrâncias da Avon, explica que a chegada das operações globais de P&D da companhia pode ser um passo para atrair, reter e desenvolver cientistas brasileiras, especialmente mulheres, já que a empresa prioriza a equidade de gênero entre colaboradores e lideranças em todas as suas áreas. “É essencial que o setor privado também contribua com o ecossistema de inovação brasileiro para ampliar oportunidades para pesquisadoras, além de investir em políticas de inclusão de mulheres para garantir um ambiente de respeito e propício ao crescimento profissional dessas cientistas, capaz de eliminar barreiras culturais, estereótipos de gênero e preconceitos que podem dificultar o aumento da representatividade de mulheres”.