Faculdade de Direito da USP realiza primeiro seminário sobre trabalhadores LGBTQIAPN+
A Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, sediou na última quinta-feira (14) a abertura do I Seminário do Eixo dos Trabalhadores LGBTQIAPN+, iniciativa do Núcleo de Pesquisa e Extensão O Trabalho Além do Direito do Trabalho (NTADT) que marcou a primeira vez, na história de quase dois séculos da instituição, que o tema foi debatido de forma estruturada no âmbito das relações de trabalho.
O professor Guilherme Feliciano, coordenador do núcleo e juiz do trabalho, destacou o caráter inédito da iniciativa ao abrir a mesa:
“Quero, primeiramente, felicitar todos por estarem conosco nesta causa e por terem reservado parte da tarde desta quinta-feira — mesmo com compromissos pessoais e profissionais — para refletir e mostrar à sociedade e às instituições a realidade da população LGBTQIA+, especialmente no contexto do trabalho”.
Ele lembrou que, embora discussões sobre a tutela jurídica da população LGBTQIA+ já tenham ocorrido, esta foi a primeira abordagem institucional de porte dedicada especificamente à relação entre diversidade sexual, identidade de gênero e mundo do trabalho.
Para Feliciano, o encontro é parte de um esforço contínuo do núcleo:
“Nossos eixos de pesquisa são permanentes, mas têm ciclos de seis meses a um ano. No caso da população LGBTQIA+, a situação é ainda mais grave para pessoas trans: em algumas regiões, até 90% estão em trabalhos ligados ao sexo. Isso revela objetificação e exclusão que precisamos enfrentar. Direitos se fazem com ciência, mas também com luta. É por isso que estamos aqui”.

Palestrantes, organizadores e coordenadores do I Seminário do Eixo dos Trabalhadores LGBTQIAPN+, realizado na Faculdade de Direito da USP.
O diretor da Faculdade de Direito, Celso Campilongo, reforçou que iniciativas como esta ajudam a transformar o perfil da instituição. “A sociedade brasileira tem mudado rapidamente, e essas transformações chegam às universidades. Categorias como classe, etnia e gênero continuam fundamentais, mas a realidade social é cada vez mais complexa. Essa pluralidade precisa ser considerada tanto no âmbito do trabalho quanto em outras áreas da vida social”, disse.
Campilongo também destacou o simbolismo de ocupar espaços tradicionalmente marcados pela exclusão: “A arquitetura histórica da faculdade exibe bustos e homenagens majoritariamente masculinas e do século XIX. Eventos como este confrontam essa herança e apontam para um futuro mais plural e menos violento. Esta casa é de vocês nestes dias de seminário”.
A programação reuniu representantes do Judiciário, da advocacia, de organizações sociais e do movimento LGBTQIAPN+. O presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP, Victor Grampa, refletiu sobre as ausências históricas: “Luiz Gama não pôde estar aqui, excluído pelo racismo. Da mesma forma, quantas pessoas LGBTQIA+ não puderam ou ainda não podem ser quem são para permanecer nesses ambientes?”.
Segundo ele, ainda hoje questões de gênero e sexualidade são tratadas como secundárias: “Muitas vezes, são tratadas como ‘identitárias demais’, quando, na verdade, envolvem violências concretas — simbólicas e físicas. No mercado de trabalho, a dispensa discriminatória ainda não é efetivamente combatida no Brasil. Estar aqui é parte de um processo de reparação histórica”.
Também participaram a diretora da ANTRAJUZ, Luna Leite, o juiz do trabalho Diego Massi, o procurador regional do trabalho Eduardo Varandas, o advogado Thiago William Barcelos e o juiz do trabalho André Machado Cavalcanti, que ressaltaram a importância de criar espaços de resistência e de reconhecer a produção de conhecimento trans e travesti no campo jurídico.
Durante o credenciamento, foi lançada a obra coletiva Direitos dos Trabalhadores LGBTQIAPN+: da vulnerabilidade ao trabalho decente, com 29 artigos de especialistas de diferentes áreas.

Exposição do livro ‘Direitos dos Trabalhadores LGBTQIAPN+: da Vulnerabilidade ao Trabalho Decente’, que reúne reflexões sobre diversidade e mundo do trabalho, na entrada do seminário
O seminário seguiu até sexta-feira (15), com debates sobre interseccionalidade, saúde de pessoas trans e intersexo, atuação institucional, empreendedorismo transvestigênere, além do papel das empresas e das políticas públicas no combate à desigualdade.