GGB divulga relatório anual sobre homofobia no Brasil em 2022
256 LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros+) foram vítimas de morte violenta no Brasil em 2022: 242 homicídios (94,5%) e 14 suicídios (5,4%). O Brasil continua sendo o país onde mais LGBT+ são assassinados no mundo: uma morte a cada 34 horas. No ano passado, nos Estados Unidos, com 100 milhões de habitantes a mais, foram assassinadas 32 transexuais, enquanto no Brasil, 114 mortes violentas, uma a cada três dias. Se compararmos o número de assassinatos proporcionalmente a cidades com mais de 100.000 habitantes, a pequenina Timom, (MA) com população de 161.721 é o município mais inóspito para um LGBT, 62 vezes mais perigoso que São Paulo. O estado mais “gayfriendly” é o Rio Grande do Sul e o mais homofóbico, Amapá, com quatro vezes a mais mortes violentas de LGBT que média nacional.
Esses dados se baseiam em notícias publicadas nos meios de comunicação, sendo coletados e analisados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), há 43 anos. Um trabalho ininterrupto de divulgação dessas dramáticas estatísticas, sempre cobrando e, diga-se de passagem, sem sucesso, por políticas públicas que erradiquem essa mortandade. E sem financiamentos governamentais!
As autoridades policiais alcançaram êxito na elucidação de apenas 35,9% desses casos, mas o Estado insiste em não monitorar a violência homotransfóbica e o resultado não poderia ser outro, a subnotificação: esses números representam apenas a ponta de um enorme iceberg de ódio e sangue.
Assim, o GGB cobra enfaticamente a implantação do “Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente à Comunidade LGBTQIA+”, cognominado “Rogéria”, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2022. Esse Formulário deve ser utilizado em todas as unidades policiais do país a fim de monitorar os casos de homotransfobia letal, fornecendo subsídios para a elaboração de políticas públicas de proteção à vida de mais de 20 milhões de LGBT+ brasileiros (10% da população).
Esses dados levantados pelo GGB, ao longo de 43 anos, é prova irrefutável da existência de uma cultura do ódio contra a população LGBT em nossa sociedade e do quanto devemos lutar para mudar este sangrento “homocídio”. Nossos registros documentaram entre 1963 e 2022 a morte violenta de 6.977 LGBT+ em nosso país. Tomando como amostra os cinco últimos governos, foram mortos anualmente uma média de 127 LGBT nos oito anos da presidência de FHC, 163 nos dois mandatos de Lula, 360 nos governos Dilma-Temer e 251 nos quatro anos de Bolsonaro, perfazendo um total de 1122 mortes. Surpreendentemente, os dados revelam que apesar do Capitão Bolsonaro ter sido o presidente mais homofóbico da história republicana, a violência letal contra LGBT+ diminuiu 30% em relação a seus antecessores Dilma-Temer. A única explicação para essa contraditória redução de mortes remete-nos necessariamente à maior reclusão da população LGBT+ durante a pandemia da Covid e ao temor disseminado entre os LGBT+ pelo persistente discurso de ódio governamental, evitando locais e situações de maior risco.
Panorama Nacional
Mortes violentas de LGBT+ por Região
Região do País | N. absoluto | % | Região | N. relativospor 100 mil habitantes |
Nordeste | 111 | 43,36 | 56.100.000 | 0,20 |
Sudeste | 63 | 24,61 | 85.100.000 | 0,07 |
Norte | 36 | 14,06 | 17.300.000 | 0,21 |
Centro-Oeste | 31 | 12,11 | 15.200.000 | 0,20 |
Sul | 15 | 5,86 | 29.000.000 | 0,05 |
Total | 256 | 100 | 202.700.000 | 0,13 |
A média de mortes de LGBT+ no país é de 0,13 a cada 100 mil habitantes. As regiões Nordeste, Norte e Centro Oeste têm praticamente o dobro dessa média, dois LGBT mortos por um milhão de habitantes.
O Nordeste continua sendo a região mais insegura para LGBT+, com 43,3% das mortes (111). A Bahia assume a primeira posição no ranking com 27 mortes (10,5%), em um cenário populacional três vezes inferior a São Paulo, seguido de Pernambuco na terceira posição e do Maranhão na quinta, confirmando a persistência da homofobia tóxica nordestina do “cabra macho”, em tempo que requer dos gestores púbicos e da população em geral uma reflexão sobre medidas efetivas de respeito à vida deste segmento. O Sudeste ocupa o segundo lugar, com 63 mortes (24,6%), demonstrando que as melhores condições socioeconômicas desta região não implicam necessariamente em maior respeito aos direitos humanos e cidadania das minorias sexuais. O Norte vem em terceiro lugar, com 14% (36 mortes), o Centro Oeste com 31 ocorrências (12,1%). O Sul é a região menos perigosa, com 15 casos (5,8%). Sul e Sudeste têm as menores taxas, liderado pelo Sul, com uma morte a cada 2 milhões de habitantes.
155 municípios brasileiros registraram ao menos uma morte violenta de LGBT+ em 2022. Dentre as dez primeiras cidades com mais casos de mortes violentas de LGBT+ em números absolutos, cinco estão no Nordeste (Salvador, São Luís, Fortaleza, Recife e Arapiraca). Sendo as quatro primeiras consideradas metrópoles, por conterem uma população acima de um milhão de habitantes, surpreende a cidade de Arapiraca, em Alagoas, que com 230 mil habitantes, registrou 4 mortes. Impossível explicar tanta homotransfobia nessa cidade alagoana que possui seu Conselho Municipal LGBT e parada gay já na sua 12ª edição.
A Bahia aparece no topo do ranking com 27 mortes violentas de LGBT+ (10,5%), São Paulo em segundo lugar, 25 (9,7%), em terceiro Pernambuco 20 casos (7,8%), em quarto Minas Gerais com 18 (7,0%) e no quinto lugar, Maranhão e Pará (5,8%), com 15 mortes. Rio de Janeiro que no relatório anterior ocupava o terceiro lugar, com 27 casos, em 2022 foi o nono classificado, com 12 mortes, o que reforça nossa afirmação de que a oscilação anual a mais ou a menos destes números não permite conclusões sociológicas evidentes, já que não se observaram mudanças cruciais na segurança pública desse Estado que justificasse menor número de sinistros. Os estados onde ocorreram menor número de óbitos (2 casos, 0,7%) foram Roraima e Rondônia na região Norte, assim como no Rio Grande do Sul e Sana Catarina, na região Sul. Acre e Tocantins, que em 2021 tiveram uma morte cada um, não notificaram nos meios de comunicação nenhum assassinato de LGBT em 2022.
0,13 é média nacional de mortes violentas de LGBT+ relativamente a 100 mil habitantes, sendo o Rio Grande do Sul o melhor estado para tal comunidade, 6 vezes mais seguro que a média nacional. Até hoje é o único Estado a reeleger um governador assumidamente gay. Amapá é o pior, quatro vezes mais perigoso que a média nacional. TOP dos 6 melhores: RS, SC, SP, RJ, PR/MG. TOP dos cinco piores: AP, AL, AM, RR, MS.
UF | Quant. | % | Pop. total | Relativos (por 100mil hab.) |
BA | 27 | 10,54 | 14 659 023 | 0,18 |
SP | 25 | 9,76 | 46 024 937 | 0,05 |
PE | 20 | 7,81 | 9 051 113 | 0,22 |
MG | 18 | 7,03 | 20 732 660 | 0,09 |
MA | 15 | 5,86 | 6 800 605 | 0,22 |
PA | 15 | 5,86 | 8 442 962 | 0,18 |
AM | 14 | 5,46 | 3 952 262 | 0,35 |
CE | 14 | 5,46 | 8 936 431 | 0,16 |
RJ | 13 | 5,07 | 16 615 526 | 0,08 |
AL | 12 | 4,68 | 3 125 254 | 0,38 |
Se compararmos o número de assassinatos proporcionalmente a cidades com mais de 100.000 habitantes, a pequenina Timon (MA) com população de 161.721 é o município mais inóspito para um LGBT, 62 vezes mais perigoso que São Paulo; Arapiraca (AL) é 10 vezes mais perigosa que Belo Horizonte; Salvador é duas vezes mais segura que Manaus e São Luís, mas quase duas vezes mais perigosa que Fortaleza enquanto o Rio de Janeiro é duas vezes mais perigoso aos LGBT do que São Paulo, porém quatro vezes mais segura que Salvador.
Segundo o Presidente do GGB, Marcelo Cerqueira, essa persistente liderança baiana nas mortes violentas de LGBT+ é contraditória: “nós dizemos sempre que Bahia deve rimar com alegria e não com homofobia! Um povo tão alegre, hospitaleiro, que aplaudiu quando Daniela Mercury e Mãe Stela de Oxóssi se assumiram lésbicas, mas que ao mesmo tempo é capaz de tanta violência contra os LGBT. Triste Bahia!”
Perfil das Vítimas
Os gays continuam sendo o segmento mais vitimado por mortes violentas em termos absolutos, embora as “trans”, que representam por volta de um milhão de pessoas, proporcionalmente correm 19% a mais de riscos de crimes letais que os homossexuais. Entre as vítimas dois heterossexuais que foram confundidos com gays.
Orientação Sexual | Quant. | % |
Gay | 134 | 52,34 |
Travesti/Transsexual | 110 | 42,96 |
Bissexual | 5 | 1,95 |
Lésbica | 4 | 1,56 |
Heterossexual | 2 | 0,78 |
Homem trans | 1 | 0,39 |
Total | 256 | 99,98 |
Quanto à idade das vítimas, predomina a faixa etária dos 18 aos 29 anos (43,7%), o mais jovem com 13 e o mais idoso, com 81 anos. População na flor da idade produtiva e no auge da vida sexual.
Chama a atenção que travestis, transexuais e transgêneros são assassinadas antes de completar 40 anos: do total de 110 vítimas trans, 83% morreram entre os 15 e 39 anos.
No tocante à cor, característica demográfica raramente indicada nas reportagens, obrigando-nos a classificá-las a partir de suas fotos publicadas pela mídia, 120 das vítimas foram identificadas como pardas (46,8%) e pretas (14,8%), 37,1% brancas e 1% indígenas.
Em 2022, a cada 34 horas um LGBT+ foi vítima de morte violenta no Brasil. Segundo pesquisa e relatório da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, órgão extinto por Bolsonaro, entre 2011-2018 foram registradas 552 mortes de LGBT, “uma vítima de homofobia a cada 16 horas no país”. Em 2022 a esperança de vida dessa população evoluiu positivamente para uma morte a cada 34 horas.
O dia de domingo aparece com a maior recorrência de episódios de violência extrema contra LGBT+ no Brasil, com uma taxa de 19,1% dos casos, os fins de semana concentrando 45%, tais mortes (49) ocorrendo sobretudo à noite e 91% no espaço urbano. 21 foi a média mês de casos de mortes violentas de LGBT+ no Brasil em 2022, destacando-se março com 33 casos, enquanto junho registrou 15 assassinatos. Tanto a variação sazonal quanto a diária não mantêm a mesma média ao longo dos anos, não se descobrindo variáveis sociológicas que justifiquem tais oscilações.
Causa mortis
Foram registrados 242 (94,5%) homicídios (incluídos aqui os latrocínios e feminicídios), apesar da dificuldade dos jornalistas e operadores da segurança pública em observar essa tipificação penal e 14 suicídios (5,4%). O pequeno número de suicídios explica-se pela subnotificação destes sinistros por tratar-se de crime tabu sujeito a restrições de divulgação, especialmente pelos sites de pesquisa.
Predominam na causa mortis as armas de fogo (29,6%), seguidas das armas brancas (25,7%), incluindo também asfixia, espancamento, apedrejamento, esquartejamento, atropelamento proposital. Em diversos casos estão presentes mais de um tipo de objeto letal e modus operandi no assassinato, a mesma vítima tendo sido espancada, esfaqueada, esquartejada, carbonizada. Segundo o Dr. José Marcelo Domingos de Oliveira, coordenador dessa pesquisa, “o uso de múltiplos instrumentos, o alto número de golpes ou tiros e de diversas formas de tortura refletem a crueldade e virulência da homotransfobia. E de igual modo, o calvário vivenciado pelos suicidas LGBT+, onde a intolerância, sem dúvida, foi o combustível para minar sua autoestima. ” No Distrito Federal, na Granja do Torto, “homem de 20 anos mata conhecido com 59 facadas e dois golpes de enxada na cabeça, dormindo a seguir ao lado do corpo da vítima: matou o idoso de 60 em defesa de sua honra, disse o assassino” (25-7-2022). A travesti Jerry, 45 anos, é assassinada com mais de 40 tiros quando estava sentada em frente à casa de familiares em Coreaú, Ceará. (11-11-2022). “Homem de 30 anos que estava morando na casa de uma travesti em Montes Claros declarou que “a vítima insistiu em ter relações com ele e não aceitando, em posse de uma mão de pião deu vários golpes contra a vítima, acertando-a mortalmente na cabeça.” (23-9-2022).
Para o Prof. Luiz Mott, fundador do GGB e iniciador desses relatórios de mortes violentas de LGBT, “é absolutamente inconcebível nossa sociedade civilizada conviver com 12 casos de apedrejamento e esquartejamento de gays e travestis (4%). Nem nos países islâmicos e africanos mais homofóbicos do mundo, onde persiste a pena de morte contra tal segmento, ocorre tanta barbárie!”
Quanto ao local da morte, 108 das vítimas (42,1%) agonizaram em sua residência, 38% na rua e espaços externos (98) e 17 em estabelecimentos públicos. Persiste o padrão de travestis serem assassinadas na pista, a tiros (57%), enquanto gays e lésbicas são mortos a facadas ou com ferramentas domésticas, dentro de seus apartamentos. 8 trans foram assassinadas em motéis e pousadas.
O Dr. Toni Reis, Presidente da Aliança Nacional LGBT, entidade parceira desta pesquisa, indica cinco propostas a curto prazo para erradicação das mortes violentas de LGBT no Brasil, destacando “a urgência de educação sexual e de gênero em todos níveis escolares, aplicação exemplar dos dispositivos legais de criminalização do racismo homotransfóbico, políticas públicas que garantam a cidadania plena desse segmento e apelo para que as vítimas de tais violências reajam e denunciem sempre todo tipo de discriminação.”
Veja o relatório completo aqui.