Dalma Calandre : conheça o icono fashion da cena drag dos anos 80 em Salvador
Nos anos 80, Salvador pulsava como um epicentro criativo. Moda, música, teatro e artes visuais se misturavam em uma explosão de energia que moldou gerações. Foi nesse cenário efervescente que surgiu Dalma Calandre, personagem fashion e vanguardista criada e interpretada pelo artista Tony Bald, uma das figuras mais marcantes do transformismo baiano, termo usado na época para definir o que hoje conhecemos como arte drag.
A origem do nome Dalma Calandre não foi fruto do acaso, antes mesmo de ganhar vida nos palcos e nas ruas de Salvador, sua origem estava ligada diretamente à memória afetiva e estética de Tony. Entre tecidos, fragrâncias e ícones da moda, o artista encontrou a inspiração que daria nome e identidade à personagem:
“A personagem nasceu da minha paixão pela moda. Eu sempre gostei de moda, estudei moda, trabalhava como estilista na RACAM em Salvador, depois trabalhei na feira dos tecidos. Amo até hoje uma modelo Brasileira que se chama Dalma Calado, que era uma das tops da época. E Calandre é o nome de um perfume do Paco Rabanne. Então associei o nome Dalma ao perfume Calandre, e ficou Dalma Calandre”, explica Tony.
Dalma chegou à capital baiana ainda jovem e mergulhou de cabeça na efervescência cultural que tomava conta da cidade. Foram oito anos de noites iluminadas por shows e performances, onde moda, música e teatro se misturavam em um caldeirão criativo. Para ela, viver e trabalhar em Salvador significou mais do que estar em cena: foi tornar-se parte de um movimento que moldava a identidade artística da época.
“Eu vivia da arte drag ou transformista, que para mim, para minha personagem, era a mesma coisa. Naquele tempo, éramos chamados de transformistas, mas éramos drag queens ao mesmo tempo”, relembra Calandre.
Naquele universo artístico, existiam disputas e hierarquias, o chamado escalão A, B e C, que definiam quem brilhava mais sob os holofotes. Ainda assim, segundo Dalma, o clima não deixava de ser de parceria e troca entre as artistas.
“Sempre teve um pouco de rivalidade, mas era uma rivalidade gostosa. Todas nós, se pudéssemos, nos ajudávamos umas às outras. E se elas estão hoje aí, bonitas, é porque eu, como muitas outras de Salvador e do Brasil, abrimos o caminho”, afirma Dalma.
Antony construiu uma personagem fashion, com estilo único, marcado por referências de moda que a diferenciavam dos colegas. Em São Paulo, Márcia Pantera também trazia essa ligação com o universo fashion; em Salvador, Dalma ocupava esse lugar.
“A Dalma sempre foi uma personagem muito ligada à moda. Eu não me caracterizava como outras, eu criei a minha própria personagem. O que a gente tinha de dificuldades era não ter condições econômicas para comprar muitas coisas, muitos adereços de cena para poder fazer um figurino melhor, conseguimos criar muito com pouco”, comenta ele.
Hoje, Antony vive na Itália e, embora Dalma esteja oficialmente aposentada dos palcos há cerca de 25 anos, a conexão com o universo drag permanece viva. O carinho e o orgulho pela arte que ajudou a construir transparecem nas suas palavras.
“Amo de paixão o mundo drag. Essas atuais também vão chegar à minha idade e pensar no legado que deixaram, como eu deixei. É a vida que segue”, comenta a artista.
Ao olhar para a cena atual, Antony percebe um cenário profundamente transformado em relação aos anos 80. A evolução tecnológica e as novas possibilidades de produção mudaram a forma de criar e se apresentar, mas, para ele, a essência permanece a mesma.
“Hoje é tudo muito mais acessível: superproduções, digitalização, possibilidades econômicas de fazer figurinos incríveis. Mas, no fim das contas, para mim, drag e transformista são a mesma coisa: arte e expressão”, afirma.
Para Antony, e consequentemente Dalma, a Bahia foi palco e impulso. Sua trajetória não apenas reflete a história de uma artista, mas também a de uma cidade que, nos anos 80, abrigava uma criatividade efervescente e uma comunidade que ousava desafiar padrões. Um legado que segue inspirando novas gerações.


