Todas as pessoas têm o direito de decidir, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos e em que momento de suas vidas isso deve acontecer. O planejamento reprodutivo é uma pauta importante que visa proporcionar o controle consciente e responsável sobre a saúde sexual e reprodutiva. Neste contexto, a ampliação do acesso à informação e aos métodos contraceptivos são ações imprescindíveis para que seja possível garantir o exercício dos direitos reprodutivos no país.
Na luta contínua pela saúde e bem-estar integral das mulheres vivendo com HIV, um premiado projeto, no SUS (Sistema Único de Saúde), tem se destacado na área de saúde sexual e reprodutiva, em Arapiraca, Alagoas.
Trata-se do projeto de inserção de DIU (Dispositivo Intrauterino) de cobre – tipo disponibilizado pelo Ministério da Saúde – em mulheres vivendo com HIV, pelo Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA/SAE) de Arapiraca, que está ganhando destaque ao oferecer uma opção segura e eficaz de contracepção a longo prazo, garantindo o controle sobre a maternidade e uma melhor qualidade de vida para as mulheres de Arapiraca e região.
A iniciativa, este ano (2023), levou o 2º Prêmio “Saúde Reprodutiva para tod@s: acelerando o compromisso”, concedido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que faz parte da Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
O DIU consiste em um dispositivo inserido no útero, capaz de prevenir a gravidez por vários anos. Diferentemente de outros métodos, como pílulas anticoncepcionais, o DIU de cobre não requer lembrança diária; ele também não interage com medicamentos antirretrovirais, tornando-o uma escolha ideal para mulheres com HIV.
De acordo com as estatísticas mais recentes (relatório de 2023, correspondente ao ano anterior, 2022) do UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), semanalmente, cerca de 4 mil mulheres e adolescentes do sexo feminino de 15 a 24 anos foram infectadas por HIV no mundo.
Em Alagoas, segundo dados da Sesau AL (Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas), no estado, 1.909 mulheres vivem com HIV; e 1.118 gestantes são HIV positivas.
Desafios específicos das mulheres vivendo com HIV/aids
As mulheres vivendo com HIV enfrentam desafios únicos em relação à saúde reprodutiva. Para algumas, a transmissão do vírus para o parceiro ou para o bebê (transmissão vertical) durante a gestação ainda pode ser uma preocupação; as mesmas, muitas vezes também enfrentam discriminação e dificuldades para acessar serviços e métodos contraceptivos eficazes, o que pode levar a gravidezes indesejadas e riscos adicionais à sua saúde.
Todavia, hoje pessoas vivendo com HIV/aids gerar filhos tranquilamente, mesmo que seu (sua) parceiro (a) não tenha a doença, sem risco de transmissão para o (a) parceiro (a) nem para o bebê.
Toda mulher que tem o desejo de se tornar mãe, deve fazer o pré-natal e os exames para detectar o HIV, como também Sífilis. Este cuidado é fundamental para evitar a transmissão da mãe para a criança.
Além disso, uma pessoa HIV+ em devido tratamento, mantendo a carga viral indetectável por mais de seis meses, não transmite o vírus a outras pessoas por via sexual, até mesmo em uma relação sexual desprotegida (sem uso do preservativo).
Por isso, justamente com objetivo de garantir autonomia de escolha e maior qualidade de vida, a enfermeira idealizadora do projeto: Aruska Magalhães, especialista nas áreas de Formação Pedagógica em Educação, Saúde Pública e Enfermagem em Saúde Coletiva, do SAE (Serviço de Assistência Especializada) Arapiraca, conta que o projeto vem trabalhando no fortalecimento e ampliação deste método contraceptivo.
“Queremos que essas mulheres tenham autonomia de decisão. A equipe identifica, avalia a capacidade fértil e apresenta diferentes métodos contraceptivos; mas claro que acabamos falando das grandes vantagens do DIU de cobre, que este é um método não hormonal, e que hoje sendo bem inserido, pode passar até dez anos no corpo da mulher com eficiência. Informamos ainda que mulheres que nunca tiveram filhos também podem fazer o uso”.
A profissional acredita que esta é uma oportunidade de incentivar também um olhar integral para a saúde integral das mulheres HIV+. “Com o projeto, a gente transpõe uma grande barreira com relação aos profissionais de saúde, que geralmente condicionam o olhar a saber somente se o paciente está em terapia antirretroviral, com carga viral indetectável ou se tem alguma comorbidade, tirando do foco das outras necessidades das mulheres vivendo com HIV/aids”, fala.
“Então, o nosso objetivo é fazer com que os profissionais que atuam nos SAEs saibam das necessidades destas mulheres enquanto planejamento reprodutivo”, complementa.
Segundo Aruska, para ter acesso ao DIU de cobre a paciente não pode ter Doença Inflamatória Pélvica, ela precisa ter carga viral indetectável e CD4 maior que 200. “Fora isto, e aquelas que de uma forma geral já não podem utilizar DIU, que são mulheres com útero bicorno – útero diferente em sua anatomia -, ou aquelas que estão em tratamento de câncer de colo de útero, todas são elegíveis”, destaca.
O projeto de inserção de DIU é uma iniciativa colaborativa entre o CTA e as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), com apoio também da área da educação.
“Algumas mulheres são acompanhadas nas UBSs e outras nos SAEs. Uma vez tendo o consentimento dos usuários para que haja a comunicação entre os dois serviços, fazemos essa parceria, até mesmo para realização de exames complementares junto a serviços secundários que ofertam estes exames”.
Estigma e discriminação
A enfermeira frisa ainda que, esta é uma maneira de contribuir significativamente na diminuição de violências, aborto inseguro e morte materna. Estigmas e preconceitos também acabam sendo rompidos com a educação em saúde viabilizada pela iniciativa. “Nós enquanto serviço de referência acreditamos que também temos a responsabilidade de promover matriciamento, ou seja, educação em saúde para toda a rede do município; por isso, disseminamos informações, inclusive em nosso Instagram; realizamos ações externas, mas principalmente ações dentro dos nossos serviços. Além disso, nas escolas, temos o projeto CTA Terceiro Turno, que traz educação de prevenção às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) aos alunos do período noturno, trabalhando também as questões de estigmas, sobretudo com relação ao HIV/aids.’’
‘‘Percebemos que a população geral não tem boas informações, por exemplo, sobre I=I (Indetectável é igual a intransmissível)’’.
Resultados e impactos
Ao todo, aproximadamente 100 mulheres já foram contempladas pela iniciativa em pouco mais de um ano de lançamento, sendo 93% delas mulheres e meninas de 15 a 35 anos, 79% pretas e pardas, 20% mulheres que não tiveram filhos, e 66% mulheres que anteriormente usavam algum método hormonal.
A enfermeira faz questão de frisar que desde a implementação, a iniciativa recebe investimento e amplo apoio da Prefeitura de Arapiraca.
O projeto de inserção de DIU para mulheres vivendo com HIV é um exemplo de democratização, empoderamento feminino e luta pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. Com um olhar voltado para o futuro, a esperança de Aruska é que essa iniciativa seja cada vez mais disseminada, garantindo o acesso universal ao DIU e melhorando a vida de milhares de mulheres em todo o estado de Alagoas e em todo o Brasil. “Estamos ampliando as oportunidades de um método que antes, apesar de ter no SUS, era de forma tão restrita e silenciosa; mas agora ofertado de forma muito mais facilitada”, conclui.