Colunistas

Música

No Circuito

Opinião

Agnaldo Timóteo e a solidão da comunidade LGBTQIAPN+ nos anos 70

Genilson Coutinho,
22/05/2023 | 10h05

Por Carlos Leal

O cantor Agnaldo Timóteo (1936-2021) nunca assumiu publicamente sua sexualidade, no entanto, em algumas entrevistas chegava a ser contraditório, quando falava de solidão e a busca por companhias nas noites cariocas, algumas vezes, essas histórias foram contadas em letras de músicas de sua autoria. No livro Eu não sou cachorro não: música cafona e Ditadura Militar (Ed. Record-2002), o autor, Paulo Cesar Araújo, cita algumas canções onde o artista driblou a Ditadura ao citar sua solidão e o amor entre iguais de forma discreta e ousada para a época.
Uma das mais famosas é A Galeria do Amor, lançada em 1975 fazendo uma alusão à Galeria Alaska, conhecida na época por ser um tradicional ponto de encontro gay no Rio de Janeiro. Nos anos 60 o local chegou a ser conhecido como o maior reduto gay do país. Na década de 70 o local passou a atrair também prostitutas, traficantes, pivetes e todos os tipos que Paulo Cesar chama de “mundo marginal”. E é exatamente nessa época que Timóteo fala de sua relação com a galeria:
“Numa noite de insônia saí
E encontrei o lugar que buscava
A galeria do amor me acolheu
Bem melhor do que eu mesmo esperava
Hoje eu tenho pra onde fugir
Quando a insônia se apossa de mim”

Foto: Divulgação
Mais que falar de um ponto de encontro “gay”, em  A Galeria do Amor o artista ousava falar, mesmo que discretamente, de um tema repleto de preconceitos. E Agnaldo foi mais além: deu ao LP o título da música. Inicialmente, Timóteo queria que tanto a música quanto o álbum tivessem o título de Galeria Alaska, mas foi barrado pela  EMI Odeon, pois o Departamento de Marketing da gravadora temia que o público conservador do artista, que o via como um típico  machão, rejeitasse o trabalho e isso prejudicasse a imagem do artista e, claro, a vendagem dos discos. Em entrevista, Agnaldo contou que quando mostrou a música para os diretores da gravadora, a primeira reação foi de censura, mas ele conseguiu convencê-los.
Com o aval da gravadora e sucesso do LP, estava aberto o caminho para novas composições tocando no tema. No ano seguinte, 1976, ele lança o LP Perdido na Noite, onde, na faixa título,  toca em pontos já destacados em Galeria, mas sem especificar local. A música fala, principalmente, de sua  solidão, de sua identificação com outros solitários e a busca  por companhia. Mais que falar de solidão, a música retratava o cotidiano de milhões de pessoas que saiam pelas ruas em busca de companhia: 

“Somos amantes do amor liberdade,
Somos amados, por isso também,
E se buscamos uma cara-metade,
Como metade, nos buscam também,
Estou perdido, estamos perdidos,
Pois a esperança ainda é real,
Pois quando menos se espera aparece,
Uma promessa de amor ideal”

Em 1977 ele lança o tango Eu, Pecador, também título do LP, retratando os conflitos vividos pelo artista, que teve criação católica rigorosa. A música fala de um homem dividido entre a prática de amor com outro homem e os ensinamentos religiosos recebidos na sua criação. Agnaldo sempre negou que a música fosse sua história, dizia que era a história de milhões de brasileiros e a prova disso era o número de cópias que tanto esse quanto os anteriores venderam.  Em tom de oração, a música vem com os versos:

“Um amor por Vós não concebido
Um amor proibido pela Vossa lei

Senhor, imploro o Seu perdão
Pois pequei por amor, sem saber que era errado
Senhor, eu sou um pecador
Sou um frequentador da esquina do pecado”

Os três sucessos citados tiveram seus LPs com milhões de cópias vendidas e são de autoria do próprio Agnaldo. No entanto, em 1974 ele já havia tocado no tema com a música Amor Proibido (Clayton e Dora Lopes) no LP Encontro de Gerações:

“Vou ficar contra o mundo, mas não posso fugir desse amor que é verdade.
Amor proibido, a minha maneira é autenticidade
Já ficou entendido, que amor como o meu, é amor de verdade.”

Timóteo contou que a palavra “entendido” na música é intencional. Que quase todas as suas músicas  tinham um duplo sentido e poderiam ser cantadas para qualquer tipo de amor. Outra canção de Timóteo que faz alusão ao amor entre iguais e fala de solidão é Aventureiros (1976), onde ele, a exemplo de Galeria do Amor e Perdido na Noite, traz a solidão, mais uma vez, como tema central da música: 

“Esses milhões de aventureiros sabem
Que todos esses romances são falsos
Que após momentos de felicidade
A frustração volta a ser realidade
E a procura infinita recomeça
Correndo atrás de uma nova ilusão
Aventureiros como eu são tantos
Todos marcados pela dor da solidão
Aventureiros como eu são tantos
Todos marcados pela dor da solidão”

Fechando o repertório com letras que nos levam a uma interpretação  LGBTQIAPN+ na obra de Agnaldo Timóteo, ele também compôs e gravou A bolsa do Posto Três no LP Sonhar Contigo, em 1981. Segundo consta, a música foi feita para um namorado de Timóteo que costumava sair para traí-lo na Praia de Copacabana. Mais uma vez, Timóteo mostra-se infeliz e solitário. Um artista em busca de um amor, nunca correspondido:

“Temia pelas noites frias, pelos longos dias de solidão
Por isso eu não queria ver, não queria lhe perder
Lamento profundamente, nada mais posso fazer
Chegamos ao fim da linha. é melhor te esquecer
Viva as suas aventuras na bolsa do posto três”

Mesmo em 2023, quando podemos dizer que houve um grande avanço na sociedade, quando a luta pelos direitos LGBTs ganharam força, não podemos negar que as citadas canções de Agnaldo Timóteo são atuais. Mais que isso, como em todas as histórias do livro Eu não sou cachorro não…, os artistas populares, considerados “cafonas” ou “bregas”, também tinham seus problemas com a censura. Alguns, a exemplo de Timóteo, sabiam, discretamente, burlar essa censura. Como disso Chico Buarque em Festa Imodesta: “Salve o compositor popular”. Salve!

Fontes: Eu Não Sou Cachorro Não: Música Cafona e Ditadura Militar. Paulo Cesar Araújo e Jornal Folha de São Paulo.

Carlos Leal -Jornalista formado pela Universidade Tiradentes, Especialista em Marketing Digital, autor do livro infanto-juvenil Histórias de Dona Miúda: a Raínha do Forró (Ed.Pinaúna), co-autor do livro Cem Anos de Dorival Caymmi: panoramas diversos, em parceria com a Professora Dra. Marilda Santanna. Atualmente colabora com artigos e textos para O Dois Terços e para o jornal A Tarde e escreve duas biografias: da cantora alagoana Clemilda e da sambista baiana Claudete Macêdo.