A Agência de Notícias da Aids ouviu os ativistas para o balanço do ano de 2017. Dentre as conquistas apontadas, eles elegeram a aprovação do Dezembro Vermelho e a união de pautas entre diferentes grupos do movimento social como destaque. Por outro lado, a onda de conservadorismo no governo atual, congelamento dos investimentos e o, ainda alto, número de óbitos por aids no país foram colocados como os principais pontos negativos.
Confira os depoimentos:
Leila Barreto, Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central de Belém (Gempac) – Em 2017 comemoramos 30 anos do movimento de putas, que é uma população chave, e construiu uma política para trazer maior visibilidade. Neste ano, continuamos na luta para essa conquista ser mantida e ampliada, reafirmando nossa identidade, buscando garantia dessas políticas. Tivemos uma participação significativa no movimento.
Rodrigo Pinheiro, presidente da Foaesp (Fórum de Ongs/Aids do Estado de São Paulo) – 2017 foi um ano muito difícil para o enfrentamento à epidemia da aids. Não conseguimos avançar na resposta, os números de novos casos e óbitos ainda continuam altos, ações em prevenção pouco desenvolvidas. Tivemos a incorporação da PrEP tardiamente e com poucos tratamentos disponibilizados. No Congresso Nacional tivemos avanços com a aprovação do Dezembro Vermelho e arquivamento do Pl198/15, mas continuamos com dois projetos de lei que criminalizam a discriminação. Temos poucas coisas a comemorar em 2017.
Gabriel Estrela, artista criador do Projeto Boa Sorte – Esse foi um ano em que a gente começou a perceber que precisamos nos unir. Nós temos sido muito embatidos, tivemos conflitos que foram bons, que geraram ideias novas, conexões novas. Mas foi um ano em que percebemos que precisamos nos unir mais. Vi muitas uniões que não imaginava, muita gente crescendo a partir de parcerias.
Carla Diana, coordenadora da Associação Prudentina de Prevenção à Aids – Esse ano tivemos três eventos que marcaram os encontros das redes, dos fóruns e dos movimentos. Encontros estaduais, regionais e depois o nacional. Foram oportunidades de todo o movimento organizar as demandas para os próximos dois anos. Além disso, construímos um GT de adolescentes e juventude em São Paulo com propostas novas para inserir os jovens no contexto da informação. Por isso, foi um ano de benefícios e alinhamentos, diálogos e avaliações. Por outro lado, há um momento complicado por conta do comportamento do nosso congresso a nível de conservadorismo e fundamentalismo, de desmonte das políticas dos SUS.
Vanessa Campos, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+) – Passamos e ainda estamos passando pela calamidade da falta e/ou fracionamento de antirretrovirais, o que gerou denúncias ao Ministério Público Federal no Brasil todo. Isto foi o ápice do retrato do desmantelamento das políticas de aids no nosso país. O movimento uniu forças para denunciar sistematicamente a ameaça do PL 198/2015 que tornaria crime hediondo a transmissão deliberada do vírus da aids, e vencemos, foi arquivada. Defino 2017 como o ano da resistência.
Pierre Freitaz, assistente social da ONG Koinonia – A PrEP foi um grande avanço depois de um bom tempo de estagnação, ela conseguiu sair do papel por mais que seja para um número limitado de pessoas, mas vai possibilitar que haja mais uma opção para prevenção. O congelamento de gastos da união. É um grande retrocesso e na garantia do direito a saúde e a gente já vem sentindo esse impacto. O superlotamento dos serviços de saúde, acesso. O acesso ao exame de carga viral, dificuldade de acesso ao médico. A pessoa com HIV precisa de um atendimento mais amplo.
Veriano Terto, assessor da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – Em 2017 o que assistimos foi uma deterioração crescente do contexto político-social e econômico que afeta diretamente a sustentabilidade ou a ampliação das políticas e ações de saúde, no qual a resposta a aids se insere. Como destaque, creio que tenhamos alcançado maior clareza da gravidade da epidemia de HIV e sífilis em jovens HSH e na população trans – conforme apontam os últimos números divulgados pelo MS – o que reflete a timidez ou ausência das ações efetivas de prevenção e cuidado para estas populações nos últimos anos.
Brunna Valin, militante e ativista do movimento de aids e LGBT – Algumas coisas se concretizaram, principalmente a luta contra o preconceito. Creio que foi mais divulgado em canais no Youtube, matéria da revista Galileu, campanhas do Põe na Roda. Houve avanço na mídia, mas as campanhas para as populações-chave não evoluíram e temos que tomar cuidado para não cair no estigma que já existia lá atrás. Fui bem crítica a uma campanha que dizia “Faça o teste de aids”. Temos que tomar cuidado com o estigma e discriminação.
Márcia Leão, do Fórum de ONGs/Aids do Rio Grande do Sul – Foi um ano marcado por retrocessos em diversas políticas públicas no Brasil. E essa visão mais conservadora que está se colocando no país tem um impacto muito negativo nas ações de prevenções da aids. Esses retrocessos vêm com uma série de violações aos direitos humanos e têm se firmado muito principalmente no nível federal. Com isso, a agenda da aids não é mais uma prioridade dentro governo e cada vez mais vai se descolando e se afastando da agenda dos direitos humanos, o que é fundamental para a resposta à epidemia. Apesar disso, tivemos pontos positivos, como os encontros da sociedade civil que aconteceram. Os encontros regionais de redes e movimentos e o encontro nacional também. Isso é sempre positivo porque é uma oportunidade da gente se rearticular no movimento de uma forma mais coletiva.
Keyla Simpson, da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – Foi um ano positivo na questão do nome social para travestis e transexuais. A cada ano essa política toma ramificações diversas no país e o fortalecimento dessa agenda é muito importante. Os projetos que foram desenvolvidos com as organizações, estratégias de testagem com fluído oral e testagem rápida que ficou mais popularizada foram pontos positivos. Debateu-se muito a população trans neste ano, o que foi significativo. Negativamente, o aumento considerável de assassinato de transexuais é algo preocupante. São, até agora, 174 mortes. Por isso, não foi um ano favorável. Tivemos mais problemas do que conquistas, mas queremos pensar que podemos modificar essa realidade no próximo ano.
Vando de Oliveira, Secretaria Nacional da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+ Brasil) – Como pontos positivos tivemos a Lei do Dezembro Vermelho, os medicamentos darunavir, dolutegravir e a retirada do PL 198/2015, embora dois outros projetos de lei ainda continuam em tramitação. Por outro lado, tivemos como derrota o aumento de casos de aids, o descompromisso dos governos com a saúde pública em geral, e em particular com a aids. Além disso, falta de remédio e exames de carga viral, e a falta de medicamentos que ainda continua no Amazonas, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Assim como a culpabilização das pessoas vivendo com HIV/aids, por parte do ministro Ricardo Barros, em relação a campanha de carnaval, que foi lamentável.
Heliana Moura, secretária política do Movimento das Cidadãs Posithivas – Para o nosso movimento foi um ano de muitas lutas e desafios importantes para fortalecer as parcerias com outros movimentos de mulheres, pois entendemos que unidas estaremos mais resistentes para enfrentar todos os tipos de preconceitos em prol dos direitos conquistados e principalmente na defesa do SUS. Tivemos participações efetivas em diferentes espaços, como na 2ª Conferência Nacional da Saúde das Mulheres. Lá pudemos levar as vozes das mulheres vivendo com HIV e nossas demandas, desde as conferências municipais e estaduais até chegar na nacional. Também fortalecemos a união com a RNP+ e a Rede de Jovens com diálogo e tentando planejar ações conjuntas. Tivemos mais visibilidade e reconhecimento por diversos órgãos governamentais, movimentos e instituições. O ano foi tenso, mas não desistimos, pois acreditamos que somente com resistência venceremos.