“Não existirá cidadania no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não puderem exercer plenamente seus direitos”, diz ministro Silvio Almeida

Genilson Coutinho,
31/01/2024 | 10h01
Foto: ( Divulgação MDHC))

Após 20 anos de lutas pela visibilidade trans, a pauta alcançou um patamar histórico na noite dessa segunda-feira (29), durante evento ocorrido no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Repleto de falas impactantes e de anúncios voltados para a proteção e promoção dos direitos das pessoas trans no Brasil, o evento contou com a presença do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e marcou a instituição do prêmio Fernanda Benvenutty, que homenageou iniciativas de promoção de direitos e de formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Ao se dirigir ao publico que lotou o auditório do MDHC, na Esplanada dos Ministérios, Silvio Almeida declarou que as questões que envolvem diretamente as pessoas trans são questões de interesse nacional. “Se a gente for falar de políticas de saúde, de educação, de trabalho, emprego e renda, políticas de segurança pública, sem falar das pessoas trans, nós não estamos falando de nenhuma dessas políticas da maneira como elas têm que ser faladas”, explicou.

“Não existirá cidadania no Brasil, não existirá democracia no Brasil, não existirá desenvolvimento econômico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não puderem exercer os seus direitos”, reforçou Silvio Almeida, na data em que é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Em 2024, são comemorados os 20 anos da primeira mobilização ocorrida na Câmara dos Deputados, liderada por ativistas da comunidade trans em parceria com o Ministério da Saúde, por meio da campanha “Travesti e Respeito”.

“Portanto, quando alguém vir com aquela história de que as pautas, as agendas das pessoas trans são pautas divisivas, eu quero dizer que quem que dividir o Brasil é quem não entende que as pessoas LGBTQIA+ têm direito a políticas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança. Enquanto vocês não tiverem segurança, ninguém terá neste Brasil”, disse.

Para a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, o momento entra para história como um novo marco de grandeza das pessoas trans. “Foi muito lindo o que aconteceu e o quanto a gente conseguiu, vinte anos depois, ressignificar e mostrar a potência e o amadurecimento do movimento trans do Brasil. Vinte anos atrás, o que motivou a visibilidade trans foi a chegada dessa militância organizada ao Congresso Nacional. E vinte anos depois, a Esplanada inteira está ocupada com as iluminações e a projeção”, celebrou a secretária.

Symmy Larrat aproveitou a oportunidade para destacar algumas ações em curso que integram a agenda de defesa das pessoas LGBTQIA+ no Brasil. “A gente tem uma meta que é, ao final de tudo que estamos fazendo, entregar a política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Nós lançamos em dezembro de 2023 a Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência e a gente quer começar a apoiar, este ano, as Casas de Acolhimento. É o início deste processo.”, lembrou.

O evento contou ainda com a presença da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que lembrou aos presentes da garantia de atendimento de saúde a todas as pessoas. “O acesso integral à saúde das pessoas transsexuais passa pelo combate à discriminação, pela garantia de atendimento digno, pelo reconhecimento irrestrito de cada cidadão na sua diversidade e na sua pluralidade”, disse a ministra.

Reconhecimento

Pela primeira vez na história, o governo brasileiro passou a reconhecer, por meio de uma premiação, iniciativas de conquista e promoção de direitos e de apoio à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans.
Durante o evento, o MDHC instituiu o prêmio Fernanda Benvenutty, em homenagem à reconhecida ativista e defensora da cultura e do movimento LGBTQIA+, que faleceu em 2020 aos 57 anos, após enfrentar um câncer.

Entre os premiados estão ativistas e políticas Keila Simpson, Kátia Tapety e Indianarae Siqueira, a ex-presidenta Dilma Rousseff, o padre Júlio Lancellotti e a atleta de vôlei Tifanny Abreu, dentre outras.

Dossiê sobre transfobia

Durante o evento na tarde desta segunda-feira, o ministro Silvio Almeida recebeu da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) o “Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023”. O documento revela que 145 pessoas trans foram assassinadas no Brasil no ano passado.

A pesquisadora da ANTRA, Bruna Benevides, responsável pela publicação, afirmou que, mais do que números, o relatório apresenta o desafio de vencer a violência e o ódio que acompanha a população trans desde a juventude.
“Esse dossiê, sobretudo, é um pedido de socorro para que possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos, sociais inclusive, contra nossa comunidade”, disse a pesquisadora.

O dossiê é um panorama da triste realidade enfrentada pela população trans no Brasil. Os 145 assassinatos de pessoas trans em 2023 – 14 a mais do que no ano anterior – revelam que uma pessoa é assassinada a cada 72 horas no país. De acordo com o relatório, travestis e mulheres trans representam 94% dos homicídios, já travestis e mulheres trans, negras e jovens representam 80%.

Outro dado revelado pelo documento é o de que 46% dos assassinatos ocorrem por armas de fogo, 60 % em espaço público e 54% com requintes de crueldade. Os Projetos de Lei (PL) antitrans em pauta no Brasil também estão citados no relatório produzido pela ANTRA. Atualmente, são 77 PLs no Brasil que versam sobre proibição de linguagem inclusiva, de acesso a cuidados, proibição da prática de esportes de auto rendimento, entre outros.

A cerimônia contou ainda com a presença de representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Ministério das Mulheres, do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, do Tribunal Superior do Trabalho e organismos internacionais como o programa conjunto das Nações Unidas de resposta ao HIV/AIDS (Unaids), e da Organização Internacional do Trabalho.