Professor Nilton Milanez fala ao Dois Terços sobre o clube de literatura LGBT+ de Salvador
No próximo dia 26 de abril, às 10h, será realizado o primeiro encontro de um clube de leitura dedicado a pessoas escritoras LGBTQIAPN+ baianas ou residentes no estado. A iniciativa é coordenada pelo professor Nilton Milanez, do Departamento de Ciências Humanas – Campus I da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e prevê encontros mensais. Em entrevista ao Dois Terços, o professor compartilhou detalhes sobre o projeto e seus objetivos. Confiram.
DOIS TERÇOS: Professor, qual o principal objetivo da criação de um Clube de Leitura dedicado exclusivamente à Literatura LGBTQIAPN+?
NILTON MILANEZ: Tenho alguns objetivos. De início, leitura e discussão da literatura de pessoas escritoras LGBTQIAPN+ baianas ou produzida na Bahia, bem como a escrita e publicação de livro digital de crônicas, contos e poesias sobre modos de vidas LGBTs. Desejo, acima de tudo, dar visibilidade a essa literatura de pessoas autoras independentes na Bahia por meio da discussão de suas obras nos encontros presenciais que vão acontecer no Museu de Arte Moerna da Bahia (MAB) e também durantes lives. Nessas lives, vou coordenar uma gama ampla de temas LGBTQIAPN+ na literatura, no streaming, no cinema, na saúde, no trabalho. Com isso, acredito fazer a ponte com aspectos da vida social e política LGBT para visibilizar nossas necessidades e apontar propostas de mudanças que atendam uma vida democrática e cidadã para nós pessoas LGBTs+.
DT: O clube será exclusivo para escritores ou também para leitores interessados no tema? Quem pode participar?
NM: O Clube de leitura visa, em especial, o público LGBTQIAPN+ que escrevem ou leem essa literatura, e pessoas aliadas a essas causas com interesse na discussão da literatura LGBTQIAPB+ independente que criamos aqui na Bahia. Importante frisar que o Clube de Leitura é gratuito e que o único requisito é o desejo de discutir as obras das pessoas autoras que estão participando de nossos encontros.
DT: Além de debates e discussões, o clube também tem o objetivo de realizar outras ações como em feiras literárias, escolas, bienais …
NM: Exatamente. Com a participação das pessoas no Clube de Leitura vamos poder criar condições para ocupar espaços de poder, cultura e ensino como museus, escolas, bibliotecas, feiras literárias, praças. A circulação das obras e das pessoas LGBTs+ nesses espaços mostra que há vidas e afetos em jogo nas relações sociais que dizem respeito a todas as formas de amar. Nossa presença nos espaços públicos, abertos e de acesso gratuito, colocando juntas escrita e cultura, é nossa maneira de enfrentar políticas de repressão sobre os modos de vida LGBTs. Daí, a relevância de nossos encontros terem sido acolhidos pelo MAM. Nossa letra é a nossa voz nos espaços públicos de cultura. A literatura LGBT da Bahia trata de nossas existências, de como a literatura é inclusiva e dos efeitos de transformação que ela produz na vida social e na cena cultural baiana.
DT: Como será o primeiro encontro, previsto para o próximo dia 26 de abril?
NM: Nossa proposta para esse primeiro encontro é a apresentação das pessoas autoras e suas obras, com leitura de excertos, oferecendo espaço para exposição e troca de livros. Vamos ouvir também quem lê a literatura LGBT e quais as motivações de seus desejos na discussão das obras. Em Plenária, já decidiremos a indicação dos primeiros livros a serem lidos, a fim de dar continuidade aos outros objetivos. Posso já adiantar vou apresentar neste primeiro encontro o tema de nosso livro, para o qual toda pessoa que estiver conosco nas discussões vai poder escrever, sem custos algum, para ao final de dezembro termos nosso livro coletivo.
DT: Como o senhor vê o crescimento da literatura LGBTQIAPN+ no Brasil e em especial na Bahia?
NM: Há uma produção imensa de literatura com a temática LGBTQIAPN+ no Brasil. Temos literatura para as infâncias, para adolescentes, literatura adulta, 18+, em estilos que vão do dark, da ciência ficção, de narrativas do cotidiano às autobiográficas, contemplando gêneros na prosa e na poesia. O mesmo se dá no cenário literário LGBT baiano independente. A questão que incomoda e que coloca nossas obras atrás de outros livros nas prateleiras é a nomeação gay, lésbica, não-binário, trans, intersexo, entre outras. O problema da circulação das obras que criamos na Bahia é, apesar de sua alta produção e belíssima inventividade, esconder de onde elas vêm e que se referem a pessoas e vidas LGBTs. Por uma questão de sobrevivência e de luta política é imprescindível nomear nossa literatura. A Bahia tem uma literatura gay, a Bahia tem uma literatura lésbica etc escrita por homens gays, mulheres lésbicas, mulheres e homens trans, há muitos escritores não-binários. Dizer o nome é que é existir. Por isso, destaco que se trata aqui do Clube de Leitura, indicando o tema, de Literatura LGBTI+, mostrando o lugar do qual falamos, Independente, como forma de denúncia de nossos desejos e vontade de fazer da escrita nossa voz, da Bahia, localizada na cena baiana de cultura, que sempre foi e é um espaço revolucionário.