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Leila Maria e as canções de amor de iguais

Foto: Divulgação

Na história da música mundial, muitos álbuns (LPs, Compactos, CDs…) foram lançados tendo como público alvo a comunidade LGBTQIAPN+. Podemos citar como exemplo os discos do grupo norte-americano Village People, famoso por hits como Macho Man e Y.M.C.A, ambas de 1978, auge da Discoteca, gênero musical surgido na década de 1970, derivação da soul music e do funk. Não existia o rótulo, mas sim a intenção de dirigir o repertório e personagens a um determinado público. No Brasil, temos alguns exemplos, dentre eles, o Disco Clubbing ao Vivo (1998), o Disco Clubbing II (1999) e o sensacional Dê-se ao Luxo (2001), ambos do grande Edson Cordeiro, lançados pela Sony Music. Mas, foram trabalhos que traziam em seu conteúdo um estilo apreciado pelo público LGBTQIAPN+, dançante e incluindo músicas que foram sucesso com o Vilage People e com a cantora Gretchen, não existia o propósito de ter um repertório com letras direcionadas a esse público.

Foi em 2007 que a cantora Leila Maria, finalista do The Voice + 2021, e o produtor Antônio Carlos Miguel, inquietos por verem que as histórias contadas e cantadas nas músicas falavam quase que em sua totalidade de amor entre casais heterossexuais, pensaram em trabalhar um projeto diferenciado, que dialogasse diretamente com os LGBTs. Leila conta que o objetivo não era que o disco fosse taxado como um “trabalho gay”, claro, ele seria direcionado principalmente ao público LGBTQIAPN+, mas que pudesse também embalar as mais variadas histórias de amor, independente da sexualidade. A ideia deixou de ser apenas um projeto e no mesmo ano sai pela Deckdisc, produzido por Dunga, o álbum Canções de Amor De Iguais.


O repertório foi escolhido a dedo, canção por canção. Para abrir o álbum, foi escolhida uma música pouco conhecida de Roberto e Erasmo Carlos, gravada anteriormente apenas em compacto simples por Wanderléa (CBS-1971). A música, intitulada Você Vai Ser o Meu Escândalo tem recado direto:

“Saiba que você, meu bem
Meu escândalo vai ser
Quando o mundo inteiro então
Nosso amor conhecer
Meu bem, não dá pra enganar
Pois tudo está no nosso olhar
O escândalo vai ser
Quando o mundo conhecer o nosso amor”

Dando continuidade, Leila vem com Seu Tipo (Eduardo Dusek e Luiz Carlos Goes), canção imortalizada na voz e Ney Matogrosso em 1979 no álbum que leva o nome da música. Outra pérola do álbum, com uma interpretação que em nada lembra a gravação de Cássia Eller no álbum Sem Você…Meu Mundo Ficaria Completo (Universal Music – 2002) é a música Gatas Extraordinárias (Caetano Velloso). Não é um cover ou apenas uma regravação, trata-se de uma nova e bela interpretação.

Nas canções internacionais, Leila e Antônio Carlos fizeram questão de prestar uma homenagem a intérpretes e compositores que não tiveram medo de expor suas sexualidades. Assim, incluíram Nature Boy (Eden Ahbez), All of You (Cole Porter), Kissing a Fool (George Michael), Sexuality (k.d. Lang/Ben Mink) e Lush Life (Billy Strayhorn). Todas com o toque e requinte que somente uma cantora a altura de Leila Maria consegue.
Por falar em coragem, claro, alguns compositores brasileiros não poderiam ficar de fora: o primeiro, é Johnny Alf com Ilusão à Tôa, composição do próprio Johnny que fala de um amor não correspondido e proibido:

“Mas embora agora eu te tenha perto
Eu acho graça do meu pensamento
A conduzir o nosso amor discreto
Sim, amor discreto pra uma só pessoa
Pois nem de leve sabes que eu te quero
E me apraz essa ilusão à toa”

O álbum segue com Um Certo Alguém (Lulu Santos e Ronaldo Bastos), que nos leva a uma reflexão sobre as diversas formas que os artistas tinham de expressar seus sentimentos de maneira discreta. As compositoras, também estão presentes no álbum e Leila acertou em cheio ao regravar Mapa-Múndi (Marina Lima/Antonio Cícero):

“Aonde vou se com você se foi meu mapa-múndi
Amar confunde e dói
Estranha, essa noite
Nenhuma estrela
Só ela”

E, óbvio, não poderia faltar Ângela Roro, que entra com a música Se Você Voltar, parceria da artista com Antônio Adolfo:

“Mas, se você voltar e ensinar a essa gente
Que mais vale um amor mesmo que seja assim tão quente
Ao ponto de queimar o coração e a nossa mente
Que ser feliz e só não desistir tão facilmente”.

Ao lançar o álbum, Leila falou ainda sobre uma canção de Chico Buarque que faz parte do álbum. Trata-se de Mar e Lua. “Muitos poderiam questionar: mas Chico Buarque, um compositor que sempre cantou o amor pelas mulheres? Basta que prestemos atenção para perceber que a música fala do amor entre duas mulheres”, disse Leila em entrevista ao Papos Biográficos:

“Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido”

Assim, 16 anos após seu lançamento, Canções de Amor De Iguais continua sendo um álbum atual e necessário. Lembrando que, lançado inicialmente no formato físico (CD), hoje raro, o álbum encontra-se disponível nas principais plataformas digitais de música. Salve Leila Maria! Vida longa ao Canções de Amor De Iguais.

Carlos Leal – Jornalista formado pela Universidade Tiradentes, Especialista em Marketing Digital, autor do livro infanto-juvenil Histórias de Dona Miúda: a Raínha do Forró (Ed.Pinaúna), co-autor do livro Cem Anos de Dorival Caymmi: panoramas diversos, em parceria com a Professora Dra. Marilda Santanna. Atualmente colabora com artigos e textos para O Dois Terços e para o jornal A Tarde e escreve duas biografias: da cantora alagoana Clemilda e da sambista baiana Claudete Macêdo.

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