A presença LGBTQIAPN+ é inegociável na COP30
Bob Luiz Botelho (*)
Foto: Arquivo Pessoal
A 30ª Conferência das Partes (COP30) será realizada em Belém, no coração da Amazônia, em 2025. Este local é um convite e, ao mesmo tempo, um imperativo: a crise climática não pode ser discutida sem uma lente de Justiça. Não basta falar em mitigação e adaptação; é preciso falar sobre as vidas que são esmagadas pela intersecção entre o aquecimento global e as estruturas históricas de opressão.
Neste cenário, a presença de vozes LGBTQIAP+ na delegação oficial e nos espaços de negociação da COP é inegociável. Nossa participação não é sobre cumprir cotas de diversidade; é sobre garantir que nosso modo de análise e nossa visão de mundo, forjados na resistência à marginalização, sejam incorporados na proposição de soluções eficazes e justas. A crise climática é, fundamentalmente, uma crise de direitos humanos.
A crise climática afeta populações de maneira desigual e a comunidade LGBTQIAPN+ é particularmente vulnerável. Nossa vulnerabilidade não é uma abstração, mas uma realidade vivida em diversas frentes:
Primeiramente, somos desproporcionalmente atingidos em situações de migração forçada. Quando um desastre climático atinge uma comunidade, a ausência de laços familiares tradicionais de apoio ou a hostilidade de abrigos de emergência força indivíduos LGBTQIAPN+ a migrarem para espaços urbanos onde, muitas vezes, encontram apenas a marginalização urbana precarizada. Minha vivência em áreas de risco de inundação me ensinou que as pessoas mais pobres e as mais socialmente marginalizadas são as primeiras a perderem tudo e se você não tem amparo nem nessa comunidade, seu risco e vulnerabilidade são ainda maiores.
Em contextos rurais e florestais, enfrentamos a LGBTIfobia que se manifesta de forma estrutural. É crucial ressaltar que a questão não reside em frases generalistas e preconceituosas que estigmatizam comunidades ribeirinhas ou povos indígenas, como se a LGBTfobia fosse uma característica inerente à sua cultura. Pelo contrário, a violência que atinge a população LGBTQIAPN+ nesses territórios está frequentemente ligada a modelos patriarcais e conservadores que são reforçados por influências externas ou por mecanismos de controle social importados, e que são severamente exacerbados pela desorganização social causada pelos impactos ambientais.
Portanto, levar a voz LGBTQIAPN+ à COP é garantir que as políticas climáticas não ignorem a realidade de quem enfrenta o risco de perder a casa devido à cheia, e, ao mesmo tempo, enfrentar a violência ou o apagamento de sua identidade dentro do próprio território.
O ponto central da minha luta, e o motivo pelo qual um reverendo abertamente queer se torna essencial em uma conferência climática, é a compreensão de que o fundamentalismo religioso que opera contra a comunidade LGBTQIAP+ é o mesmo que opera contra o meio ambiente.
Essa mentalidade é liderada por uma cosmovisão cristã fundamentalista que prega o domínio irrestrito do ser humano sobre a Terra (o conceito de “domínio” distorcido, em vez de “mordomia” ou cuidado), e que enxerga o meio ambiente e a diversidade sexual e de gênero como algo a ser “corrigido” ou “submetido”. Essa mesma cosmovisão justifica o extrativismo predatório, opõe-se à ciência e sabota os esforços de conservação.
Eu conheço essa mentalidade e como ela opera na política, na diplomacia e nos púlpitos. Estive em espaços como a OEA e a ONU e sei que, por vezes, colegas precisam silenciar sua identidade para ter “credibilidade” nas mesas de negociação. Minha presença é um ato de resistência que expõe essa hipocrisia e oferece uma alternativa teológica e ética: uma espiritualidade que celebra a vida em todas as suas formas e que vê a Terra como um corpo sagrado a ser protegido que o próprio Deus criou “e viu que era bom”.
Não podemos combater os efeitos do fundamentalismo no clima sem desmantelar o fundamentalismo nos direitos humanos. Nossa visão de mundo – aquela que busca a intersecção, a descolonização e o cuidado mútuo – é o que precisamos para construir soluções climáticas que sejam justas para a Amazônia, para o mundo, e para todos os corpos. É hora de fazer valer a máxima: a diversidade é a nossa maior resiliência.
(*) Bob Luiz Botelho é Geógrafo, Mestrando em Relações Internacionais, Pastor e Pesquisador Associado à UNIFESP, Fundador do Evangélicxs Pela Diversidade.
