Comportamento

Opinião

Social

Leandro Colling: as múltiplas razões da proliferação do HIV

Genilson Coutinho,
26/05/2015 | 14h05

leandro

Nos últimos meses, tenho colecionado tristes histórias vividas por pessoas que contraíram o vírus HIV. Uma delas morreu muito jovem, tinha um futuro promissor. Descobriu que era portadora do vírus quando seu corpo já manifestava graves doenças. A outra pensava que estava com uma alergia na pele, mas as manchas já haviam sido provocadas pelo HIV. As duas receberam todas as informações sobre como se prevenir para não adquirir as chamadas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), mas isso não foi suficiente para evitar a contaminação. Por isso, vale perguntar: por que as pessoas estão se expondo tanto?
Quem pensa sobre esse tema em geral diz que o aumento de casos de HIV/Aids ocorre porque o governo diminuiu os investimentos na prevenção. As campanhas são escassas e, quando existem, dirigidas ao público em geral e não para grupos específicos, como os gays jovens, por exemplo. Uma campanha para esse público foi retirada do ar, em 2012, por pressão dos fundamentalistas religiosos. Outros dizem que os jovens de hoje não viram os seus ídolos morrerem por complicações do HIV e, com os novos tratamentos, criou-se a ideia ilusória de que ninguém mais morre por essas razões. Tudo isso é verdade, mas não diz tudo sobre o problema.
Além dessas razões, a proliferação do HIV pode ser explicada também por razões menos concretas e óbvias e, portanto, mais invisíveis e subjetivas. Uma delas diz respeito a algo que poucos especialistas ousam falar em público: as pessoas buscam no sexo a satisfação máxima de prazer e, para muitas delas, a camisinha diminui essa sensação tão desejada. Se isso é verdade, como pensar em campanhas de prevenção que levem esse dado em consideração? Se o “use camisinha” não funciona, como desenvolver técnicas que reduzam um pouco as contaminações? Até quando vamos evitar esse debate?
E por que colocamos na prática sexual, algo que dura tão pouco, em comparação com as atividades que desenvolvemos diariamente, tanto peso na satisfação dos nossos desejos? Podemos pensar em várias direções, vou citar apenas duas: nossas vidas são muito enfadonhas, chatas, terrivelmente domesticadas, reguladas e pouco prazerosas. Subjetivamente, pensamos: se não podemos sequer gozar do jeito que desejamos, o que mais nos resta?
Outra direção possível, que aponta para um rumo distinto: por que, ao longo de séculos, fomos tão incapazes de criar outras práticas sexuais que fujam das mais convencionais, que são aquelas que mais causam efeitos indesejados, como a contração de DSTs e/ou de gravidez indesejada? Por que as nossas práticas sexuais são tão centradas em uma lógica falocêntrica, ou dito de uma forma mais direta, em enfiar ou receber um pênis em algum buraco? E por que qualquer prática que fuja dessa lógica é tão repudiada? Essas questões mais invisíveis, junto com as mais visíveis, colocam imensos desafios para que possamos deixar de conviver com as tais histórias tristes.
* Leandro Colling é professor da Ufba, coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade