Opinião: A adultização da infância e a indignação seletiva
Não é de hoje que feministas, estudiosas do campo de gênero e das mulheres, e aqueles que são apontados como parte da “patrulha do politicamente correto”, vêm apontando o problema da adultização das crianças/infância. Há bem pouco tempo, algumas pessoas compartilharam em suas redes sociais, o processo de adultização de Millie Bobby Brown, a personagem Eleven de Stranger Things: não teve eco. Assim como não teve eco a crítica às investidas de Silvio Santos para que Maísa flertasse com Dudu Camargo. E também não teve eco quando Larissa Manoela anunciou um namoro com 12 anos, quando trocou de namorado aos 13, e quando voltou com o namorado anterior aos 14. Poucas pessoas “deram bola” para o desabafo da atriz mirim Sadie Sink, 15 anos, 14 na época das gravações, de que não queria ter beijado Caleb McLaughilin em Stranger Things. E eu poderia seguir listando uma série de outros casos que passaram ilesos pelo crivo daqueles que, só agora, demonstram horror à crianças e adolescentes se beijando e demonstrando afeto.
Curiosamente também, poucas pessoas parecem se horrorizar com os recorrentes casos de gravidez na adolescência e infância. Só como exemplo, um dado publicado esse ano pelo Datasus, do Ministério da Saúde, informou que cerca de 305 mil brasileiras de 10 a 14 anos tiveram filhos entre 2005 e 2015. Um outro dado, bastante alarmante, mostra que o Brasil é o quarto país do mundo com maior índice de casamentos infantis, e que 36% das mulheres brasileiras casam antes dos 16 anos. Não vi uma sequer publicação sobre isso nas minhas redes sociais.
Na última semana, porém, um vídeo de duas crianças se beijando circulou na internet, e o tema da adultização da infância voltou a pauta. Assim como das outras vezes, esse debate poderia sair ileso, ou com apenas uma ou outra crítica em textos de perfis pessoais nas redes sociais. Entretanto, o fato de no caso da vez serem dois meninos homens, gerou uma onda de ataques ao problema da adultização da infância e à homossexualidade. Nos marca aqui, que o principal problema encontrado no vídeo, talvez não seja o fato de serem apenas duas crianças, mas de serem dois meninos.
Por que estou escrevendo isso? Para dizer que o horror das pessoas, não é ao fato de serem duas crianças se beijando, e sim, ao fato de serem dois meninos homens se beijando. Para o olhar daqueles que condenaram o vídeo, e tornaram-se porta-vozes do problema da adultização da infância, os dois meninos, antes de serem crianças, eram gays, o que deixou o problema muito maior e fez tomar as proporções que tomou.
O que para essas pessoas não está naturalizado, é o fato de duas pessoas do mesmo sexo poderem demonstrar afeto. O que faz da cena algo incomum, é que nela são dois meninos dando um beijo ao som de uma versão do “Parabéns” com palavras, tidas socialmente como de baixo calão e impróprias pra serem ditas e ouvidas em público. A questão central que tá posta na ojeriza ao vídeo não é a infância, mas a homossexualidade. E é isso que precisamos – mais uma vez – discutir.
Não existe nenhuma imposição de uma nova norma sexual que está fazendo as crianças tornarem-se gays ou lésbicas. Do mesmo modo que a adultização da infância não é algo restrito à homens gays. Assim como há pessoas que descobrem a sua sexualidade mais tarde, há outras que começam a experimentá-la muito jovem, é assim com casais heterossexuais, e tem sido assim com casais LGBTs que possuem condições de sair do armário tão cedo.
Se o problema fosse realmente com a adultização, filmes como “Meu Primeiro Amor” não seriam sucesso na sessão da tarde ainda nos dias de hoje, nem muito menos pais e mães influenciariam seus filhos homens, de qualquer idade, a terem uma namoradinha. Se o problema central fosse a adultização da infância, Valentina, 13 anos, não teria sido hipersexualizada quando participou do MasterChef Jr. na Band, por parte desses porta-vozes da moral e do bom costume. Se o problema fosse mesmo a adultização da infância, vídeos como o da criança contando cédulas de R$50 e R$100 e anunciando que vai gastar com “putas, piranhas e cachaças”, não fariam tanto sucesso entre os internautas, a ponto de alguns deles anunciarem que aquele protótipo era a sua “meta de filho”.
Eu realmente acredito que devemos discutir a adultização da infância. Essa discussão só não pode ser usada para reproduzir e disseminar homofobia, e criminalizar pessoas por gostarem de outras pessoas do mesmo sexo que o seu, enquanto relações abusivas com meninas adolescentes, os índices altíssimos de gravidez na adolescência, o assédio e abuso sexual de jovens e crianças, e a exaltação do machismo passam ilesas.
*Elder Luan – Graduado em História e doutorando do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismo.