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Transexual supera abuso do pai e vira empresária marceneira de sucesso

Genilson Coutinho,
20/04/2015 | 13h04

‘Amo o que faço e trabalho com muita honra’, ressalta Nilce Clayr (Foto: Caio Gomes Silveira/G1)

A transexual Nilce Clayr, de 45 anos, superou a infância traumática em Itapetininga (SP) e se tornou uma marceneira empresária bem-sucedida. Ela, que sofreu abuso quando criança, afirma que se dedicou muito para se manter em uma profissão tão masculina. “Fui abusada dos 9 aos 15 anos pelo meu próprio pai. Ele chegou a comprar uma cama de casal para que eu dormisse com ele no quarto, enquanto minhas duas irmãs dormiam em outro. Transformou-me na mulher dele depois que minha mãe saiu de casa para se prostituir, quando eu tinha 8 anos.”

Apesar das dificuldades encontradas logo cedo, a transexual encontrou na marcenaria, trabalho pesado que dá pouco espaço à feminilidade, uma oportunidade para ter uma vida confortável. Hoje, 23 anos depois de iniciar a carreira, tem o seu próprio negócio, comprou casa própria, carro e tem uma clientela fiel que só elogia o seu trabalho.

“Fui expulsa de casa no meu aniversário de 18 anos porque desde os 15 recusava a ter relações com meu pai, quando descobri que era errado. Apanhei bastante nesses três anos porque ele ‘bebia’. Quando atingi a maioridade, ele me disse que não tinha mais nenhuma responsabilidade. Fui embora levando só um colchão e fiquei em um cortiço onde dividia um único banheiro com oito famílias”, afirmou Nilce.

Para sobreviver, ela fazia bicos até conseguir um emprego em uma indústria da cidade. “Dois anos depois as coisas começaram a melhorar, mas quando comecei a tomar hormônios e ter seios, fui demitida da indústria, provavelmente pelo preconceito. Foi aí que surgiu a marcenaria na minha vida: trabalhei sem salário na oficina de um amigo por dois anos. Desde então nunca mais parei, amo o que faço e trabalho com muita honra”, conta a empresária.

Os obstáculos hoje em dia só valorizam as conquistas da marceneira, que tem clientes em toda região de Itapetininga. “Minha agenda sempre está lotada. Não tem faltado serviço, pois sempre quando acabo um, aparece outro. Sou muito cuidadosa, nunca me machuquei trabalhando em todos esses anos”, conta.

Apesar das dificuldades, Nilce diz que ainda tem vantagens por ser transexual. “É que as mulheres confiam mais em mim ao pedir um serviço do que se fosse para um homem, pois elas dizem que ficam mais à vontade. Aliás, nunca sofri preconceito por parte dos meus clientes.”

Trabalho árduo

Na oficina em que trabalha, ela confecciona móveis e peças de madeira de todos os tipos. Conhece todas as máquinas com detalhes, e por meio delas já chegou a criar peças maiores, como um closet de cinco metros de largura por 2,75 metros de altura.

“Todos nós temos capacidade. Fico indignada quando transexuais dizem que não tiveram oportunidade e que a única saída é a rua, a prostituição. Elas não tiveram oportunidades porque não buscaram a qualificação. Não ganhei um curso para aprender marcenaria, mas eu fui atrás dessa oportunidade. Há muitas transexuais que reclamam do preconceito, mas se ficar andando pelada pela rua, mexendo com os outros e fazendo escândalo, ninguém irá te respeitar. Aqui no meu bairro saio na rua do jeito que for e ninguém me fala nada, pois não dou motivo e me dou ao respeito”, exclama a empresária.

Se a vida financeira anda bem, o lado pessoal, infelizmente, não. Nilce terminou recentemente um relacionamento de 16 anos. Solteira, agora ela está se recuperando da separação. Diz que não tem mágoa de ninguém, nem mesmo do pai que a abusou e da mãe que a abandonou. “Voltei a ter contato com meu pai quando ainda era vivo e o perdoei pelo que fez. Ele não tem culpa de eu ter me tornado transexual, pois nasci mulher em corpo de homem. Claro que não queria que minha primeira vez fosse com ele, mas são coisas do passado. Também perdoei minha mãe, pois ela foi embora também porque sofria, apanhava muito de meu pai.”

Do G1