
Imagem da campanha Foto: Reprodução
Uma campanha do Ministério da Saúde sobre infecções sexualmente transmissíveis, lançada nesta quinta (31), tem suscitado críticas por apostar na repulsa a imagens chocantes como forma de alertar a população. Especialistas avaliam que, embora a iniciativa de discutir o tema seja importante, a veiculação adotou um tom agressivo, que contribui para reforçar estigmas.
Segundo Salvador Correa, coordenador de treinamento e capacitação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), campanhas de viés mais “terrorista”, desde a década de 80, não surtiram impacto. Ao contrário, a incidência de vírus como o HIV aumentou, sobretudo entre jovens, público-alvo da ação do governo.
“Isso mostra um retrocesso, pois as campanhas apontam para a geração de estigma e propagação do pânico moral. Embora a iniciativa de se fazer campanhas de prevenção seja muito importante, o Ministério da Saúde errou no tom”, afirmou Correa. “A forma de usarem tecnologias como o QR Code foi muito criativa, só que usada para pânico e terror”, emendou.
O médico Daniel Zylbersztejn, coordenador da campanha Vem Pro Uro, da Sociedade Brasileira de Urologia, concorda que usar o medo como mote não foi a maneira mais eficaz de mostrar a gravidade das doenças à população. Para ele, a abordagem deveria ser mais instrutiva e menos agressiva. “Entendo que o governo queira fazer uma chamada geral para a população da importância, mas poderia ter sido um pouco mais refinada na maneira de passar a mensagem”, disse.
Os especialistas também criticaram a escolha vocabular usada nas peças, sobretudo no slogan “Se ver já é desagradável, imagina pegar”. Além de julgarem infeliz, argumentam que a opção falha ao transmitir a informação e ignora aspectos indissociáveis da temática, como sexualidade e desejo.
“Não adianta a gente falar de sexo e prevenção se a gente tem ainda o tabu com relação a esse tema. Não dá apenas para mostrar uma vagina ou pênis com DST, tem que trabalhar a sexualidade, desejo, valor humano e afeto. Um conceito de prevenção ampliado, não focado apenas em um método”, disse Correa, que acredita se tratar de um reflexo da exclusão da sociedade civil do processo de elaboração.
Segundo ele, o próprio Ministério da Saúde já fez campanhas que valorizavam direitos humanos de grupos mais afetados pelas epidemias, como jovens gays e trabalhadoras sexuais. Nesta ação, acredita que o órgão tomou cuidado em termos de representatividade, mas pecou ao ignorar mais de 40 anos de conhecimento sobre as DSTs, “Quando a sociedade civil é silenciada, a gente percebe o ministério cometendo erros do passado”, afirmou o coordenador a Abia.
Para os especialistas, faltou abordar outras formas de prevenção – como as vacinas -, comentar a opção dos preservativos femininos e conscientizar sobre a importância de não ter múltiplos parceiros. Também sustentam que o HIV foi relegado a segundo plano na campanha, embora muitos jovens ainda desconheçam a complexidade da doença. “Poderia se falar ainda que as infecções podem gerar infertilidade, doenças sistêmicas e locais, além de muitas serem assintomáticas. Homens e mulheres só tomam conhecimento delas anos depois”, ressaltou Zylbersztein.
CONTRAPONTO
Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a sífilis é mais importante, já que a tendência é que a infecção tenha maior incidência no futuro. Boletim divulgado pelo ministério aponta que foram 158 mil casos da doença no ano passado. Para ele, a ação pode reduzir os números por ser “instigante” e “provocar o receio de não usar preservativos”.
A ginecologista e sexóloga, Carol Ambrogini, coordenadora do projeto Afrodite, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), compactua em boa parte com a visão do ministro. Embora compreenda críticas à campanha, considera a iniciativa necessária para causar impacto.
“Acho que essa geração precisa de uma coisa impactante, porque eles realmente não usam camisinha. Então talvez seja preciso algo forte para fazer parar e pensar a respeito. Os jovens não viram as pessoas definhando de Aids, não viram o Cazuza morrer. Pensam só no HIV, aquela coisa que não se vê, uma doença como outra qualquer”.
Casada com um urologista, diz que a quantidade de DSTs que chegam aos hospitais e consultórios, públicos ou particulares, impressiona: “A gente diz que não aguenta mais tratar essas doenças. Gonorreia e sífilis voltaram. Os jovens não têm noção do que é uma DST e a realidade é aquela mesmo. É feio, é mutilante, com úlceras, com verrugas.