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Roteirista trans Hela Santana conta histórias que antes seriam impossíveis na TV brasileira

Genilson Coutinho,
28/06/2023 | 09h06
Foto: Gabriel Fonseca

A história de amor e resistência de Kátia, mulher trans, interpretada pela atriz Kika Sena, e Lena, mulher cis interpretada pela atriz Ana Flávia Cavalcanti, deu vida ao episódio ‘Sismícas’ apresentado no ‘Falas de Orgulho’, exibido na semana do Orgulho Internacional LGBTQIAPN+, na TV Globo. Esse foi o terceiro episódio da antologia ‘Histórias (Im)possíveis”. Entre o time de roteiristas, está Hela Santana, escritora negra, trans e baiana, radicada em São Paulo.

Para Hela, a história deste episódio toca em um lugar muito forte, porque pra além da história de amor, traz temas e símbolos que remetem muito a sua história. ‘‘Pode parecer uma coisa muito sútil, mas que pra gente que é trans ou LGBT no geral sabe o que significa realizar mudanças de casa o tempo todo, porque às vezes a gente não tem família e vive se mudando. Eu, depois que fui expulsa de casa, morei em muitos lugares e não foi por escolha. Você fica um tempo em uma casa e de repente tem que ir pra outro lugar. Te abrigam por um tempo, depois você precisa ir e isso acaba gerando um trauma, porque parece que você não pertence a lugar nenhum.”

A antologia ‘Histórias (Im)possíveis’ não é seu único projeto. Hela também faz parte de time de roteiristas da série ‘Encantados 2’, que é a continuidade da série de comédia que está sendo exibida atualmente na TV Globo, e que trabalha com uma equipe majoritariamente negra dentro e fora da tela. Também roteirizou o quadro ‘Mulheres Fantásticas’, para o Fantástico e é uma das convidadas do FRAPA – O maior festival de roteiro da América Latina. A previsão é que em 2024, chegue aos cinemas de todo o Brasil o seu primeiro filme de longa-metragem como roteirista, ‘Pajubá’, um documentário sobre pessoas trans.

“Estamos vivendo na era da diversidade. Logo após a finalização do curso formativo de roteiro na FLUP, propus o projeto documental Pajubá, pensado para o Dia do Orgulho e voltado pra pessoas trans. O projeto não foi realizado pela emissora, mas está dando os seus próprios passos. Convidei a Gautier Lee para dirigir esse filme e ainda nesse segundo semestre iniciamos as gravações.”

Para a Hela Santana, a presença queer no mercado audiovisual traz uma sensação agridoce, pois ela reconhece que existe um crescente reconhecimento e ocupação de espaços, mas avalia que ainda têm muita estrada para percorrer. “Cada geração faz uma ruptura até onde dá pra ir. Eu acho que a nossa vai romper muita coisa ainda e sinto que há um espaço que está sendo consolidado, porque a gente é insistente e está em todos os lugares. Temos uma presença de pessoas trans trabalhando e fazendo audiovisual independente e que, só não é maior, porque é difícil fazer audiovisual no Brasil.”

Dos textões das redes sociais para a TV

Hela Santana teve seu primeiro contato profissional com o audiovisual ao encantar o realizador Gil Baroni com sua sensível resenha crítica feita no Facebook para o EP da Jup do Bairro. Depois disso, passou a trabalhar na comunicação do filme queer ‘Alice Júnior’, realizada pela empresa distribuidora Olhar. Após vivenciar a rotina nesse mercado, veio a pandemia e as coisas pareciam impossíveis para ela. Mas o seu sonho de adolescente de trabalhar com audiovisual foi retomado ao ingressar em laboratórios de roteiros e autores, que aconteciam no formato online.

Em 2020, participou do LANANI – Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas para Audiovisual dentro da programação do FLUP – Festa Literária das Periferias. Esse foi um divisor de águas na sua carreira e fundamental para a conquista do seu primeiro emprego como roteirista na TV Globo. Em 2021, escreveu para a série de animação “Os pequenos Crononautas”, em produção pela Bactéria Filmes, pouco antes de ser contratada pela TV Globo para compor as salas de roteiro da antologia ‘Histórias (Im)possíveis’, e a 2ª temporada do sitcom “Encantado’s”.

“De repente, eu estava trabalhando com pessoas que eu estava estudando literalmente porque eu estudava muito sobre roteiro. A Renata Martins, uma das criadoras do ‘Histórias (Im)possíveis’, é a maior cineasta desse país pra mim e aí eu estava trabalhando com ela, além de outras realizadoras inspiradoras, como Grace Passô e Thais Fujinaga. Pessoas como eu, pretas no geral não tem muita chance. Trans então é menos chance ainda.”