HIV em pauta

Em Salvador, pessoas com HIV perderam a fonte de renda ou foram demitidas em função de sua sorologia

Genilson Coutinho,
13/12/2020 | 21h12

A análise em profundidade da cidade de Salvador, Bahia do Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV e Aids apontou como o preconceito e a discriminação afetam diretamente a vida das pessoas. Na capital baiana, nada menos que 27,2% das pessoas vivendo com HIV e aids entrevistadas declararam terem perdido a fonte de renda ou o emprego por ser soropositivo para o HIV nos últimos 12 meses. Outras 20,8% das pessoas entrevistadas revelaram já terem sofrido assédios verbais e agressões físicas (6,8%) por viverem com HIV/aids.

O estigma e o preconceito se revelam também no ambiente e no convívio social. As pessoas entrevistadas relataram que a forma de discriminação mais experienciada foi saber de outras pessoas que não são membros da família fazendo comentários discriminatórios ou fofocando porque se é soropositiva(o) para o HIV (53,0%). Essa forma de discriminação também aconteceu entre membros da família (50,2%).

A revelação da sorologia sem o consentimento das pessoas – um crime previsto em lei – também foi elatada pelas pessoas entrevistadas. Entre os principais responsáveis pelas principais ocorrências desta violação estiveram os vizinhos (29,6%), colegas de escola (11,1%) e amigas(os) (10,9%), apontando como o bairro e o ambiente escolar podem ser constrangedores para pessoas soropositivas.

Em Salvador, 82,9% das entrevistas apontaram dificuldades das pessoas em revelarem que vivem com HIV e aids. A atitude predominante entre os/as entrevistados/as foi esconder a condição (75,5%). O estigma e o preconceito fazem muitas das pessoas vivendo com HIV e aids em Salvador sentirem vergonha (41%) e culpa (40,8%) por serem soropositivas. E também prejudicou o início do atendimento de saúde dessas pessoas, já que 54,4% relataram terem adiado o início do tratamento por terem medo que pessoas que não fossem familiares soubessem do diagnóstico; enquanto 43,7% disseram que não estavam preparadas para o fato de serem soropositivas para o HIV.

O preconceito também se reflete em relação às pessoas responsáveis pelo atendimento nos serviços saúde. As pessoas entrevistadas pelo Índice de Estigma em Salvador-BA relataram que profissionais de saúde evitaram contato físico ou tomaram precauções por causa da sorologia positiva para o HIV (9,6%); fizeram comentários negativos ou fofocas sobre a pessoa (8,4%); e revelaram para outras pessoas sem o consentimento a sorologia positiva para o HIV (9,6%). Essas experiências podem estar entre os fatores que fazem as pessoas vivendo com HIV e aids entrevistadas em Salvador-BA acreditarem que seus prontuários médicos não são confidenciais. Nada menos que 42,6% dos entrevistados/as disseram não saber se os prontuários são confidenciais, enquanto 19% acreditam que os prontuários não são mantidos em sigilo.

“Estamos entrando na quarta década e não considero que tenhamos avançado em relação ao estigma e ao preconceito em relação às pessoas vivendo com HIV e aids. Diante das pesquisas científicas e de tudo o que já se avançou em relação à prevenção e ao tratamento, é injustificável que exista ainda um estigma tão forte em relação ao HIV e à aids, que faz com que as pessoas reduzam sua vida social e reduzam sua existência por medo de serem discriminadas e excluídas”, considera Jô Meneses, coordenadora de Programas Institucionais da Gestos.

As violações de direitos seguem também para a questão da saúde sexual e reprodutiva das pessoas vivendo com HIV e Aids. Entre as entrevistas apareceram “recomendações” do atendimento de saúde para que as pessoas não engravidassem ou se tornassem pai/mãe (3,2%); além da pressão para serem esterilizados/as (1,6%); e condicionamento do tratamento para HIV/aids à necessidade de adotar métodos contraceptivos (2,2%).

“Caminhamos para a quarta década de epidemia de HIV e aids e infelizmente ainda vemos dados como estes. Ainda hoje profissionais de saúde orientam a interrupção da gravidez e incentivam a esterilização das pessoas vivendo com HIV e aids – uma violência à saúde sexual e reprodutiva das mulheres”, analisou Gladys Almeida, do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia (GAPA-BA).

“Acreditamos que esses dados podem aclarar ainda mais o caminho de luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV contra todo o tipo de discriminação e estigma. Que as pessoas que vivem com HIV e aids tenham suas vozes ouvidas”, afirmou Claudia Velasquez, diretora e representante do Unaids.

O Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV e Aids no Brasil é promovida pelas Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+); Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP); Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV e Aids (RNAJVHA); Rede Nacional de Mulheres Travestis e Transexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV/Aids (RNTTHP). A pesquisa foi apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o HIV e a Aids (Unaids), pela Gestos — Soropositividade, Comunicação e Gênero, e pela PUC do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Foi realizada em sete capitais: Manaus-AM; São Paulo-SP; Recife-PE; Rio de Janeiro-RJ; Brasília-DF; Salvador-BA; e Porto Alegre-RS.

Fonte: Unaids