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Quem foi que disse que gay não pode gostar de futebol?

Redação,
20/01/2020 | 11h01

Por Genilson Coutinho

Toda família tem divisões no meio de campo, principalmente quando o assunto é futebol, e em minha família também não é diferente, um torce para o Bahia e outro para o Vitória. E os gays torcem para quem? E por que não torcem? No meu caso, vivi uma infância e adolescência escutando frases do tipo: “futebol é coisa de homem”, “meu filho tem que torcer pelo meu time e ir para o estádio comigo”, como se os filhos fossem um troféu, para provar para os amigos que o filho é “macho”, e que gosta de futebol.

Passei a vida familiar observando o futebol de longe, e torcendo apenas de quatro em quatro anos, pois torcer pelo Brasil já iria além de uma simples partida, e diante do clima de Copa do Mundo, eu era esquecido, e minha sexualidade também. E tudo isso sempre foi muito triste e tóxico, e mesmo diante de todas essas questões, não deixei de admirar o Bahia, meu time do coração.

Projeto de camisa da torcida “LGBTricolor”

Para mim, e para meus amigos que também torciam pelo meu “Bahêa”, foi uma surpresa perceber que existia um time formado por gays, e que gays também podem gostar de futebol. E isso foi mudando o meu modo de ver esse esporte. Comprei então uma camisa do time, e mesmo com todos os avanços nos debates sobre o preconceito nos esportes, ainda escuto piadinhas de amigos LGBTQIA+ que dizem: “está fantasiado de hétero, bicha? Não é carnaval”. Mas eu já tinha decidido que esses comentários não iriam abalar meu coração torcedor, nem me fariam desanimar diante de algo que foi sendo criado há anos.

Documentário conta história do primeiro time de futebol gay do Rio
Aos poucos fui timidamente assistindo a alguns jogos, coisa nova para mim, que tinha como lembrança de ir ao estádio, a ideia de um encontro de jovens da igreja, no palco sagrado do futebol baiano.

E a presença da militância da causa LGBTQIA+ nesse espaço abriu em mim novos olhares e me deu coragem para manter a cabeça erguida para torcer pelo meu time. Bem como me proporcionou ir ao estádio em qualquer dia de jogo, sem os velhos medos do preconceito. Meio a esse turbilhão de sentimentos, acompanhei o surgimento das torcidas LGBTQIA+ pelo Brasil, como um instrumento de cidadania e redução do preconceito à masculinidade tóxica.

Ao descobrir a criação da torcida LGBTricolor do meu time, não pensei duas vezes, e tudo o que tinha relação com ela, eu fazia o possível para fazer chegar aos amigos que também torcem pelo time, e fui cada vez mais colando nas ações. Foi quando tive a felicidade de receber o convite para ser o padrinho da Torcida, e isso foi uma das melhores notícias que recebi por uma chamada telefônica, em tempos de WhatsApp.

Imagine você, que sempre foi reprimido de torcer por seu time, poder ir ao estádio sem medo! É um sentimento inexplicável, pois tudo isso fortalece as nossas lutas, mostra que é possível ser gay e ser torcedor, e que o estádio é lugar de todos.

Vestir a camisa do meu Bahia e não estar preocupado com os comentários ou silêncio de muitos é um ato político, e isso é maravilhoso, pois sei que ao vestir-me de azul, vermelho e branco e usar minha máscara com as cores do arco-íris irá contribuir para combater o preconceito, e mostrar que dentro dos estádios o mais importante é a celebração do amor. E sim, podemos torcer e celebrar, ao lado de crianças, jovens e suas famílias, e precisamos dizer isso para todos que estão no caldeirão do esporte, lado a lado, com o grito de gol na garganta.

Isso é simplesmente emociante! Meu desejo como padrinho dessa torcida é que tantos outros jovens tenham a coragem de levar sua felicidade a campo, sem medo de gritar por seu time do coração.

Não poderia deixar de compartilhar com vocês meu relato, e dizer que não deixem o medo impedi-los de torcer pelo seu time do coração. Viva o respeito!

Genilson Coutinho – Ativista LGBTQUIA+ ; Padrinho da LGBTricolor