Ainda sem dados oficiais no Brasil, a população trans começou recentemente a ser integrada nas discussões de saúde e bem-estar. No Censo conduzido em 2023, com previsão de lançamento de dados em 2024, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passa pela primeira vez a adicionar outras identidades de gênero aos questionários. No entanto, estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros sejam pessoas transgênero ou não-binárias, segundo pesquisa de 2021 da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista. Na ciência, o cenário já é um pouco diferente, como explica o cirurgião plástico especialista em adequação genital, Matheus Manica. Essa cirurgia, que é um passo importante na atenção de saúde das pessoas trans, tem além dos efeitos físicos, impactos psicológicos positivos, algo já comprovado em estudos científicos. “O termo técnico para se referir ao procedimento é transgenitalização, que engloba todos os procedimentos cirúrgicos para adequação da genitália à identidade de gênero da pessoa. O termo redesignação sexual deve ser evitado, pois ele pode passar uma ideia errada de que se está mudando o sexo da pessoa”, explica Matheus Manica. O médico desenvolveu uma técnica específica, baseada em protocolos de profissionais de vanguarda no assunto nos Estados Unidos e na Tailândia, que privilegia a sensação de prazer das mulheres trans após a operação. “A parte sensitiva é preservada, com o clitóris e os nervos da região modelados para que a sensibilidade seja principalmente na vulva. Isso é mais próximo da fisiologia de uma mulher cis (não transgênero), em quem o canal vaginal em si não tem terminações nervosas específicas”, diz. Em 29 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Nessa data, o intuito é colocar em discussão as reivindicações da população trans e desmistificar os tabus em torno da comunidade. Ainda há muitas dúvidas a respeito dos cuidados com a saúde de pessoas trans, em especial em relação à cirurgia de adequação genital. O médico responde abaixo as principais questões relacionadas ao tratamento. A partir de que idade é possível fazer a cirurgia?Antes, essa cirurgia só era permitida para pessoas a partir dos 21 anos. No entanto, desde 2020, o Conselho Federal de Medicina atualizou os critérios e passou a permiti-la a partir dos 18 anos. Como é feito o procedimento?O procedimento consiste na retirada da parte erétil do pênis, preservando a parte sensitiva que é modelada no clitóris para dar sensibilidade. Já a pele do pênis é utilizada para formar os pequenos lábios e a pele da bolsa escrotal é utilizada tanto para os grandes lábios quanto para revestir o canal vaginal. Os testículos são retirados durante a cirurgia, diminuindo a produção de testosterona e evitando a utilização de bloqueadores hormonais. O canal urinário é encurtado e parte de sua mucosa é utilizada na parte interna dos pequenos lábios para ficar com um aspecto mais natural. O que é preciso para realizar a cirurgia?Para que a cirurgia seja liberada, é necessário que a paciente esteja sendo acompanhada por uma equipe multidisciplinar com endocrinologista, psicólogo e psiquiatra por ao menos um ano. Esses profissionais precisam realizar um laudo atestando a disforia de gênero apresentada pela paciente. É obrigatório que ela já tenha assumido socialmente o gênero que pretende adotar e recomenda-se o tratamento hormonal para adquirir as características sexuais secundárias, conforme o caso, sempre orientada pelo endocrinologista. Quanto tempo dura o procedimento?A cirurgia tem uma duração média de 7 horas. A internação pós-cirúrgica dura três dias e, a partir do segundo, já é possível caminhar. É possível ter orgasmos após a cirurgia?Sim. Antigamente, a cirurgia era basicamente uma amputação: retiravam-se os nervos, o que afetava a sensibilidade. Com as técnicas mais modernas, os nervos são preservados, permitindo a formação de um clitóris sensível com a possibilidade de alcançar o orgasmo. Isso ocorre quando o cérebro reaprende a anatomia do corpo e a nova conformação dos nervos, processo que é quase como uma ‘segunda puberdade’. Quanto tempo dura o pós-operatório?A cirurgia de adequação genital é um tratamento reparador e complexo, ou seja, o pós-operatório dura cerca de três meses, mas a cicatrização e o inchaço podem continuar por até um ano depois da operação. É importante frisar que a recuperação varia muito de pessoa para pessoa, não só pela resposta do corpo, mas também por seguir corretamente as recomendações médicas, como a higiene adequada e a realização dos curativos. Além disso, é recomendado manter um acompanhamento psicológico nesse período para ajudar a lidar com a ansiedade de uma recuperação longa. É possível realizar a cirurgia pelo plano de saúde?Sim. Na versão mais recente da Classificação Internacional de Doenças (CID), a transexualidade foi renomeada como incongruência de gênero e não é mais considerada uma doença e sim uma condição que afeta a saúde. Dessa forma, se a pessoa sofre com disforia de gênero, ela tem o direito de realizar essa cirurgia e outros tratamentos para sua transição com a cobertura do plano de saúde, algo que foi determinado em resolução da Agência Nacional de Saúde. |
Sobre Matheus Manica Cirurgião Plástico, pós-graduado e especialista em Dermatocosmiatria pela Faculdade de Medicina do ABC. Professor de Estética da Faculdade de Medicina do ABC. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. |