Um estudo realizado pela ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero com 36 travestis e mulheres trans com mais de 50 anos, residentes em todas as seis Regiões Político-Administrativas (RPAs) do Recife, revelou as difíceis condições de vida enfrentadas por este grupo social. Apresentado na última sexta-feira, durante uma audiência pública na Câmara dos Vereadores, o levantamento (fruto do projeto Travestis Também Envelhecem) busca contribuir com políticas públicas específicas para esse segmento e está disponível aqui.
De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo e a estimativa de vida de uma mulher trans ou travesti no país é de apenas 35 anos. Em 2022, o estado de Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking nacional de assassinatos de pessoas trans. Em resposta a esse cenário, surgiu o projeto Travestis Também Envelhecem, que buscou identificar perfis socioeconômicos de travestis e mulheres trans em processo de envelhecimento no Recife. Os dados revelam profundas desigualdades sociais no acesso a direitos básicos e graus acentuados de vulnerabilidades sociais aos quais essa população está submetida.
A grande maioria das entrevistadas (88%) têm entre 50 e 60 anos, enquanto apenas quatro delas superam essa faixa etária. Essa baixa estimativa de vida pode ser atribuída ao elevado número de assassinatos, ao uso abusivo de álcool e outras drogas, ao uso de silicone injetável e às mortes relacionadas à Aids, que são comuns entre travestis e mulheres trans no Brasil. A alta vulnerabilidade desse grupo diante do HIV, da violência e da prostituição desassistida tem impedido muitas dessas pessoas de envelhecerem.
O estudo também mostrou que a maioria das entrevistadas (90%) se identifica como parda ou preta e que a baixa escolaridade, somada à falta de oportunidades profissionais também são fatores agravantes para essas mulheres. Entre as entrevistadas, 27% possuem renda mensal equivalente a um salário mínimo (R$ 1.320), enquanto 58% sobrevivem com menos que este valor. Apenas 8% declararam receber até 03 salários. Em termos gerais, esse grupo social está muito abaixo da média mensal do trabalhador brasileiro, que é de R$ 2.797,00, segundo dados do IBGE.
A origem desse rendimento é predominantemente fruto de benefícios sociais e/ou do trabalho informal (serviços de cabeleireira, faxina, vendas de cosméticos, artesanato e prostituição). Cerca de 50% das entrevistadas atuaram ou ainda atuam como profissional do sexo; destas, 58% exercem/exerceram o ofício por opção e 42% por falta de alternativa, sendo respectivamente os mesmos percentuais dentre as que afirmam que o dinheiro advindo da prostituição é a principal fonte de recursos ou um complemento.
O levantamento aponta ainda que a maioria (83%) foi alfabetizada e sabe ler e escrever; contudo outras 5% apenas lêem e 11% não lêem, não escrevem e nem assinam o próprio nome – este dado corresponde ao dobro do índice de analfabetismo da população brasileira acima de 15 anos (6,6%) segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2022).
Todas possuem os principais documentos: registro de nascimento, carteira de identidade, CPF e título de eleitor; 86% possuem carteira de trabalho, 36% carteira de motorista e 13% tem passaporte – adquirido para viagens internacionais motivada pela prática da prostituição fora do país. Entretanto, apesar da retificação do nome e gênero nos documentos ser possível em cartório desde 2018, somente 25% das entrevistadas retificaram todos os documentos devido aos custos do cartório.
Além disso, essas mulheres trans e travestis sofrem diversos tipos de discriminação, como exclusão social, agressões verbais e físicas, bem como o mal atendimento em serviços de saúde. Embora a atenção do Estado a essas cidadãs seja uma conquista recente e incipiente, ainda há muito a ser feito para melhorar a qualidade de vida dessas mulheres trans e travestis, que enfrentam condições precárias de vida e violência cotidiana.
Os dados apresentados reforçam a exclusão social e a falta de acesso a direitos básicos, como educação, trabalho e moradia digna, enfrentados por essa população historicamente marginalizada. O estudo tece recomendações ao poder público e alerta para a necessidade em implementar políticas públicas que visem à proteção e à promoção dos direitos dessas pessoas, além de programas que ofereçam oportunidades de educação e de emprego para que possam ter um futuro mais digno e seguro.
Fonte: ONG Gestos