Estudo inédito revela desafios das ONGs LGBTQIA+ no Brasil
O Projeto Pajubá – iniciativa da Abong (Organizações Brasileira de ONGs), em parceria com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) – realizou uma pesquisa inédita retratando a situação das ONGs LGBTQIA+, de Norte a Sul do País. O estudo ouviu quase 90 organizações da sociedade civil, trazendo dados qualitativos de cada região, além de depoimentos sobre os desafios enfrentados por essas lideranças na promoção da igualdade e defesa dos direitos LGBTQIA+.
Os resultados expõem a vitalidade do ativismo dessas organizações, mas também alertam sobre a falta de apoio financeiro para sua atuação, o que gera insegurança sobre a continuidade das atividades e a capacidade de expandir o alcance e o impacto de suas missões. “Muitas vezes, as iniciativas são feitas por conta própria, com autofinanciamento e sacrifício da saúde mental e dos recursos das próprias militantes,” diz a pesquisa, cuja coordenação é assinada por Renan Quinalha, homem, gay, escritor, advogado e professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde também coordena o Núcleo TransUnifesp.
Além da dificuldade de obter recursos no curto prazo, as organizações também precisam lidar com a ausência de um planejamento financeiro sustentável no longo prazo, já que a maioria não dispõe de profissionais para captação de recursos, experiência para concorrer a editais nem mantém a governança exigida pelos editais públicos. A atuação informal e a dependência constante do engajamento voluntário agravam esse cenário.
O estudo destaca ainda a necessidade urgente de formação de quadros e renovação de lideranças, devido à descontinuidade geracional entre o ativismo tradicional e os novos coletivos. É preciso integrar a inovação trazida pelos novos membros com a memória e o aprendizado das lutas passadas.
Segundo as ONGs entrevistadas, mesmo dentro de um mesmo estado, existem desigualdades interregionais e intrarregionais. Cidades mais urbanizadas têm maior acesso a recursos e políticas públicas, enquanto contextos interioranos lutam para se fazer ouvir.
Outra complexidade revelada pelo diagnóstico está nas diferentes realidades entre organizações formadas por pessoas LGBTQIA+ negras, indígenas, PCDs e trans. Coletivos com mulheres negras, lésbicas, bi e transexuais tendem a receber menos visibilidade e apoio do que ONGs cujos integrantes são homens, gays, bi, transexuais brancos.
Um dos pontos abordados pelo Projeto Pajubá nas entrevistas foi o impacto da COVID-19 na comunidade LGBTQIA+. Ainda que muitas instituições tenham sofrido com os processos para financiamento das ações naquele momento, elas aprenderam com a pandemia uma nova forma de articulação por meio virtual. As conexões usando plataformas digitais permitiram troca de experiências entre as lideranças de diferentes localidades, como prova de resiliência das entidades.
Esses resultados foram apresentados nesta quarta-feira (29), , no SESC 24 de maio, na região central de São Paulo (SP), a partir das 16h. Na ocasião, o professor Renan Quinalha, doutor em Direito e coordenador do Núcleo Trans da Universidade Federal de São Paulo fará uma análise desses cenários. O evento também terá um debate com representantes da sociedade civil, governo e lideranças políticas sobre a importância das organizações LGBTQIA+.
CENTRO-OESTE
A região Centro-Oeste enfrenta problemas significativos devido aos valores conservadores e à
discriminação, com forte influência do agronegócio e cultura política heteronormativa,
especialmente em áreas rurais. As ONGs sofrem com a violência e a falta de apoio para a
implementação de políticas públicas inclusivas. Em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, os
desafios incluem atos de violência homotransfóbica e a necessidade de criar espaços seguros.
Em Goiás, o cenário da falta de financiamento se repete. O Distrito Federal é uma exceção,
beneficiado pela proximidade com o poder público e maior visibilidade da causa.
NORDESTE
O Nordeste é a região mais perigosa para as pessoas LGBTQIA+, concentrando 111 (43,36%) das
mortes violentas. Das dez cidades com mais ocorrências, cinco estão nessa região. Lá, as
organizações enfrentam a falta de financiamento, principalmente fora das capitais. As ONGs
também lutam contra o conservadorismo que impede sua atuação em espaços importantes
como escolas. Para garantir a sustentabilidade, muitos coletivos dependem de pequenos
projetos, doações e apoio limitado de empresas privadas e secretarias governamentais.
NORTE
A região Norte enfrenta uma carência extrema de recursos financeiros e infraestrutura,
prejudicando a operação das ONGs LGBTQIA+. Além da falta de financiamento, essas
organizações sofrem com a violência e o preconceito, com altas taxas de detecção de AIDS e
mortes violentas. A negligência do poder público e a falta de união entre os movimentos
agravam a situação. Muitos coletivos carecem de experiência em gestão e formalização,
dificultando o acesso a editais. A luta política é solitária e sem apoio popular.
SUDESTE
No Sudeste, a ideia de fácil acesso a recursos é um mito. ONGs enfrentam a desigualdade na
distribuição de apoio, sobretudo longe dos grandes centros urbanos. Grupos de homens gays
cisgêneros e brancos conseguem mais financiamento, enquanto lésbicas, bissexuais, negras e
trans enfrentam desafios. A violência e a falta de resposta das autoridades locais são problemas
recorrentes, especialmente em municípios mais conservadores. A interseccionalidade e a
necessidade de novas lideranças são questões urgentes. A captação de recursos também é um
desafio devido à falta de conhecimento em gestão administrativa.
SUL
Na região Sul, o conservadorismo, especialmente em Santa Catarina, dificulta o trabalho das
ONGs LGBTQIA+. A escassez de recursos financeiros e a alta rotatividade de membros
comprometem a sustentabilidade das organizações. A presença de células neonazistas e a
violência contra a comunidade LGBTQIA+ são outras questões críticas. Apesar desses desafios,
as ONGs continuam a promover a igualdade e a conscientização por meio de eventos culturais.
A necessidade de desenvolver novas lideranças e manter a coesão do movimento é
fundamental para o progresso na região.
O “Projeto Pajubá – Transformando a Gramática Política” tem o objetivo de fortalecer instituições e coletivos LGBTQIA+ através de várias etapas. Além da realização desta pesquisa detalhada, nos próximos meses o projeto apresentará o “Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras” em parceria com a ANTRA. O projeto também disponibilizará gratuitamente assessoria jurídica, acompanhamento financeiro, consultoria, produção de cartilhas pedagógicas e um ciclo de atividades de formação para as organizações LGBTQIA+, com canais de atendimento diretos.
SOBRE
Abong (Organizações Brasileira de ONGs) – Fundada em 1991, é uma plataforma de atuação nacional que reúne organizações da sociedade civil na luta contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da democracia.
Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) – Fundada em 1992, é uma rede que articula 127 instituições em todo o Brasil, promovendo a cidadania de travestis e transexuais. Sua missão é empoderar e organizar essa população para representar seus direitos e buscar a cidadania plena. Também atua para garantir acesso a serviços como saúde, educação e emprego. Além disso, a organização desenvolve pesquisas sobre a realidade da população trans no Brasil, contribuindo para a formulação de políticas eficazes.
ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) – Fundada em 1995, a organização tem como objetivo promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de LGBTs, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.