Diagnosticada com HIV, influenciadora faz grupo de acolhimento nas redes para pessoas com o vírus e comanda projeto social
Sabrina Luz é acompanhada por 18 mil seguidores no Instagram, onde é apoio e acolhimento para outras pessoas que também vivem com HIV. Desde o diagnóstico, há 13 anos, ela enfrentou diversas dificuldades e foi em uma casa de apoio que sua vida ganhou um novo significado. “Precisei de muita coragem para falar abertamente, em especial por ser uma mulher trans, o que torna o preconceito ainda maior. Mas fico feliz em representar essas pessoas, de alguma forma. Quero mostrar que elas não estão sozinhas.”
“Sou uma mulher trans e minha história é delicada, foi bem difícil, para mim, chegar até aqui”. É assim que Sabrina Luz começa a contar a sua história na manhã de uma quinta-feira ensolarada, em entrevista para Marie Claire. Nascida no estado do Ceará, ela foi criada no interior com os pais e, atualmente, mora em Caucaia, cidade vizinha de Fortaleza.
Aos 24 anos, Sabrina se vestiu, pela primeira vez, como mulher durante a parada LGBTQIAPN+. “Nesse momento, me entendi e soube que seria para sempre a Sabrina. Rapidamente, as pessoas se acostumaram, tanto com o meu nome, como comigo, mas tive pouco apoio na minha transição. Minha família teve muita dificuldade em me aceitar, e lutamos para isso até hoje. Mesmo assim, está melhor do que antes.”
Sabrina trabalhava como doméstica na casa de uma família há anos quando começou a se sentir constantemente doente. Sem conseguir descobrir o que era ao longo de seis meses, e com sintomas de tuberculose, tomou a decisão de fazer um teste de HIV. “Não tinha os sintomas claros de HIV, como fadiga, suor. Eu ia ao médico, tomava medicações, e nunca passava. Entendi que havia algo errado e não tinha como continuar daquela maneira”, conta.
Além da tuberculose, o diagnóstico comprovou o que ela já esperava: HIV positivo, uma infecção que não tem cura, mas que pode ser controlada e tratada para que a pessoa não desenvolva aids. “Tinha medo de dar positivo, e quando recebi o diagnóstico, apesar de ser difícil, foi como se abrisse uma luz. Finalmente eu sabia o que tinha. Tentei não chorar e nem me desesperar. Não queria que as pessoas soubessem que eu estava com HIV, mas quando coloquei os pés para fora do hospital, me senti julgada. Parecia que todas as pessoas olhavam para mim.”
“Sempre fui muito sincera com a família que eu trabalhava. Avisei quando fiz o teste e, em seguida, do resultado positivo. Eles entenderam, mas quinze dias depois, fui demitida. A família avisou que não dava mais para pagar o meu salário. Disseram que não tinha nada a ver com o HIV, mas entendi que sim”, relembra. Sabrina relata que, a partir desse momento, começou a encarar algumas dificuldades.
“Voltei para casa sozinha, pensativa. Contei apenas para um amigo meu. O que mais começou a me abalar foi ficar sem trabalho. Não tinha como pagar o aluguel e me manter, ao mesmo tempo em que precisava começar o tratamento, fazer exames e ter uma boa alimentação. Só saía para consultas e me trancava no quarto. Nesse tempo, vendia tudo o que podia para conseguir dinheiro. Até que chegou o momento em que precisei entregar o lugar em que morava e minha única opção foi morar com a minha irmã.”
Lá, Sabrina era expulsa todos os dias, até que optou por passar um período na casa de sua amiga, e não voltou mais. “A minha irmã nunca me ligou para saber como eu estava, ela não se preocupava”, fala. Por fim, ela foi para uma casa de apoio para pessoas com HIV. Nessa fase, Sabrina diz que a sua vida mudou completamente.
“Cheguei lá e eu estava em tratamento de HIV, tuberculose e também um câncer de pele. Foi tudo muito rápido, um diagnóstico seguido do outro. Mas, da mesma forma que tudo aconteceu de uma vez, superei também de uma vez só. Nessa casa, tinha alimentação, atividades e também um momento de espiritualidade, já que o local era mantido por freiras. Cheguei muito debilitada e, aos poucos, melhorei”, relata Sabrina, que, após passagem pela casa de apoio, morou também em um abrigo.
“Sou uma pessoa como qualquer outra na sociedade”
Nos locais de apoio por onde passou, ela começou a entender mais sobre o HIV. “Tive contato com pessoas que já conviviam com o HIV há 15, 20 anos, e estavam muito bem. Muitos me disseram que eu passaria por muitas coisas, mas ficaria bem. Compreendi que, se para eles é possível, para mim também seria. E foi.”
No abrigo, Sabrina encontrou oportunidades de trabalho. Primeiro, como telemarketing, função que ela fazia com muita dedicação e oportunidade que a permitiu reconstruir sua vida fora da casa de apoio. Depois, decidiu expor a sua história nas redes sociais com o objetivo de conscientizar e acolher.
“As pessoas tem aquele estereótipo na cabeça de que uma pessoa com HIV está sempre doente, triste e abatida. Não é assim. Se você me visse na rua, saberia que estou com HIV apenas me olhando? Com certeza, não. Sou uma pessoa como qualquer outra na sociedade, e queria mostrar justamente esse lado. Claro que HIV não tem cura, mas tem tratamento, conseguimos controlar e viver muito bem.”
Hoje, ela é acompanhada por mais de 18 mil pessoas no Instagram. “Precisei de muita coragem para falar abertamente, em especial por ser uma mulher trans, o que torna o preconceito ainda maior. Mas fico feliz em representar essas pessoas, de alguma forma. Quero mostrar que elas não estão sozinhas.”
Sabrina se tornou uma rede de apoio para outras pessoas com HIV e também para familiares de pacientes em tratamento. “Passei quase 10 anos sem falar sobre o meu diagnóstico abertamente, e é dentro da própria família que, às vezes, existe mais preconceito. Alguns ainda acreditam que ao compartilhar um talher, por exemplo, você pega HIV. E não se fala sobre isso o ano todo, é apenas no dezembro vermelho, considerado o mês da conscientização. Mas como ficamos o resto do ano? Nós existimos o ano todo. Constantemente, recebo muitas mensagens, seja de pessoas que descobriram o HIV, ou algumas mães. Paro e leio tudo com atenção. Em alguns momentos, faço chamada de vídeo e escuto a pessoa, sou realista e tento tranquilizar. Não é um diagnóstico fácil, mas é melhor quando encontramos acolhimento. Também fiz um grupo no WhatsApp apenas para pessoas com HIV, onde conversamos e nos lembramos de tomar o remédio, a nossa pílula de vida”, fala.
Além do perfil, Sabrina criou um projeto que ajuda pessoas em situação de rua com alimentação, o qual nomeou de Ser Luz. Sem fins lucrativos, a ideia do projeto surgiu em 2022, no dia do aniversário da influenciadora, que tem 41 anos. “Lancei uma campanha como forma de presente de aniversário. Com isso, fiz quentinhas e levei para pessoas em situação de rua na Praça do Ferreira, em Fortaleza. A partir disso, começou. Por mês, levamos cerca de 200 refeições e 200 águas para as pessoas. Também conseguimos algumas roupas, calçados e fraldas descartáveis. Lembro que um dia eu passei por isso, e fui acolhida. Agora que posso, tento fazer o mesmo.”
Sabrina vive com HIV há 13 anos e é casada com Bernardo. Questionada sobre o seu maior sonho atualmente, ela é enfática: “Gostaria que o projeto tivesse transporte próprio para levar as marmitas. Hoje, é muito difícil conseguir alguém que faça essa parte do trabalho. Como mulher trans, também tenho inúmeros sonhos, como colocar uma prótese nos seios. Já o meu marido, um homem trans, tem o sonho de realizar uma mastectomia, e queria muito que ele conseguisse. São muitas coisas, mas creio que tudo dará certo”, finaliza.
Agencia AIDS