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Beatriz Accioly do Instituto Natura explica as cinco formas de violência de gênero reconhecidas pela Lei Maria da Penha

Genilson Coutinho,
25/08/2025 | 11h08
Créditos: Roberto Setton

Embora muitas vezes associada apenas à agressão física, a violência doméstica contra a mulher pode assumir diferentes formas, todas igualmente graves e reconhecidas pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). A legislação brasileira define cinco tipos de violência de gênero: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Compreender cada uma delas é essencial para que sejam identificadas e recebam respostas adequadas, sobretudo diante do cenário atual de agravamento dos casos.

Entre janeiro e junho de 2025, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero, que reúne números do Sinesp, do Ministério da Justiça, o Brasil registrou 718 feminicídios, uma média de quatro mortes por dia, mantendo o índice dos últimos cinco anos. Números que reforçam a urgência de políticas específicas de enfrentamento à violência de gênero.

A violência física, segundo Beatriz Accioly, líder em Políticas Públicas pelo Fim da Violência contra a Mulher no Instituto Natura, “é a forma mais visível e, por isso, mais facilmente identificada. Muitas vezes, ela é a única percebida de imediato, pois salta aos olhos”.

Esse tipo de violência abrange qualquer ato que provoque dano ao corpo da vítima, como empurrões, tapas, socos, chutes, queimaduras, estrangulamento ou uso de armas. “Embora seja a violência física que mais aparece em campanhas e matérias, aquela que povoa o imaginário coletivo com imagens de olhos roxos e marcas no corpo, não podemos permitir que essa visibilidade eclipse outras formas de violência, igualmente graves e presentes no cotidiano das mulheres que sofrem violência doméstica.”

A violência psicológica é apontada como uma das formas mais comuns e, ao mesmo tempo, mais difíceis de reconhecer e nomear. “Acontece quando há manipulação, ameaças, humilhação, isolamento, controle emocional ou chantagens. Ela não deixa marcas no corpo, mas causa danos profundos à autoestima e ao bem-estar da mulher”, explica Beatriz.

Segundo a especialista, “a violência psicológica é uma das mais comuns e, ainda assim, uma das menos reconhecidas. A sociedade tem dificuldade de percebê-la, de nomeá-la e de dar a ela o peso que merece. Não é raro ouvirmos de mulheres que ‘as dores da alma’ são as mais difíceis de curar. E, com frequência, nem cura existe”. Em 2023, o Ligue 180 registrou que 27,9% das denúncias recebidas estavam relacionadas a esse tipo de violência, evidenciando sua alta incidência.

A violência sexual ocorre quando a mulher é constrangida a presenciar, manter ou participar de relação sexual sem consentimento. Isso inclui forçar a prática sexual, impedir o uso de métodos contraceptivos, provocar gravidez forçada, obrigar ao aborto ou realizar qualquer ato sexual sem autorização clara.

“A Lei Maria da Penha reconhece que a violência sexual muitas vezes acontece dentro de casa, em relações familiares e amorosas. E, como sociedade, ainda temos enorme dificuldade em enxergar isso: a violência sexual dentro de relacionamentos afetivos é comum e real. Precisamos avançar muito nessa conversa. Quando não há consentimento, quando não há autorização, o que existe é violência, mesmo em um casal”, pontua a especialista. Entre janeiro e junho de 2025, o país registrou 33.999 casos de estupro, o maior número em cinco anos, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero.

A violência patrimonial, por sua vez, envolve qualquer conduta que prejudique o patrimônio da mulher. Pode significar reter, subtrair ou destruir bens, documentos, instrumentos de trabalho, dinheiro ou recursos econômicos.

“A violência patrimonial talvez seja hoje a forma de violência de mais difícil reconhecimento. Muitas vezes, é confundida com ‘arranjos financeiros’ do casal, mas pode servir como mecanismo de controle e dominação. Há muitos casos em que o agressor assume o controle de todos os recursos da família, mesmo quando a mulher trabalha, contribui ou até é a principal responsável pela renda. Há situações em que documentos são subtraídos ou retidos, dificultando até o registro de denúncias”, explica Beatriz Accioly.

Embora seja menos denunciada, especialistas alertam que essa forma de violência está presente em grande parte das relações violentas, mantendo a vítima em situação de dependência e vulnerabilidade.

Por fim, a violência moral engloba calúnia, difamação e injúria, prejudicando a reputação e a honra da mulher. “Espalhar boatos, fazer acusações falsas ou xingar e ofender de forma a afetar a imagem pessoal ou profissional são exemplos de violência moral”, explica Beatriz. Apesar de menos noticiada, essa forma de violência é amplamente vivida pelas mulheres, inclusive em ambientes digitais, e pode trazer consequências sérias para a vida profissional e social.

A Lei Maria da Penha reconhece que as violências praticadas por meio da internet e das tecnologias de comunicação também configuram violência doméstica e familiar. Nos dias de hoje, é comum que agressões ocorram nesse ambiente: desde quebrar celulares e controlar redes sociais até vigiar conversas e restringir acessos, práticas que combinam violência psicológica, moral e patrimonial.

Beatriz reforça que identificar cada uma dessas formas é o primeiro passo para combatê-las. “O que não se nomeia, não se vê. E o que não se vê, não se trata com a gravidade que tem. É por isso que precisamos falar sobre todas as formas de violência, mesmo aquelas que ainda não sejam tão reconhecidas. É isso que a nossa campanha ‘Sim, é violência. Chame pelo nome’, do Agosto Lilás deste ano, aborda. Devemos reconhecer e nomear as violências sempre, porque só assim é possível enfrentá-las e superá-las.”

O Instituto Natura, onde Beatriz atua, tem como causas o fim da violência contra as mulheres e o cuidado com a saúde das mamas. A instituição investe em informação para conscientizar a sociedade por meio de ações e campanhas, além de atuar em rede para qualificar dados e contribuir para políticas públicas robustas, sempre usando a comunicação como potência.

Sobre o Instituto Natura
Criado em 2010, o Instituto Natura almeja transformar a educação pública, garantindo uma aprendizagem de qualidade para todas as crianças e jovens nos seis países da América Latina em que está presente (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru). Também como forma de atuação, se dedica ao desenvolvimento educacional das Consultoras de Beleza Natura e Avon e trabalha em conjunto com inúmeros parceiros no poder público, no terceiro setor e na sociedade civil. Desde 2024, o instituto ampliou sua atuação para a defesa dos direitos fundamentais das mulheres, desenvolvendo iniciativas voltadas à conscientização sobre o câncer de mama e ao combate à violência contra meninas e mulheres por meio do apoio da Avon, que historicamente tem sido uma parceira comprometida e continua apoiando as ações do Instituto Natura nessa causa.