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Capas de discos que movimentaram o mundo LGBTQIAPN+

Por Carlos Leal

O texto da semana começa pelo que me motivou a escrevê-lo e pesquisá-lo, foi algo que veio da minha memória. Sempre fui de parar por horas nas lojas de livros e CDs e ficar pesquisando, olhando capas, descobrindo novidades ou vendo novas tendências. Assim começa nosso relato. Nesse texto, falo de seis capas de discos, alguns lançados em LP e Fita K7, outras relançadas em CD, outras disponíveis apenas nas plataformas digitais, mas o fato é que existem, estão aí e eu continuo mexendo em todos os balaios que encontro, virtuais ou não.

DISCO I – Essa história, que, cronologicamente não seria a primeira, ocorreu em uma loja de departamentos em um grande shopping de Salvador. De ouvidos atentos, ouço : “olha esse “viado” aqui, ele faz a pose, até biquinho e ainda coloca a foto de um “veado” na capa”, o CD estava em um balaio de promoções e, claro, fui olhar. Me deparei com o Extra, trabalho lançado em LP e CD e uma preciosidade na discografia do mestre Gilberto Gil lançado em 1983. O álbum, que traz músicas como Extra , Punk da Periferia, A Linha e o Linho, Mar de Copacabana e O Veado, todas, composições do próprio Gil. Confesso, peguei o CD, abri o encarte e achei a canção ingênua até. O CD, levei …. além da capa, a letra é “massa”.

“O veado, Greta Garbo
Garbo, a palavra mais justa
Que me gusta, que me ocorre
Para explicar um veado quando corre,
Garbo esplendor de uma dama das Camélias
Garbo vertiqualidade
Animália, Anamélia”

DISCO 2 – Outro trabalho, que, diga-se de passagem, amo ouvir (o trabalho e o artista), é do cantor cearense Markinhos Moura, intérprete conhecido pelos hits Meu Mel (Fred Leibovitz / Norival Di Paula / Paulinho Rezende / Sam Chouka) e Anjo Azul (Paulo Debétio ) mas que vai muito além disso. Inteligente, possui um trabalho consistente que, a meu ver, o rótulo de “artista dos anos 80” tenha seu sucesso. O trabalho em questão é o LP Sem Pudor (1990) que tem uma capa bem produzida com Markinhos super à vontade em uma foto prá lá de sensual. Já li críticos dizendo que a capa atrapalhou a vendagem do disco. Mas críticos precisam de um argumento, também não duvido que possa ser real. O LP, que amo, traz a música Ciúmes de Rapaz (John Lennon -Vs. Paulinho Tapajós), que é maravilhosa: “Eu vivia inseguro, caminhando no escuro/ Sem saber o que pensar/ Eu construí mil muros, eu destruí um coração / Foi sem querer, coisas de rapaz”. Quer um conselho? Dispa-se de preconceitos e ouça pelo menos dois dos trabalhos de Markinhos: um, intitulado Minha Voz no Teu Olhar , que tem a participação da Sapoti Ângela Maria em Esse Cara (Caetano Velloso) e o outro, Mulheres e Canções, com participações de Cida Moreira, Zezé Motta, Márcia Castro, Claudya, Maria Alcina, Amelinha, Fabiana Cozza, Jane Duboc, Tetê Cavalcante, Vãnia Bastos e Verônica Ferriani. Ambos, estão nas plataformas digitais. Esse é para ouvir sem parar. Com relação a Markinhos, posso dizer que o artista nunca foi de dizer “sou gay”, “estou no armário” ou “estou saindo do armário”. Ele sempre foi um artista, grande profissional.

DISCO 3 – E o que dizer do LP Carnaval Carioca Lyra de Xopotó – Remanescências do Carnaval Carioca, lançado em meados dos anos 50. A Lyra de Xopotó era uma programa que ia ao ar pela Rádio Nacional aos domingos, apresentado por Lyrio Panicali. E o que vemos na foto da capa? Dois Pirrots quase se beijando. Imagina isso naquela época? Teria a Censura passada desapercebida ou a maquiagem escondeu as identidades? De acordo com o Dicionário MPB (www.dicionariompb.com,br) podemos dizer que trata-se da primeira capa LGBTQIAPN+ da história da música Brasileira.

DISCO 4 – Nessa lista não poderia faltar a nossa querida e talentosa Divina Valéria (a época, somente Valéria), a eterna Musa do Bloco Jacu do Carnaval de Salvador. Ser Travesti já era uma ousadia, era enfrentar a sociedade diariamente, era ser perseguida. Gravar um disco (Compacto), uma vitória. Era um pout porri sensacional que incluía : Na Cadência do Samba (Ataúlfo Alves) Acender as velas ( Zé Kéti ) Vou andar por aí ( Newton Chaves ) A Felicidade ( Vinicius De Morais e Antonio C. Jobim ) Opinião ( Zé Kéti ) O Sol Nascerá ( Carlota ) A Fonte Secou ( Monsueto Menezes ) e Leilão ( Heraldo Barbosa). Viva Valéria, tão divina até hoje. Não era Marketing nem lacração: era talento e resistência. Eram portas sendo abertas.

DISCO 5 – Falar que Ney Matogrosso ousou, é redundante, ele é a própria ousadia, até hoje ao mostrar sua arte, já era pura ousadia. Ele sempre fez o que quis e da forma que quis, Aqui destacaremos o LP Pois é …. disco maravilhoso onde ele aparece na capa com uma flor de hibisco no cabelo. Recordo que ganhei esse LP de uma rádio na semana de lançamento, lembro de pessoas rindo (Ih, ele tem o disco do viado) e eu me deliciando com o repertório: Babalu (Margarida Lecuona), Pro Dia Nascer Feliz (Cazuza e Frejat), Bambo de Bambu (Patricio Teixeira, Donga e J. Thomaz), Mulheres de Atenas (Augusto Boal e Chico Buarque de Holanda) e Homem com H (Antônio Barros), que foi o grande hit do disco.

DISCO 6: Não adianta tentar copiar se não foi legítimo. Remanescente do Grupo Secos de Molhados, de onde também saiu Ney Matogrosso, o cantor e compositor João Ricardo bem que tentou engatar uma carreira, na época “ fazendo a linha gay”, mas não deu muito certo. Lançado em 1975, no repertório músicas como Vira Safado e Rock e Role comigo. Não funcionou.

Viva aqueles que vieram antes da Pablo e que puderam abrir caminhos para tanta gente.

Carlos Leal -Jornalista formado pela Universidade Tiradentes, Especialista em Marketing Digital, autor do livro infanto-juvenil Histórias de Dona Miúda: a Raínha do Forró (Ed.Pinaúna), co-autor do livro Cem Anos de Dorival Caymmi: panoramas diversos, em parceria com a Professora Dra. Marilda Santanna. Atualmente colabora com artigos e textos para O Dois Terços e para o jornal A Tarde e escreve duas biografias: da cantora alagoana Clemilda e da sambista baiana Claudete Macêdo.

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