Conheça o Coletivo Contágio, que tem apostado na arte e na cultura para falar sobre HIV/aids com a população jovem
Pelo viés da arte, o Coletivo Contágio tem articulado debates sobre transgeneridade, negritude, ancestralidade indígena, educação, saúde, autocuidado, liberdade sexual… e também proposto novas perspectivas sobre HIV/aids, com uma comunicação afetiva, inclusiva e representativa.
Esse coletivo de aquilombamento criado, especialmente, por e para pessoas vivendo com HIV, nasceu a partir da indignação de um grupo de artistas e ativistas em relação à maneira como a aids é abordada socialmente e pelo desejo comum de artistas vivendo com HIV de criar coletivamente sobre esse tema, que segundo eles, ainda é muito silenciado e carregado de estigmas e preconceitos.
Em entrevista à Agência Aids, Ará Silva e David Costa, idealizadores e integrantes do coletivo, falaram sobre a inquietação que mobiliza o grupo, como os mecanismos de quebra de estigmas e paradigmas.
“O tema aids ainda hoje é muito silenciado e a sociedade tenta impor em nós a morte social. Então, o coletivo surge, em 2019, depois de uma conversa numa mesa de bar, justamente como uma contraproposta a isso. Ele nasceu muito da urgência que cada um de nós tínhamos de querer falar sobre a pauta de um outro jeito. De lá para cá, não paramos”, falou Ará.
Ará Silva em Caminhada do Coletivo Contágio (Foto: Lucas Gonzaga)
“Cheguei em São Paulo no final de 2017, e, em 2018, descobri o meu diagnóstico de HIV, passei a transitar e ir em busca de organizações, grupos, outras narrativas sobre o HIV que ainda não conhecia, com isso, os encontros foram acontecendo e, no final de 2017, eu, Leandro Noronha, Simbate e David nos reunimos e começamos a conversar sobre o desejo de criar um coletivo para falar sobre HIV/aids, tendo em comum o fato de sermos bichas vivendo com o vírus”, relembrou.
A quebra de paradigmas que o Coletivo Contágio fomenta não se restringe ao campo das ISTs/aids, de acordo com os entrevistados, não ficam para trás debates importantes sobre racismo, LGBTfobia, dentre outros. Os artistas dispensam rótulos para o trabalho que produzem, pois acreditam que a arte deve ser expressada livremente.
“A sociedade ainda é inflamada por imaginários sociais muito infectados, então temos o desejo de trazer leveza, informação e contagiar as pessoas através da arte e da cultura”, destacou Ará.
Comunicação diversa
No mesmo sentido, David frisou que diferentes questões atravessam suas vivências, por isso, o propósito do coletivo é também falar de vida, para além de todos os recortes identitários.
“Nós falamos da epidemia e não somente do ponto de vista da saúde, mas social. A ideia é falar sem receios, comunicando com todos os públicos possíveis, entendendo que o HIV não é um problema só das pessoas que vivem com HIV, mas de toda a sociedade. Porém, não falamos somente de HIV, dialogamos sobre arte, literatura, poesia…”
David Costa em Caminhada do Coletivo Contágio (Foto: Lucas Gonzaga)
De acordo com Ará, o grupo está atento ao fato de que os novos casos de HIV/aids tiveram queda na população geral, mas aumentaram entre os mais jovens. Por isso, apesar de as atividades serem voltadas para todos os públicos, há um trabalho especial sendo desenvolvido junto à juventude, sobretudo com as juventudes negras, indígenas, quilombolas, LGBTs e periféricas…
“Eu mesmo sou uma pessoa indígena em retomada, venho da periferia, da favela… nessa caminhada que perpassa os nossos corpos entendo as demandas e entendo que a gente precisa dialogar e construir junto”, disse.
“Sabemos que os boletins mostram a questão do acesso desigual à informação, as profilaxias… A prevenção combinada ainda não chegou na favela, na periferia, nas juventudes pretas, LGBTQIAP+. O sistema ainda é falho e a gente, prioritariamente, deseja se comunicar, dialogar e criar junto às juventudes que mais precisam”.
Afroafeto
David destacou o afroafeto presente neste espaço. “É incrível encontrar outras pessoas pretas e a gente se entender só pelo olhar. Tenho criado estratégias de entrar em alguns espaços e falar de nós, muitas vezes através do corpo. Para nós pessoas negras, além do HIV, vai ter o racismo nos acompanhando sempre por onde passarmos”.
A busca pelo protagonismo que eles entendem ter sido roubado, passa também pela conexão com as suas ancestralidades.
Perguntados sobre o maior desafio de articular um trabalho desta dimensão, proporção e importância, falaram da falta de investimento financeiro por parte do setor cultural e da dificuldade de convencer as intuições que o HIV é uma pauta importante socialmente e que existem artistas vivendo com HIV engajados criando sobre o tema.
David pontuou o desafio de conciliar tantas pautas. Para o ativista, o maior prazer está em ver o senso de coletividade e pessoas passando a se abrir sobre seus diagnósticos.
“A maior felicidade é poder trocar, estar com o Ará que cresceu no mesmo bairro que eu, e fazer meu trabalho do jeito que gosto”.
“E o resgate da ancestralidade e tudo que temos retomado enquanto bichas HIV+, nordestinas, pretas, indígenas”, complementou Ará.
“Essa cidade não me deu nada, tudo que consegui até aqui foi retomado, nada foi dado! A alegria está em poder retomar coisas e conseguir viver da arte”, finalizou.
Coletivo Contágio no seminário “Escritas de Si(da)” em dezembro de 2022, no Sesc Carmo, com João Silvério Trevisan (Foto: Divulgação)
Nos dias 6 e 7 de junho, às 18h, o Coletivo Contágio apresentará as células cênicas criadas por artistas residentes durante a “Residência de Contágio: Pesquisa de Levante do HIV/Aids”, realizada através do projeto Transmissão Contágio, contemplado pela 16ª ed. do Prêmio Zé Renato de Teatro, da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. A entrada é gratuita e pode ser retirada com 1h de antecedência na unidade do Sesc Carmo.
Serviço
Onde: Sesc Carmo – R. do Carmo, 147 – Sé
Quando: 6 e 7 de junho
Horário: 18h00
Para participar do coletivo, acompanhar o trabalho e a agenda do Coletivo Contágio acesse: https://coletivocontagio.com.br/