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Arthur, transexual de 13 anos: “Acham que só quero chamar atenção”

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“Mãe, tirei zero na prova de História porque escrevi o meu nome social e não o de registro. A professora disse que eu tinha rasurado”. Em seu primeiro contato com a reportagem do iGay, o menino Arthur Fernandes Alves já chega contando o problema pelo qual passou na escola. A situação exemplifica o tipo de percalço enfrentado por um menino transexual de 13 anos de idade, que vive em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Apesar de incomodar, um problema como esse não abate Arthur. Com seus cabelos azuis e camisa preta de banda, ele é um adolescente como muitos outros, cheio de paixões e aspirações. Além dos HQs de mangás orientais, o jovem se diverte ouvindo bandas como Green Day e My Chemical Romance.
Cabeleireiro e tatuador são as profissões que Arthur pensa seguir quando for adulto. Cursando o oitavo ano do ensino fundamental, ele aprendeu inglês e japonês estudando por conta própria em casa.
Nascido menina, Arthur se percebeu diferente já aos quatro anos de idade. “Sempre gostei de andar com os meninos, o melhor presente que ganhei na minha vida foi uma pista de carrinhos”, revela o adolescente, que teve a sorte de vir ao mundo num ambiente livre de preconceitos. A mãe, Juliana da Silva Fernandes, é uma bióloga de 36 anos. Psicólogo de formação, o pai, Fabrício Alves, tem 37 e trabalha como bancário.
“Nós víamos que ele não gostava de boneca, de coisas cor-de-rosa. Aí eu dizia para quem quisesse dar presente que desse roupa para ele”, conta Juliana. No entanto, o apoio dos pais não evitou que Arthur enfrentasse o preconceito quando tinha sete anos. Na época, ele cortou os cabelos bem curtos e passou a sofrer agressões repetidas de uma colega de escola. “Ela me batia e falava que menina tinha que gostar de rosa e ter cabelo comprido”, relata o adolescente, sem disfarçar a tristeza.
Juliana lembra que este momento marcou o início de uma fase de isolamento do filho. “A partir daí, ele foi ficando introspectivo. Com doze anos, já não falava com ninguém. Começou a se cortar nos braços e falava que tinha um grande segredo”, narra a mãe, que decidiu então, juntamente com o marido, procurar ajuda de um psicólogo.
CONVERSA DEFINITIVA
Mesmo com acompanhamento psicológico, Arthur não conseguiu se abrir e revelar o que o afligia. Juliana viu que era o caso de ter uma conversa definitiva com o filho. “Foi mais de uma hora conversando. Quando ele me falou que o segredo era a identidade de gênero, fiquei aliviada. Eu tinha medo que fosse algo ruim, que ele tivesse sido abusado sexualmente”, explica ela, que àquela altura já tinha procurado a ajuda de três profissionais diferentes. “Nenhum deles explicava nada, falavam que era fruto da separação temporária que eu e o pai do Arthur tivemos. Mas a gente sabia que não era.”
O alívio proporcionado pela conversa foi tamanho que o adolescente saiu do quarto sem o nome feminino com o qual foi batizado. Inspirado no vocalista do My Chemical Romance, Gerard Arthur Way, ele escolheu ser chamado de Arthur.
Assumindo a identidade masculina, Arthur mudou o guarda-roupa, adotou camisetas de banda como seu uniforme e passou a usar uma faixa elástica para esconder os seios. “Minhas amigas usam dois sutiãs para ter peitos e eu um colete e duas camisetas para não ter”, ironiza o adolescente, que mudou também de nome nas redes sociais.

“Foi tudo muito tranquilo, os irmãos dele me corrigiam no começo porque eu continuava chamando pelo nome antigo sem querer”, admite Juliana, que divide a compreensão serena da transexualidade de Arthur com o marido. “Ele é meu filho e vai ser sempre amado, não tem porque não ser assim”, afirma Fabrício.
O pai se incomoda apenas com a incompreensão de muitas pessoas com assunto. “Queremos valer o que é de direito do Arthur. Alguns funcionários e professores se recusam a chamar o Arthur pelo nome, mesmo com a lei que os obriga, então queremos tentar fazer a alteração do nome nos documentos”, argumenta Fabrício, referindo-se à lei estadual paulista 10.948/01, que pune atos de homofobia e obriga estabelecimentos e instituições a respeitar o nome social dos transexuais.

FALTA INFORMAÇÃO E PREPARO

Fabricio, Juliana e Arthur percebem a falta de conhecimento como fator desencadeador do preconceito. “Só encontramos informações muito fragmentadas em blogs, sites e poucos livros. E o que há disponível não fala sobre os transgêneros nesta idade”, reclama a mãe.

O pai vai além e aponta o despreparo do Sistema Único de Saúde para lidar com a questão. “O SUS em tese cobre a cirurgia de adequação de gênero, mas os postos de saúde não têm ideia do que se trata. Os programas de atendimento ficam concentrados em São Paulo.”
“Eu sei que é difícil para todos os transexuais. Mas para mim, às vezes, parece pior. Porque ninguém me leva a sério, acham que só quero chamar atenção”, desabafa Arthur, que sente o preconceito em atos prosaicos como a ida ao banheiro da escola. O adolescente usa o toalete dos professores, por não se sentir confortável em usar o dos meninos.
“Apesar de mais aberta ao debate, a escola tem algumas limitações. A diretora é ótima, muitos professores respeitam. Mas tivemos que abrir algumas concessões, como a questão do banheiro, mas vamos resolver”, pondera Juliana. Arthur faz questão de ressaltar, no entanto, que recebe muito apoio dos colegas.
“Sempre que um professor me trata de maneira errada, meus amigos corrigem. Meu namorado também não tem problemas com a questão. Sei que tenho muita sorte pela minha família que me aceita”, constata Arthur, exibindo uma maturidade pouco comum a meninos de sua idade.
O namorado de Arthur tem o carinho de toda a família. “Ele é um amor, não tenho do que reclamar. Infelizmente, temos tido alguns problemas com a família dele, mas nem todo mundo lida bem. Com o Arthur, a gente sabe que tem um preconceito duplo, porque além de transexual, ele é gay”, se resigna a mãe.
Vem da bisavó do jovem de cabelos azuis o argumento para desfazer a incompreensão com o diferente. “Minha avó de 85 anos, que é bisa do Arthur, disse uma única coisa sobre o assunto: ‘Menino ou menina, o amor é o mesmo’”, relata Juliana. Quem passa algum tempo com a família Fernandes Alves não tem dúvida disso.
Do Igay

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