A linguagem é o principal mecanismo que diferencia nós, humanos, dos outros animais. Falar é ocupar espaços, tanto em nosso aparelho psíquico, quanto na psique de quem conosco dialoga. Nessa perspectiva, as palavras estabelecem discursos, os quais por sua vez, (in)viabilizam significados, determinando comportamentos, dando, em diversas ocasiões, base para a imposição de preconceitos e estigmas.
Partindo dessa breve exposição, precisamos refletir, para daí, problematizar o termo visibilidade em relação a população trans e travesti. Visibilidade aponta para a habilidade de tornar algo ou alguém visível. Nesse cenário, o dia 29 de janeiro é um marco histórico na luta das travestis e transexuais pelo direito à vida – haja vista o Brasil ocupar a liderança mundial nos índices de assassinatos dessa população – e por espaço no mercado formal de trabalho, aspectos assegurados pela Constituição Federal, mas, na prática, acessados apenas por pessoas cisgêneras. Pensar o 29/1 é meditar profundamente no verdadeiro estado de abismo social sob o qual a população T no Brasil se encontra: sua expectativa de vida é 35 anos, são alvo de violência pela própria família e a profissão do sexo lhes é imposta desde muito cedo. Sob a gestão federal mais autoritária da República Nova e com a pandemia da Covid-19, a violência e a formulação de políticas públicas contra esse grupo social tendem a aumentar: se por um lado, travestis e transexuais são diariamente alvo de violência, por outro, possuem maior dificuldade para o trabalho do sexo, porquanto o contágio pelo coronavírus se apresenta como uma realidade cotidiana para pessoas que já se encontram bastante vulneráveis.
Retomando o termo visibilidade, no contexto do 29/1, percebe-se a sua insuficiência: a escolha de uma data pontual jamais deve ser desprezada, entretanto, se tornar visível é muito diferente de se tornar vivível. Embora os dois termos se pareçam, tem conotações bastante próprias: ser visível é poder ser percebido, por outro lado, ser vivível é ter condições para a manutenção de uma vida plena. Isso ainda é algo distante para travestis e transexuais; não deve surpreender, portanto, que diversas pessoas T adotem uma postura de agressividade, além de terem problemas com álcool e drogas. A sociedade cisgênera é amplamente responsável por isso e precisa constantemente ser pressionada a colaborar para o respeito às pessoas T.
29 de janeiro, torna-se, então, algo maior que o próprio dia. Deve servir como ponto de partida para nos lembrar a conviver com as diferenças e diversidades a cada momento de nossas vidas.
*Armando Januário dos Santos é mestrando em Psicologia pela UFBA, psicólogo graduado pela UNEB, pós-graduado em Psicanálise; em Gênero e Sexualidade; e em Literatura. Graduado em Letras com Inglês. Autor do livro Por que a norma? Identidades Trans, Política e Psicanálise. E-mail: armandopsicologia@yahoo.com.br | Instagram: @januario.psicologo.