A França sempre foi para mim e para tantos o símbolo da cultura e do acolhimento humanitário a perseguidos e exilados. Nos últimos anos, acompanhamos o crescimento da intolerância aos imigrantes, o abandono da periferia parisiense -onde a maioria da segunda e da terceira gerações de imigrantes mora sem ser incorporada à cidadania plena-, o aumento no número de políticos de direita xenófobos e o acirramento desse tipo de debate nas eleições.
Em 2007, em sua primeira eleição, Nicolas Sarkozy amenizou o discurso elitista, esquecendo as propostas afirmativas depois de eleito.
No atual pleito, em desesperada tentativa de vencer o candidato socialista e tendo que recuperar o apoio da direita, aproximou-se do discurso anti-imigração da candidata Marine Le Pen. O discurso político racista validou a violência contra o diferente.
As mortes de um rabino e de três crianças judias nesta semana, por um franco-argelino muçulmano fanático, assustaram o mundo e podem levar o desgastado presidente à vitória. Se o assassino fosse um imigrante revoltado com a falta de oportunidades e com a discriminação, o socialista François Hollande aumentaria sua já boa chance de vitória. Não foi assim. Deu-se o que um jornalista do “Le Monde” preconizou há dias: “Somente um fato extraordinário” poderia levar Sarkozy à reeleição.
Na França, os caminhos da intolerância, a banalização dos insultos antes exclusivos da extrema-direita, do fanatismo religioso e do ódio ao diferente assustam pela lembrança de cenas que estão ficando comuns no Brasil. Nós não vivemos o terrorismo como tantas nações, mas estamos enfrentando situações que extrapolam o limite entre civilização e barbárie. O Brasil, país até pouco protegido do fanatismo, vem convivendo com o aumento de casos de assassinato e de violência contra homossexuais em lugares de visibilidade e até mesmo em pequenas cidades.
Nesta semana, foi noticiado o espancamento, em uma escola no Rio Grande do Sul, de um jovem de 15 anos, por revelar sua orientação sexual. Foram também presos dois homens por incitar, pela internet, crimes de ódio e violência. A página foi denunciada por 70 mil internautas -bateu recorde de participação pública.
No Senado, a mesa de convidadas na Comissão de Direitos Humanos sofreu ofensivo e virulento ataque gestual e verbal de manifestantes contra a legalização do aborto.
Na campanha para a prefeitura paulistana, já se ensaiam agressivas manifestações religiosas contra o aborto e os homossexuais. Alguns programas televisivos há tempos fazem essas provocações. São palavras que levam ao ódio. Não agregam nem constroem um mundo melhor.
O Brasil que fique atento.
Por Marta Suplicy
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo do dia 24/3/2012.