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KIKI: Toda fechação é um ato revolucionário!

Filipe Cerqueira,
13/07/2021 | 10h07

Documentário disponível no Telecine, vai além do Paris is Burning e mostra a cena jovem LGBT da periferia de Nova York.

A comunidade LGBT tem uma intimidade muito forte com a morte, seja por sofrer violências homofóbicas, o descaso da sociedade com questões históricas ligadas ao HIV, ou os altos índices de suicídios motivados por preconceitos familiares e religiosos. Para escapar do extermínio, a comunidade jovem LGBT da periferia de Nova York se une, em uma rede de apoio, unindo arte, diversão e responsabilidade na cena Kiki.

Este Kiki (Suécia/EUA, 2016) foi vendido como versão atual do documentário Paris is Burning. Um olhar Millennium da clássica produção LGBT. Ele não é! Dirigido pela sueca Sara Jordenõ, este filme vai além. É um documento sobre transformação, registro da arte LGBT como ato revolucionário. Na superfície o espectador vê dança, fechação, gritaria e bate cabelo, com olhar mais aguçado, enxerga-se poder, auto estima, consciência, afeto e principalmente, solidariedade.

(Photo by Santiago Felipe/Getty Images)

As filmagens duraram 4 anos. Presenciamos ao longo da produção, a trajetória de mulheres trans e o amadurecimento prematuro de jovens gays periféricos da cidade de Nova York. Assusta ver a mistura de imaturidade juvenil à responsabilidade forçada pelas dificuldades frente a homofobia e o racismo da sociedade estadunidense.  São apenas adolescentes, se descobrindo, com suas primeiras experiências sexuais, fazendo zoeira ou homens e mulheres responsáveis pela própria sobrevivência em um mundo ultra violento?

As duas coisas. Em Kiki há diversão, vogue, bagunça na passarela, as fantasias, a liberdade e todo o lado positivo dos bailes. Mas na mesma proporção o filme mostra a falta de dinheiro, os corres para arranjar os trajes, o truque para transformar lixo em luxo. Tudo protagonizado inteiramente por jovens (14 a 25 anos) pobres negros e latinos. Pouco vemos adultos em cena, são raros os familiares entrevistados. O foco principal são esses meninos e meninas, como desde cedo eles aprendem a cuidar da própria vida, mas com um espírito de solidariedade gigantesco.

Foto: Divulgação

Bom ver também que a diretora expõe as contradições presentes em uma comunidade solidaria. São todos guerreiros, fortes, auto estima em dia, mas ao mesmo tempo querem colo, choram, se contradizem, divagam e se perdem nos próprios pensamentos. Aqui não vemos a romantização da militância, o filme exibe a vida construída por interrogações. Grande exemplo é a cena onde uma mulher trans ainda em “corpo masculino” discute sua feminilidade, ela nega, diz que gosta de roupas de mulher, mas… não sabe… talvez… quem sabe… a cena corta e vemos a mesma pessoa, agora uma linda mulher negra consciente enquanto pessoa trans.

Kiki mostra a existência de uma nova geração comprometida, politizada, longe de ser acomodada. São os “netos” de Labeija, dos Xtravaganza, StLaurent, tendo consciência do que foi feito e lutando pelo futuro e dos próximos que virão… Para ver mais de uma vez!!!

Filipe Cerqueira é diretor da SOUDESSA Cia de Teatro, historiador pela UNEB, realizador audiovisual pelo Projeto Cine Arts – UNEB – PROEX e apaixonado por cinema.