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“As hepatites são males silenciosos”: Infectologista Maiky Prata fala sobre Julho Amarelo e o perigo das hepatites virais

Genilson Coutinho,
06/07/2025 | 22h07

É assim que muitas dessas infecções por hepatites virais agem: em silêncio, sem sintomas aparentes, até que os danos ao fígado já estejam avançados. No Brasil, milhares de pessoas convivem com hepatites A, B e C sem diagnóstico ou tratamento e, em muitos casos, por falta de informação, acesso ou simplesmente por não imaginarem que estão em risco.

Neste Julho Amarelo, mês dedicado à conscientização e ao enfrentamento das hepatites virais, conversamos com o Dr. Maiky Prata, infectologista pela Universidade Federal de São, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do ambulatório de travestis e transexuais do município de Diadema, que explica por que essas infecções continuam sendo um grande desafio de saúde pública:

“As hepatites são males silenciosos”, resume ele. Mas o que pouca gente sabe é que a maioria dos casos poderia ser evitada com ações simples, como testagem e vacinação, já disponíveis gratuitamente pelo SUS.

O que é o Julho Amarelo?

O Julho Amarelo é uma campanha nacional de conscientização sobre as hepatites virais, que são infecções que atingem o fígado e, muitas vezes, não apresentam sintomas no início. O objetivo da campanha é informar a população, incentivar a testagem, a vacinação e o tratamento precoce dessas doenças.

O Julho Amarelo tem como foco reforçar a importância da prevenção, especialmente contra as hepatites A, B e C, as mais comuns no país. Durante o mês, unidades de saúde costumam intensificar ações como testes rápidos, aplicação de vacinas e distribuição de materiais informativos, além de alertar sobre os cuidados com a saúde do fígado.

Em resumo: o Julho Amarelo existe para que menos pessoas vivam com hepatite sem saber e para que mais gente se cuide, se vacine e trate a tempo.

O laço amarelo é o símbolo da luta contra as hepatites virais, especialmente lembrado durante o Julho Amarelo

Hepatite A: sintomas, prevenção e tratamento

“A hepatite A, de evolução geralmente benigna, é transmitida via fecal-oral, principalmente por água ou alimentos contaminados”, explica o Dr. Maiky. Ele destaca que a infecção costuma ser leve na infância, com sintomas como diarreia, náusea, febre e dor abdominal: “Os pais nem percebem que foi hepatite. Isso gera imunidade permanente.”

O risco maior está na fase adulta: “Se a pessoa não foi exposta na infância, na idade adulta pode ter um quadro grave. A hepatite A pode ser fulminante em até 3% dos casos.”

Vacina:

A vacina contra a hepatite A é segura, eficaz e oferecida pelo SUS a grupos como crianças, pessoas vivendo com HIV e usuários da PrEP. “Por isso, a vacinação é essencial”, reforça o infectologista.

Transmissão:

Além do consumo de água ou alimentos contaminados, Dr. Maiky chama atenção para outra forma de contágio: “A prática sexual anal também pode transmitir o vírus da hepatite A.” Ele aponta que surtos têm sido registrados, principalmente entre homens que fazem sexo com homens.

Tratamento:

Não há medicamento específico — o tratamento é de suporte, como ocorre com doenças virais autolimitadas, incluindo hidratação e controle dos sintomas.

Hepatite B: sintomas, prevenção e tratamento

“Muitas vezes, a hepatite B não apresenta sintomas evidentes”, alerta Dr. Maiky. Mas a falta de sinais não significa que seja inofensiva: “O problema é quando se cronifica. Pode evoluir para cirrose ou hepatocarcinoma, um câncer hepático grave.”

Vacina:

A vacina contra a hepatite B está disponível gratuitamente no SUS para todas as faixas etárias. “São três doses. Se a pessoa não tiver anticorpos, pode fazer reforço. No geral, garante proteção para a vida toda”, afirma o médico.

Transmissão:

A infecção pode ocorrer por via sexual, contato com sangue ou objetos contaminados. “Diferente do HIV, o vírus da hepatite B resiste no ambiente por até 18 horas”, explica. Isso reforça a necessidade de fiscalização em salões de beleza, estúdios de tatuagem e o cuidado com itens como alicates, escovas de dente ou lâminas de barbear.

“Tem muitas famílias que compartilham objetos como escova ou lâmina. Se uma pessoa tem hepatite B, esse contato pode representar risco de transmissão”, complementa.

Tratamento:

Quando se torna crônica, a hepatite B exige acompanhamento e tratamento com antivirais. “Se a pessoa tem carga viral alterada ou sinais de inflamação no fígado, precisa ser tratada. O mais comum é usar o tenofovir, que também é usado no tratamento do HIV”, explica o médico. Em geral, o tratamento é prolongado — e pode ser para a vida toda.

Hepatite C: sintomas, prevenção e tratamento

“Assim como a hepatite B, a C também pode ser silenciosa por muito tempo. Quando a pessoa descobre, o fígado já pode estar comprometido”, alerta o Dr. Maiky. A infecção crônica pode causar fibrose, cirrose e até câncer hepático.

Vacina:

“Infelizmente, ainda não existe vacina contra a hepatite C”, lamenta o infectologista. Por isso, a prevenção é ainda mais importante.

Transmissão:

O vírus é transmitido principalmente pelo sangue. “A gente tem visto crescer a infecção entre homens que fazem sexo com homens, por conta das práticas de chemsex”, explica. Ele destaca que o uso de drogas injetáveis e o compartilhamento de objetos como seringas, agulhas ou até canudos de uso nasal aumentam o risco. “Durante o chemsex, o tempo prolongado de sexo e o uso de substâncias favorecem sangramentos e lesões, o que facilita a transmissão.”

Tratamento:

A boa notícia é que a hepatite C tem cura. “O tratamento da hepatite C é um dos melhores disponíveis. A taxa de cura é de até 97%”, afirma. O SUS oferece antivirais de ação direta, com tratamentos que duram de 8 a 16 semanas. “Mas é importante lembrar que, mesmo depois da cura, a pessoa pode se reinfectar. Não há imunidade permanente”, ressalta.

Ilustração mostra vírus da hepatite atacando fígado, causando inflamação e danos ao órgão

Co-infecção HIV e hepatites

Quem vive com HIV pode desenvolver hepatites de forma paralela. “Existe uma inflamação aumentada, então é necessário tratar as duas condições”, afirma.

“Hoje temos drogas menos tóxicas, como o tenofovir alafenamida (TAF), indicado para pessoas com problemas renais ou ósseos que não podem usar o tenofovir tradicional (TDF).” A escolha do esquema depende das condições clínicas da pessoa.

Sobre o impacto na mortalidade, o Dr. Maiky pondera: “A co-infecção aumenta a carga inflamatória, mas o que realmente agrava o quadro é não tratar. Se não tratar, a pessoa pode ter complicações graves nos dois sistemas.”

Cuidado no SUS e populações vulnerabilizadas

O SUS oferece tratamento para hepatites e HIV, mas o grande desafio é a adesão.

Já as estratégias para populações vulneráveis envolvem ampliação de testagem e vacinação, além da redução de danos: kits individuais para usuários de drogas, preservativos, lubrificantes (que reduzem atrito e risco de sangramentos) e educação em saúde. Também é importante o controle no pré-natal: “A transmissão vertical, principalmente da hepatite B, é prevenível. A mãe vacinada e o bebê imunizado ao nascer estão protegidos”, finaliza.

Mensagem final para o Julho Amarelo

“A grande mensagem do Julho o Amarelo é relembrar a importância da testagem. Com a imunização a gente consegue prevenir a hepatite A e B, e com a testagem a gente consegue descobrir precocemente a hepatite C, e essa pessoa submetida ao tratamento não vai adoecer de formas graves.”

D A Agência AIDS