Infectologista Maiky Prata diz que só será possível frear o avanço do HIV entre jovens com educação sexual e acesso a prevenção combinada
Os mais recentes indicadores nacionais apontam que o Brasil conseguiu reduzir significativamente as taxas de novas infecções pelo HIV na população geral, entretanto, o número de casos de HIV e aids aumentou entre os mais jovens. A doença tem impactado, principalmente, homens de 14 a 29 anos.
Atualmente no Brasil, a população mais nova gira em torno de 47 milhões de pessoas, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mais de 102.869 dos habitantes são jovens e adolescentes soropositivos, aponta boletim epidemiológico que analisou os diagnósticos registrados até junho deste ano.
Antes protagonista mundial, o Brasil passou a sofrer retrocessos na resposta ao HIV e à aids, não é possível ignorar o fato de que por anos consecutivos a infecção na juventude só vem aumentando.
Para entender melhor como o vírus tem impactado este grupo populacional, bem como encontrar novas estratégias de prevenção e comunicação, a Agência Aids conversou com um especialista no assunto: o Dr. Maiky Prata, médico infectologista do Centro de Referência em HIV/Aids e do Ambulatório de Atendimento à Saúde Integral da População de travestis e transexuais do Município de Diadema.
O doutor afirmou que a epidemia de HIV se trata de uma epidemia predominantemente de transmissão sexual, ou seja, a principal via de infecção é o sexo; e falar sobre sexo no Brasil, ainda é um tabu.
Em seu entendimento, o jovem brasileiro é exposto cada vez mais às práticas sexuais e de forma precoce, por isso, lidar com essa questão de forma consciente e objetiva é algo necessário e segue sendo o maior desafio no enfrentamento da epidemia de HIV/aids.
Segundo ele, isso explica as preocupantes estatísticas em relação a este público.
“Faz-se necessário trazer a luz a discussão sobre questões a respeito da diversidade sexual e de gênero. Compreendo que falar de sexualidade é falar sobre a vida; discutir questões de desejo, fantasia, sentimentos e afetividade desde o início da puberdade, já nas primeiras experiências sexuais”, falou.
Falta de educação sexual
O especialista ainda abordou um intrigante paradoxo: brasileiros adoram fazer sexo, mas não falam sobre ele no cotidiano. Pelo contrário, o sexo ainda hoje é descoberto pelos adolescentes de forma escondida, individualmente, e livre das devidas orientações.
“Prega-se muito uma liberdade sexual entre jovens, de fácil acesso, seja pela internet, pelas novas ferramentas de paquera, aplicativos, mas pouco se prepara este jovem para o início da vida sexual, ou seja, este jovem tem acesso fácil ao sexo, mas vive situações ainda com medo, desconhecendo suas opções de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis”.
“Sem acessar as ferramentas já existentes, como o uso da PEP e PrEP, o que resulta é uma série de jovens sexualmente ativos e inseguros desprovidos de informação de qualidade, aumentando, assim, suas vulnerabilidades ao HIV, aids e outras ISTs”, completou.
Ações educativas são fundamentais
Ele propõe ações socioeducativas a respeito de sexualidade, não apenas nas escolas, mas também nos núcleos familiares, bem como nos ambientes de trabalho, nas unidades de saúde e entre os grandes meios de comunicação.
Maiky defende assiduamente a popularização das diversas formas de prevenção existentes e diminuição das burocracias. “O jovem tem um tempo de espera menor e gosta de flexibilidade e fluidez, portanto, é importante facilitar o acesso aos métodos de prevenção, adequar a linguagem ao jovem e proporcionar uma experiência livre de constrangimentos.”
Facilitar o acesso a prevenção combinada
Ao levantar essa questão, utilizou o exemplo exitoso da cidade de São Paulo. “Na cidade de São Paulo, a oferta da PrEP foi ampliada pelo projeto PREP na Rua. Foram realizadas ações em vários bairros da cidade facilitando que mais pessoas tivessem acesso a distribuição da profilaxia. Foi uma ação que levou para mais perto de todos a possibilidade de conseguir PrEP, todo o processo de liberação é feito em um só dia, sem burocracia e de forma extremamente acolhedora”.
O médico garante que por este caminho e com auxílio da tecnologia, havendo possibilidade de acesso facilitado a informações concretas acerca da doença, de qualquer lugar e qualquer hora, muitos gargalos serão vencidos.
Ao seu ver, faz-se necessário criar processos cada vez mais simples e autônomos, como distribuição de autotestes em escolas, estações de trem e metrô, por exemplo.
“Quanto mais desburocratizado, maior a chance de acessar jovens de todas as regiões e haver adesão a ações de prevenção com maior sucesso”, afirmou.
A PrEP quando acessada efetivamente, com adequada orientação, tem boa adesão. A liberação para jovens entre 15 a 18 anos no Brasil foi recente e neste caso, de acordo com o infectologista, ainda se faz necessário ampliação das estratégias de acesso.
Para além, é necessário também ampliar o acesso para todos os grupos populacionais. “Ainda há um predomínio entre homens cisgêneros gays, brancos e de alta escolaridade; no contexto de PrEP para quem precisa, é desafiador aumentar a oferta para aumentar adesão da população de travestis e transexuais, mulheres cisgênero, negros e pardos e pessoas de menor escolaridade”, finalizou.
Da Agência AIDS