Diretor de filmes dedicados à reflexão das complexidades das periferias, do homem negro e de pessoas LGBTQIA+, Vinícius Eliziário exibirá seu curta-metragem mais recente, “Procura-se bixas pretas”, na Competitiva Baiana do XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema, nos dias 8 (17h20) e 9 de novembro (15h45), no Cine Metha – Glauber Rocha. O festival acontece entre os dias 3 e 9.
Graduado em Produção Audiovisual e bacharel em Artes com ênfase em Cinema e Audiovisual, Eliziário participou de outras edições do Panorama, com os filmes “Sarau da Onça – A poesia de quebrada” e “Rebento”. O primeiro foi contemplado na categoria melhor curta da Competitiva Baiana em 2018 e o segundo integrou a Competitiva Nacional em 2019.
Na entrevista abaixo, o cineasta fala sobre a ideia inicial de “Procura-se bixas pretas”, os caminhos que o filme tomou durante a sua realização, especialmente na montagem, e da importância de ocupar os espaços na construção imagética de homens negros e gays na sociedade.
Dois Terços – De onde vem a ideia para “Procura-se bixas pretas”? O teste de elenco foi realizado especificamente para a gravação do documentário?
Vinícius Eliziário – Bem, a ideia do documentário, ela partiu de algumas necessidades e de algumas vontades também. A primeira vontade foi de se fazer um filme sobre teste de elenco que desde “Rebento”, minha primeira ficção, eu sempre tive vontade de fazer algo com esse dispositivo. Porque existe algo no teste de elenco muito único, que você vê passar várias e várias pessoas interpretando suas personagens. E aqui vai um parênteses, enquanto diretor, eu procuro pessoas que se aproximam muito das vivências das pessoas sobre quem eu escrevo, né? Então ver várias pessoas interpretando e como essas histórias chegam nelas e como elas se tornam únicas em cada corpo ou em cada atuação era muito caro para mim, era de um interesse muito grande realizar sobre. E aí também parte de precisar fazer um vídeo, um documentário para disciplina chamada Oficina de Produção na Ufba e também em começar a iniciação de um outro filme chamado de “Tigrezza”, que é um filme para qual as personagens do “Procura-se bixas pretas” estão fazendo um teste. Então a gravação do teste de elenco, a gravação daquelas entrevistas, é um misto dos dois. Foi feito para aquele momento específico daquele filme dentro desse desejo de se fazer um filme sobre teste de elenco, mas também de encontrar nossas protagonistas de “Tigrezza” que é o filme a ser realizado, né? O filme para o qual as bixas do “Procura-se” foram fazer o teste.
DT – O que te levou a apostar em monólogos e não em cenas com diálogos?
V E – Então, a gente inclusive gravou uma cena de diálogos e uma cena de monólogos, a intenção, na verdade, era fazer um documentário sobre o processo de elenco, sobre o processo do teste de elenco. E pensar também como aquelas duas histórias atravessam pessoas que atuam e que não atuam também, né? É novamente dentro dessa perspectiva da atuação, a partir de corpos e corpas, próximas as pessoas da qual elas estão interpretando, né? Só que o filme foi se levando para outro lugar e na mesa de edição a gente decidiu tirar as cenas de diálogos e o debate que a gente teve depois, essa reflexão sobre a cena: um, porque seria um longa – e porque não fazer um longa depois disso, né? material a gente tem -, mas também porque o monólogo, acho que, exprime muito a razão desse documentário existir. Para além da reflexão também sobre representação e representatividade dentro do cinema, mas também ao assunto daquelas histórias, né? É sobre sexualização do corpo negro, sobre a falta de afeto a pessoas trans femininas e era impresso muito nos monólogos, né? Então acho que, acho não, foi por isso que a gente preferiu manter apenas os monólogos.
DT – Nas exibições realizadas até agora, o público te procura para contar sobre os pontos de identificação com as histórias?
V E – Sim, sim, a gente fez algumas exibições, algumas exibições domésticas, algumas em Salvador. A gente teve uma sessão de lançamento na sala Walter da Silveira e teve algumas outras exibições no Cineclube da nossa própria empresa, da “Boca de Filme”, chamado Cine Raiar e também começou a viajar agora e eu pude viajar com o filme. E poder ouvir os relatos assim da proximidade, né? Porque eu acho que o “Procura-se”, ele mexe muito com o que há de pessoal assim, sabe. É uma realidade, é uma perspectiva que atravessa não só corpos pretos LBGTQIA+, mas também corpos brancos dissidentes. Mas o que mais me toca é quando a gente chega nas pessoas da qual a gente pensou o filme, né? Eu pude ouvir muitos relatos assim, tanto de se perceber inserida dentro dessa realidade e de não ver uma saída para né, porque várias bixas pretas afeminadas como tigresa ou lhe resta a ausência do afeto, ou lhe resta qualquer coisa que aparece, né? Eu tive um diálogo quando eu fui no Encontro Zózimo muito dentro dessa perspectiva, de uma bixa que tava caminhando tranquila na rua e foi abordada por um cara. E que enfim, né? Teve aquela situação do assédio e que ela não se viu em outra saída, a não realizar aquele assédio que foi impetrado ali no meio da rua, sabe? E enfim assim é meio agridoce também a recepção, tanto a recepção de chegar e ouvir um feedback, tanto a recepção da própria sala assim, né? O filme tem uma crescente que ela começa muito tranquila, as pessoas indo e quando vai entrando no filme, vai se aprofundando nas questões, às vezes, eu ouço um choro, às vezes, eu ouço um silêncio sepulcral. Mas eu sinto que o filme mexe sabe e fico muito feliz inclusive dessa recepção tão calorosa, e tão importante que a gente tá recebendo.
DT – Diante da onda conservadora que o país tem vivido, qual a importância de dar protagonismo a homens negros e gays no cinema?
V E – Eu acho que, eu acho não, eu acredito que a importância é se manter vivo e viva, não só em corpo presente, mas enquanto em imagético, enquanto criação de imaginários, sabe. “Procura-se”, e aí eu também embarco minha filmografia como um todo, sempre tá dentro da perspectiva de procurar a criação de outros imaginados para nós, imaginados que a gente possa discutir nossas questões, nossas problemáticas, nossas dores e propor uma cura, né? Então acho que dentro dessa onda conservadora que o país vive, a gente precisa estar munido de cura sabe, que a gente possa estar se curando e possa estar curando também as pessoas que estão dentro dessa perspectiva de um reacionarismo crescente.
E de tentar chegar, não só a nós, mas de que se criar uma empatia, de perceber que a gente só quer viver, sabe? A gente só quer ter o direito à vida, ter o direito à felicidade, ter o direito a afeto. E eu acho que a importância é isso e, principalmente, a importância, para além da onda conservadora, mas dentro da cinematografia hegemônica, que muitas vezes, na verdade, quase sempre é branca, propor outras imagens, outros imaginários para nós. E aí tornando ao começo da fala, é poder a gente olhar para gente no espelho, que é o cinema, e não ver apenas dor, não ver apenas sofrimento sabe ou quando vê se sentir acalantado, se sentir acalantada se sentir. No lugar de um processo de cura mesmo, entende?
DT – De que maneira “Procura-se Bixas Pretas” se articula com a sua filmografia?
V E Então “Procura-se bixas pretas”, ele se articula… nesse meu primeiro movimento de fazer um filme LGBTQIA+, se articula também como um filme propositivo para a criação de um outro filme LGBTQIA+ e se articula como eu falei na última pergunta, se articula dentro desse processo de cura que o cinema se propõe sabe? “Procura-se” é um movimento assim, que durante a mesa de montagem também, a gente percebeu que é um filme que não era só um filme para poder divulgar uma vaquinha para “Tigrezza” poder existir, mas de mobilizar assim, eu acho que eu vou começar a me repetir. Mas de me mobilizar dentro da centralidade LGBTQIA+, centralizada dentro das questões pretas. Se articula dentro de uma esperança, acho que esperança dentro do próprio filme e dentro da própria cinematografia também, de dias melhores, de dias mais afetuosos, de dias que a gente não se mate. Mas também de se articular um outro filme, né? Veementemente é um filme que a gente reconstrói o imaginário de bixas pretas, que dentro do cinema hegemônico são inseridas como chacota, como sofrimento, como a personagem que morre e é isso.