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OMS recomenda injeção semestral de lenacapavir para prevenção do HIV e alerta para crise no financiamento global

Genilson Coutinho,
14/07/2025 | 11h07

A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu nesta segunda-feira, durante a 13ª Conferência da IAS sobre Ciência do HIV, realizada em Kigali, Ruanda, uma nova diretriz que marca um passo importante na luta global contra o HIV: a recomendação do uso do lenacapavir como opção injetável semestral para a prevenção do vírus, especialmente em populações mais vulneráveis e regiões com alta incidência da infecção.

O anúncio ocorre semanas após a aprovação do lenacapavir pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos como profilaxia pré-exposição (PrEP). O medicamento já era autorizado para tratamento de pessoas vivendo com HIV desde 2022, mas estudos clínicos recentes comprovaram sua eficácia quase total na prevenção da infecção. Aplicado apenas duas vezes por ano, o lenacapavir surge como alternativa promissora frente às opções diárias orais ou bimestrais já existentes, como Truvada e Apretude.

“A LEN \[sigla para lenacapavir] pode melhorar significativamente a adesão à prevenção, alcançando pessoas que têm dificuldade com a PrEP diária. Além disso, pode ser usada por gestantes e lactantes”, afirmou Meg Doherty, diretora do Departamento de HIV, Hepatite e ISTs da OMS, em coletiva de imprensa.

Além da inclusão do lenacapavir no rol de tecnologias recomendadas, a OMS também passou a recomendar o uso de testes rápidos — inclusive autotestes — para rastreamento do HIV em pessoas que utilizam ou pretendem utilizar medicamentos de longa duração como o próprio lenacapavir e o cabotegravir (CAB-LA).

Avanço científico em meio a retrocessos no financiamento

Apesar do otimismo em relação à nova tecnologia, o anúncio da OMS veio acompanhado de um alerta urgente: a crise no financiamento internacional pode comprometer seriamente os avanços no combate à epidemia. Nos últimos meses, os Estados Unidos — tradicionalmente o maior financiador de programas globais de HIV — cortaram drasticamente os repasses por meio do Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids (PEPFAR) e desmantelaram a USAID, agência que coordenava ações de saúde em dezenas de países de baixa e média renda.

Segundo o Unaids, cerca de 80% dos programas de prevenção nesses países dependem da ajuda internacional. A retirada abrupta de recursos já tem impactos concretos: na Nigéria, por exemplo, o número de pessoas que receberam PrEP caiu de 40 mil para menos de 7 mil em poucos meses. No Quênia, a queda foi expressiva entre mulheres vivendo com HIV que recebiam medicamentos para prevenir a transmissão vertical do vírus.

“Se nenhum financiamento do PEPFAR for reposto, podemos ter 4 milhões de mortes adicionais e mais 6 milhões de novas infecções entre 2025 e 2029”, alertou Mary Mahy, diretora de dados do Unaids.

A diretora-executiva da agência, Winnie Byanyima, foi enfática: “Não se trata apenas de um déficit de financiamento — é uma bomba-relógio. Serviços essenciais desapareceram da noite para o dia. Precisamos de solidariedade global para corresponder à coragem das comunidades que lutam diariamente contra o HIV.”

Diante desse cenário, a farmacêutica Gilead Sciences, fabricante do lenacapavir, anunciou um acordo com o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária para fornecer o medicamento sem fins lucrativos em países de baixa e média-baixa renda. Segundo a empresa, o fornecimento poderá alcançar até 2 milhões de pessoas até que versões genéricas estejam disponíveis. O valor exato do medicamento nesse modelo permanece confidencial. Nos Estados Unidos, o custo anual da PrEP com lenacapavir está tabelado em cerca de US$ 28 mil.

“O lenacapavir pode mudar fundamentalmente a trajetória da epidemia de HIV, mas apenas se chegar a quem mais precisa”, afirmou Peter Sands, diretor executivo do Fundo Global. “Nossa meta é alcançar 2 milhões de pessoas com essa tecnologia. Mas, para isso, precisamos de recursos.”

Nova diretriz, novas possibilidades

A OMS acredita que a diversificação das opções de PrEP é uma estratégia central para aumentar o alcance e a efetividade da prevenção. Além da recomendação formal para o uso do lenacapavir, a nova diretriz da agência também fornece orientações detalhadas para gestores públicos, profissionais de saúde e organizações comunitárias sobre como implementar essa nova ferramenta de forma eficiente e segura, inclusive com uso de testagem flexível para reduzir barreiras ao acesso.

“Agora é a hora de agir”, declarou Meg Doherty. “A ciência está avançando, e não podemos permitir que a desigualdade no acesso à saúde impeça que inovações salvem vidas.”

Com a chegada do lenacapavir, a comunidade internacional vê uma luz de esperança na prevenção do HIV — mas os especialistas alertam: sem financiamento sustentável e compromisso político, o risco de retrocessos é real e iminente.