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Projeto vai orienta pessoas trans e não-binárias para que façam seus próprios requerimentos de mudança de nome e/ou gênero

 Composto por Júlia Clara de PontesPatrícia Borges e Bru Pereira, o coletivo PoupaTrans acaba de lançar, através do projeto Simplifica Trans, uma cartilha e um site com o passo a passo para facilitar processo de retificação de nome e/ou gênero em cartórios do estado de São Paulo.

Após uma bem sucedida experiência de ocupação no térreo do Sesc 24 de Maio onde foram atendidas mais de 300 pessoas trans entre os meses de outubro de 2019 e fevereiro 2020, instalado como parte da 21ª Bienal Sesc_Videobrasil, o coletivo PoupaTrans, constituído por mulheres trans, seguiu como um projeto catalisador de ações que possam contribuir para o acesso da população trans ao direito de retificação do nome e/ou do gênero em documentos oficiais.

A possibilidade de alteração dos registros fora de processo judicial tornou-se viável em 2018. Contudo, a burocracia e os custos envolvidos nesse processo ainda oferecem barreiras à efetivação deste direito, especialmente entre pessoas trans economicamente vulneráveis, negras e com vínculos sociais fragilizados.

Os quatro meses da experiência do PoupaTrans no SESC e o fluxo que o projeto atraiu deixaram explícita a importância de ações como essa, além de também mostrar que a demanda é contínua e que o que foi uma ação pontual, de fato, deveria ser um serviço permanente.

Neste sentido, a proposta do PoupaTrans com o lançamento da cartilha é simplificar o processo de retificação para que pessoas trans e não-binárias possam fazer seus próprios requerimentos de mudança de nome e gênero. “Nosso trabalho se baseia numa experiência de quatro meses auxiliando pessoas trans nesse processo, o que nos garantiu um conhecimento bastante profundo e compreensivo da burocracia e de seus trâmites”, explica Bru Pereira, antropóloga e uma das idealizadoras do projeto.

Existem outras cartilhas disponíveis online, de bastante qualidade, mas a cartilha que foi elaborada é a primeira feita por pessoas trans e busca tornar o passo a passo o mais simplificado possível e com bastante ilustrações, além de ser acompanhada por vídeos tutoriais que facilitam ainda mais o entendimento.

Patrícia Borges, produtora, poeta e também idealizadora do projeto, conta que existem pessoas que pagam até R﹩2.000,00 reais em serviços para que terceiros trabalhem nesse processo. Apesar de ser um procedimento burocrático e que pode ser bastante confuso, ela lembra que é possível ser feito pela própria pessoa “O PoupaTrans vem com o intuito de desburocratizar esse caminho, apresentando o passo a passo que disponibilizamos no site e na cartilha com uma linguagem descontraída e simplificada“, explica.

Para a psicóloga e também idealizadora do projeto, Júlia Clara de Pontes, o principal objetivo é facilitar o acesso e fazer com que o direito à dignidade seja garantido e que as pessoas tenham as ferramentas necessárias para lidar com obstáculos. “Nossa experiência junto a pessoas trans nos diz que existe um conjunto de obstáculos que expõem a negligência de direitos a que está submetida a população trans e apontam para a necessidade de ações programáticas capazes de alterar esse cenário.”

Júlia lembra ainda que o projeto se estende apenas ao Estado de São Paulo, mas destaca a necessidade de outras iniciativas para atender pessoas trans de outros estados brasileiros.“Nosso projeto é pontual, se estende apenas ao Estado de São Paulo, mas desejamos que ele possa se somar a iniciativas futuras”.

Ao acessar o site https://www.poupatrans.org.br é possível encontrar gratuitamente o passo a passo em linguagem simplificada, a cartilha para download, dúvidas frequentes relacionadas ao assunto e também vídeos explicativos sobre todo o processo. Tanto a cartilha como o passo a passo fazem parte do projeto Simplifica Trans, realizado pelo coletivo PoupaTrans com recurso de parceria firmada com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, da Prefeitura de São Paulo.

As idealizadoras prezam pelo direito ao acesso à informação e lembram que, além do custo para imprimir todos os documentos solicitados, existem alguns custos que variam (a depender do cartório do Estado de São Paulo) a partir de um valor mínimo de R﹩140,00 referente à solicitação no cartório em que pessoa foi registrada, mas pontuam que todo o apoio do PoupaTrans é gratuito.

Abaixo, as dúvidas mais frequentes.

Qual a diferença entre nome social e retificação de nome?

Muitas pessoas acham que nome social e retificação de nome são a mesma coisa, mas não são. O nome social é uma política que permite às pessoas trans utilizarem os nomes pelos quais se identificam em diferentes instituições, como escolas (listas de chamadas), serviços de saúde (cartão SUS, prontuários e etc.) e em alguns documentos, como RG. O importante de ressaltar é que o nome social NÃO MUDA o nome escrito na certidão de nascimento, ele apenas permite que o nome de identificação seja utilizado socialmente. Já a retificação de prenome e/ou gênero é o procedimento administrativo que permite a ALTERAÇÃO do nome e/ou gênero nos documentos pessoais, substituindo o nome registrado na Certidão de Nascimento por aquele que a pessoa se identifica. Esse procedimento é realizado através dos cartórios civis desde 2018 e neste site você encontra um passo a passo de como realizá-lo.

Quais os documentos preciso ter para a retificação?

Resumidamente, RG, CPF, título de eleitor, comprovante de residência e certidão de nascimento atualizada. Para além dos documentos pessoais, é preciso também apresentar um conjunto de certidões (eleitorais, militares, trabalhistas e etc.). Na sessão passo a passo, você encontra em vídeo uma explicação mais detalhada sobre isso. Corre lá!

Dá para fazer a retificação aqui mesmo pelo site de vocês?

INFELIZMENTE NÃO. A retificação é feita apenas em cartório. O objetivo do nosso projeto é oferecer ajuda para a emissão dos documentos e passos necessários para dar início a esse processo. Ressaltamos que, na grande maioria dos casos, não é necessária ajuda de advogadas/os. Você é totalmente capaz de fazer isso por você. Conte com a gente.

Qual a idade mínima para realizar a retificação de nome?

É preciso ter 18 anos ou mais para poder trocar seu nome e/ou gênero nos documentos. Menores de idade, mesmo com autorização dos pais, precisam entrar com um processo judicial. Uma alternativa para pessoas trans com menos de 18 anos é utilizar o nome social, que pode ser inserido no RG e deve ser respeitado em escolas, hospitais e outras instituições.

Para utilizar o nome social em instituições escolares (lista de chamada e outros documentos internos), consulte a Resolução n. 1 de 2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE). Já quanto à inclusão do nome social no RG: ela pode ser feita através do Poupatempo, em acordo com declaração do Governo do Estado de São Paulo (SP).

Ainda assim, se você tiver menos de 18 anos, vai precisar de autorização de um responsável legal para os dois procedimentos.

Pode retificar só nome ou só gênero?

SIM. Existem pessoas trans que desejam alterar apenas o nome. Há ainda aquelas pessoas que já retificaram o nome através de processo judicial, mas desejam retificar o gênero. Todas essas situações são permitidas, basta apenas explicar aos atendentes do cartório civil. Temos um modelo de declaração para você preencher com seus dados e com o que você quer fazer nas últimas etapas do nosso passo a passo.

Posso retificar em qualquer cartório?

EM TESE, SIM! Porém, como quem processa esta solicitação é o cartório no qual você foi registrade, pode ser mais rápido se você entrar com o processo diretamente por lá. Mas pode qualquer cartório sim!

Mas e se o cartório não quiser fazer a minha retificação?

Nenhum cartório civil pode se negar a fazer a retificação, pois é um DIREITO. Uma dica é: quando for solicitar a retificação, leve com você uma cópia do Provimento n. 73 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que regula e ordena a retificação através dos cartórios. Se o cartório se recusar, apresente este documento. Se ainda assim se negarem, entre em contato com a Defensoria Pública.

Não fui registrade no estado de São Paulo, mas moro aqui há mais de 5 anos, como faço?

Para pessoas que moram no Estado de São Paulo há mais de 5 anos, todo o processo será feito aqui, como se você tivesse sido registrada/do/de aqui. O cartório que irá retificar seus documentos é aquele do seu Estado de origem, mas o pedido deverá ser feito em qualquer cartório de São Paulo. Nesses casos, as certidões estaduais devem ser as do estado de São Paulo e as certidões de protesto dos cartórios da cidade onde você mora. Lembre-se que uma taxa adicional pode ser cobrada, para custear o transporte dos documentos de um cartório a outro.

Pessoas não-binárias podem retificar os documentos?

CLARO! Não existe qualquer impedimento para pessoas trans não-binárias. No entanto, o Brasil ainda não reconhece oficialmente a categoria gênero neutro, o que obriga a escolha por feminino ou masculino no registro da Certidão de Nascimento. Vale dizer também que alguns cartórios questionam a escolha por nomes não-binários. Esse questionamento, no entanto, É UM ABSURDO, já que não existe nenhuma lei ou regulamento que julgue quais nomes são ou não aceitáveis. Se algo assim acontecer com você, apresente aos atendentes do cartório o Provimento n. 73 do CNJ, que regula e orienta a retificação nos cartórios. Não há nesse documento, qualquer impedimento para a escolha de nomes neutros ou não-binários.

Pode retificar documento se o nome estiver sujo ou se tiver alguma pendência jurídica ou financeira?

SIM! Apesar de precisar de certidões de protesto e outras, a existência de qualquer pendência financeira ou jurídica não impede a retificação. Suas dívidas e pendências serão transferidas para o nome retificado, afinal, o número de CPF e de RG continuarão os mesmos.

Preciso de laudos médicos ou psicológicos para retificar?

NÃO! Antes de 2018, ano em que o STF aprovou a retificação através dos cartórios, era preciso autorização judicial para retificar. Em muitos casos, era necessário apresentar laudos de médicos psiquiatras e de psicólogos. No entanto, após 2018, a apresentação desses laudos foi dispensada. Se quiser apresentar, pode, mas não muda nada!

Posso retificar meu nome/gênero sem ter iniciado a hormonioterapia ou realizado alguma cirurgia?

SIM! O processo de retificação não exige qualquer alteração física ou tratamento. Afinal, pessoas trans são diversas, podem ou não desejar ou precisar de alterações corporais.

O reconhecimento da sua identidade não depende da realização de qualquer procedimento.

Moro em outro estado, isso muda alguma coisa na emissão de certidões?

SIM! O passo a passo disponível no nosso site é específico para as pessoas do Estado de São Paulo (SP). Algumas certidões são as mesmas para pessoas de outros Estados (ex. certidões eleitorais, de trabalho e as certidões federais). Já as certidões estaduais são específicas para cada estado. Se você é de outro estado e conseguiu emitir as certidões estaduais específicas, mande e-mail pra gente, pois temos interesse em expandir a abrangência do nosso projeto.

Já fui casada/casade/casado, muda alguma coisa na hora de retificar?

SIM! As pessoas que já foram casadas precisam de uma autorização de seus ex-companheiros/as para retificar, já que a alteração do prenome e do gênero altera também documentos desses companheires. Se, por acaso, o ex-companheire não concordar, a retificação deverá ser feita por via judicial (com advogade, juiz, etc).

Sobre o PoupaTrans

O poupatrans é uma iniciativa de três mulheres trans comprometidas com o direito de pessoas trans ao reconhecimento de seu nome e identidade através do processo de retificação. O projeto nasceu de uma experiência no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, entre 2019 e 2020. Contamos com apoio de outras organizações e pessoas, como o #VoteLGBT e a OAB Diversidade. Para saber mais, acesse www.poupatrans.org.br ou @poupatrans .

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