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E no São João… O que você fez? Viu alguma quadrilha? Ano que vem, talvez

Genilson Coutinho,
16/07/2025 | 12h07

*Por Fernando Ishiruji

Este ano vivenciei um São João ímpar e inesquecível: tornei-me quadrilheiro e pisei na quadra ao lado da junina Forró do ABC. Pouca gente sabe, mas há muitos anos – antes mesmo de morar oficialmente em Salvador –, estive na banca de jurados de um concurso da FEBAQ e fui tomado por um choque cultural ao presenciar espetáculos que, até então, eram completamente desconhecidos para mim, criado no Sul, onde o São João se resume a algumas barracas com comida temática na praça.

Vivenciar toda a dedicação por trás desses espetáculos me emocionou profundamente. Assim como no Carnaval, temos aqui um evento anual que enche meus olhos e coração. Lá embaixo, neste país gigante (e no mundo), as pessoas não fazem ideia da beleza que esses grupos produzem anualmente no Nordeste. E quando falo em beleza, refiro-me aos figurinos deslumbrantes, cenários elaborados e elementos cênicos que mascaram uma realidade dura: a das quadrilhas e dos quadrilheiros.

Um breve passeio pelas redes sociais revela fotos e vídeos celebrando mais um ano incrível: imagens de tirar o fôlego, sorrisos largos (ampliados pelos drones que cortavam o céu durante as apresentações) e multidões espremidas em arquibancadas pequenas – quando existiam –, incapazes de acomodar todos. Sucesso de público, feito pelo povo e para o povo, mas que esconde a precariedade de uma estrutura negligenciada.

Se falo com paixão sobre a magia das quadrilhas, o mesmo não posso dizer sobre o destino de tanto esforço. Quem aqui assistiu a alguma apresentação? Quase ninguém. Apesar de produzirem espetáculos dignos de uma Arena Fonte Nova, as quadrilhas são relegadas a se apresentarem em Periperi (sede oficial da FEBAQ), no Arraiá do Galinho ou em concursos pelo interior. Algumas se espremem no Pelourinho; poucas cedem a hotéis de luxo na Linha Verde, enfrentando contratempos para prolongar uma temporada curta e cheia de lutas. É triste que não haja mais espaços para elas em Salvador – e isso reflete a falta de interesse público.

Além do incentivo escasso, o tratamento dado aos brincantes beira ao desrespeito. Em muitos lugares, sequer há camarins. A troca de roupa, não raro, é feita na rua. Alimentação? Um luxo. Água, quando muito. Vi artistas saindo de casa, custeando do próprio bolso viagens e passando o dia inteiro à espera da apresentação – muitas vezes sem comer. A realidade de muitos inclui pagar carnês durante o ano para bancar figurinos e arrumar atestados para faltar ao trabalho. Tudo isso pelo instante mágico de pisar na quadra. Mas quem se arrepia na arquibancada com a paixão dos quadrilheiros não imagina a via-crúcis por trás. É uma cruel contradição, mascarada pelas imagens de alegria que inundam as redes.

Mas a quem interessa cuidar dessa arte feita pelo povo e para o povo? A resposta é simples: quase ninguém.

Então, caro brincante, me resta dizer: muito obrigado. Este ano fui presenteado com uma alegria que, vejam só, só o Carnaval costuma me dar. Quando estamos exaustos, sem perspectiva; quando tudo ao redor é injustiça e insegurança; num mundo cada vez mais distópico, eis que o sinal toca: “Quinze minutos para a quadrilha entrar!”. Um mar de gente corre para montar o cenário, e eu me vejo ali, entre os meus, com os olhos marejados. Tudo passa rápido – e, de repente, estou aos prantos cantando o encerramento: “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão / Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Nesse ciclo de viagens, cansaço e correria, reconecto-me com esse lugar sagrado de encantar e levar arte ao povo.

Meu agradecimento à Forró do ABC e a todos os quadrilheiros que fazem essa festa existir. Para além da competição, espero que saibam reconhecer a beleza efêmera do que constroem nas quadras – uma jornada sazonal, cansativa e, sobretudo, mágica. Porém, aplausos não sustentam o artista. Mesmo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, muitas juninas com décadas de história lutam anualmente para sobreviver.

Sobram títulos, mas falta infraestrutura e apoio.

Falta interesse político e empresarial, mas não falta garra aos quadrilheiros.

Vocês são a cultura viva e pulsante que preenche o São João de um modo inexplicável, é preciso ver para crer.

E se pudesse, eu levava todos vocês para o mundo inteiro conhecer.

P.S.: No final do mês, a Forró do ABC representará a Bahia no Nordestão, no Maranhão, o maior concurso de quadrilhas do Nordeste.

Acompanhe: @unejoficial | @forrodoabc

(Este texto apresenta opiniões exclusivas do autor e não reflete a opinião do site ou das pessoas e organizações citadas.)

*Ishiruji é escritor, artista multimidia e ator formado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Em 2022 lançou seu primeiro livro, intitulado “Do Avesso – Cheguei ao fim, me virei, era um começo”.