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Músicas anti-LGBTQIAPN+ no cancioneiro popular

Trio Nordestino - "Não Tá Certo Não" - Canta o Nordeste

Se na história na Música Popular Brasileira (MPB) temos artistas que contaram histórias ou defenderam a causa LGBTQIAPN+, não podemos esquecer de alguns que usaram termos ou deram opiniões totalmente contrarias. Mas o que isso poderia ter de ruim? Não seria apenas uma expressão ou opinião própria de algum artista de acordo com sua época? Mais ou menos. Podemos, claro, contextualizar tudo dentro de um período, mas pergunto: temos noção de quantas pessoas sofreram por conta dessas músicas? Quantas pessoas se fecharam no armário e jogaram a chave fora ou até se tornaram LGBTS homofóbicos? O quanto essas músicas não foram usadas para ferir o outro? E nem vamos nos aprofundar no assunto do duplo sentido, vamos focar mais no sentido direto mesmo.
Para começar, vamos de artista baiano. Quem não conhece Gordurinha, que compôs músicas como Baiano Burro Nasce Morto e Chiclete com Banana, ambas de 1960? O mesmo Gordurinha é autor de Baiano não é palhaço (1962) onde, o mesmo compositor que lutou contra o preconceito que sofria em São Paulo, foi preconceituoso com outros grupos. A música já começa com os versos:
“Não falo fino nem ando me rebolando
Mas tem gente falando que eu não sou legal
Não pinto as unhas, nem falo com vedete
Mas estão pintando o sete, isto é uma verdade”
Para Gordurinha, falar fino ou rebolar era ser “gente sem qualidade”. Ainda no Nordeste, mas dessa vez no forró, citamos Zenilton que cantava o duplo sentido, mas também era direto quando o caso era falar do gay. Banda de Bolsa, composição sua com João Caetano lançada em 1983 no álbum O Danado dela é uma música que destila todo tipo de preconceito a um personagem LGBT. A música tem, inclusive, a participação de um ator fazendo papel de gay e Zenilton já começa a música falando: “Eu não gosto dessa gente”, lá pelo meio dessa música ele fala “sai daqui sujeito”. Já a letra…
“Esse moço entrou na onda de brinquinhos na orelha
No tronco do mocotó amarrou duas correias
Se pinta e faz maquiagem sai parecendo uma moça
Gente dessa qualidade se chama banda de bolsa”
Confesso, não sei o que é Banda de Bolsa, mas a música, a meu ver, deveria ser até retirada das plataformas digitais e do YouTube. Me incomoda e muito. Partindo para o duplo sentido em Zenilton, tem pérolas como Comilho Cru e Eu sou o cômico, de 1986. Mas, por ser duplo sentido, deixemos de lado. Há a questão da interpretação.
Um dos grupos mais tradicionais da música nordestina também destilou seu veneno. Trata-se do Trio Nordestino, que não foi um Trio de músicas de duplo sentido, mas que tem uma coisa aqui, outra ali. Vamos falar de Não Tá Certo Não, por sinal, composição de Gordurinha. Gravada inicialmente pelo trio em 1963, a música foi relançada em 2017 no álbum Trio Nordestino Canta o Nordeste, disco bem produzido, com Direção artística de Olivia Hime , participações de Lucy Ramos e Zeca Pagodinho e com clássicos do Forró, mas não cabe mais em 2017 gravar uma música com com as frases:
“E esses homens de olhar amortecido
Que sabem fazer vestido e só trabalha prá mulher
Vai na cozinha, faz comida, lava a louça
Pinta o beiço feito moça, valhei-me meu São José
Então me diga que tá certo? Não tá certo não”
Não exatamente um Nordestino mas um artista que tinha uma aproximação muito forte do homem do campo no Nordeste, o Gaúcho Teixeirinha lançou em 1967 a música Motorista Brasileiro. O sentido é direto:
“Mas se pede uma carona
Um homem da fala fina
Aí está entrando trava
E entra areia na buzina”

Esses são apenas alguns exemplos de músicas que em nada contribuíram para a causa LGBTQIAPN+. Clemilda, diga-se de passagem, artista que admiro e de quem estou escrevendo uma biografia, tem uma música chamada O Anel do Eno. É um duplo sentido, mas entra a frase “Uma bicha atrevida falou: eu tô com o anel do Eno”, em outra música ela se refere a Roberta Close: “Como é que pode? A mulher mais bonita do Brasil é homem”. Da mesma forma Zé Duarte com Eu não Comunguei e tantos e tantos outros. Bom que os tempos mudaram e antes que eu esqueça: mimimi é a dor do outro que você não sente.
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