Dois homens e um abraço: reflexão sobre o papel de uma líder aliada LGBTQIA+
Já passei por vários momentos desconfortáveis, daqueles que a gente lembra e se sente mal, sabe? Mas um em especial marcou minha vida, minha atuação como gestora e em Recursos Humanos. Um dia saí do escritório tarde, percebi que estava chovendo e levei alguns segundos para me dar conta que eu não tinha um guarda-chuva. Então eu vi um funcionário da minha equipe chegar à frente, a poucos passos de mim. Acelerei para poder falar com ele e me despedir, mas não consegui alcançá-lo. Pensei que certamente ele também estava fugindo da chuva. Mais à frente o vi abraçar outro homem e olhar por cima do ombro, como se estivesse tentando saber se eu tinha visto a cena.
Imediatamente pressenti o desconforto dele e me apressei para entrar no estacionamento. Depois de alguns dias, nos encontramos e ele comentou comigo sobre a situação, dando explicações não necessárias para desviar minha atenção daquele momento. Percebi ali o tamanho do impacto daquilo para ele, as preocupações, estresse e importância que ele deu à situação para continuar gastando energia com o tema nos dias seguintes. Passei quase quatro anos trabalhando ao lado dele, buscando demostrar que ele podia ser ele mesmo e se sentir acolhido em nossa equipe.
As empresas começam a dar passos importantes rumo à construção de uma cultura inclusiva, que verdadeiramente valorize a diversidade e acolha as pessoas para que se sintam à vontade de serem elas mesmas. Essa é uma jornada que está ainda no início e temos muito caminho pela frente.
Vários líderes me perguntam quais ferramentas os profissionais de Recursos Humanos fornecem para trabalhar na promoção desse ambiente diverso e seguro para os funcionários.
O primeiro e mais importante é criar as bases para o comprometimento da alta liderança da companhia com a valorização da diversidade e a comunicação clara sobre o tema. Respeito não é um benefício que deve ser oferecido ou não pela companhia, é um direito. Quando a empresa atinge esse nível, boa parte da cultura de valorização da diversidade já é criada. E isso é bom para o indivíduo como ser humano, para ele como funcionário e para o negócio.
Um segundo passo nesta evolução é a criação, fortalecimento e visibilidade de grupos de diversidade, ou de afinidade. Aqui o RH tem um papel importante de apoio e empoderamento desse time, para realização de atividades de conscientização, questionamentos sobre o modus operandi da companhia, para que possamos constantemente nos questionar como grupo e ajudar, assim, na internalizaçãoda diversidade.
Mas tudo, na verdade, só acontece com a atitude individual de comprometimento com o aprendizado e com a constante revisão do nosso repertório interior. Só assim conseguimos perceber que atrás de cada pessoa há certamente uma história para contar, mas por trás de cada indivíduo da comunidade LGBTQIA+ também há medos e inseguranças a serem superados.
Ser líder e gestor de pessoas é desafiador porque traz uma grande responsabilidade com a carreira e o bem-estar dos outros. Mas estou convencida de que ser um líder aliado e comprometido com a diversidade nos enriquece profissional e pessoalmente.
Desde que vivi aquela situação do abraço “proibido” de uma pessoa do meu time eu trabalho ativamente na geração de ambientes seguros, de respeito e harmonia. Ninguém deve sair de casa e precisar se transformar em outra pessoa ao cruzar uma porta. Isso gera sofrimento, estresse e gasta uma incrível quantidade de energia pessoal. Ninguém pode perder o direito de ser quem é em nenhum lugar.
Junho foi o Mês do Orgulho, mas não esqueça que temos mais onze meses para transformar o mundo como aliados — e que gestores e líderes têm uma possibilidade de reinvenção do seu entorno ainda maior.
*Eliza Mendoza é diretora de Recursos Humanos da MSD no Brasil
