Ela conta como foi cirurgia de redesignação sexual: ‘Sonhava em ter vagina’
Desde os 8 anos, Daniella* se sentia diferente, ela tinha um corpo de menino, mas queria ser uma menina. “Não entendia muito bem o que era e por que desejava as coisas do universo feminino.”
Com o passar do tempo, Dani foi se descobrindo, casou-se, teve filhas gêmeas, mas apesar da família que construiu, não se sentia feliz. Após mais de 20 anos guardando seu “segredo” e vivendo em um corpo que não a representava, ela fez a transição de gênero, se assumiu como mulher trans e se submeteu a cirurgia de redesignação sexual.
Hoje, aos 34 anos, ela diz: “Paguei um alto preço por isso, meus pais romperam comigo, meu casamento acabou, mas realizei meu sonho e me sinto realizada”. Conheça a história dela:
“Lembro de um dia em que estava brincando com a minha irmã, ela colocou um vestido em mim e eu gostei. A partir dali, surgiu a vontade de usar roupas femininas, não podia ficar sozinha em casa, que ia no guarda-roupa da minha mãe e da minha irmã. Provava as roupas delas, ficava me olhando e me admirando no espelho, era minha brincadeira favorita.
Na adolescência, passei a usar a maquiagem delas e a pintar as unhas escondida, depois tirava e guardava tudo no lugar. Me julgava e me sentia culpada, dizia para mim mesma que era errado e que não podia mais fazer aquilo, mas continuava fazendo.
Nunca tive trejeitos femininos, sempre me comportei como menino, e tinha desejo por mulheres, o que me gerava uma grande confusão na cabeça. Me perguntava: ‘Como é possível eu sentir atração por mulheres e querer ser uma mulher também?’.
Aos 15 anos, comecei a namorar com a minha ex-mulher. Biologicamente falando, meu órgão genital masculino era funcional, sentia prazer e tinha ereção durante a penetração, mas não gostava dele no dia a dia, a imagem dele me incomodava, não gostava de vê-lo e nem do volume que ele tinha.
Aos 18, eu e minha ex-mulher nos casamos, imaginei que, com o casamento, o desejo de ser mulher ia parar e, finalmente, ia me sentir bem como homem, mas isso não aconteceu.
Não tinha coragem de me abrir para a minha ex, ela não desconfiava de nada, mas ao longo dos anos fui deixando escapar quem eu era. Durante a relação sexual, eu tinha algumas fantasias, colocava calcinha e sutiã, mas ela não gostava e ficava desconfortável.
Após dois anos de casadas, nossas gêmeas nasceram e a pressão para honrar as meninas, ser um homem e pai de família cresceu mais ainda. Tentei mudar quem eu era, fiz diversas promessas, entrei em depressão e quis desistir da minha própria vida, achava que a morte era o melhor caminho para mim.
Com o passar dos anos, fui contando mais algumas coisas para minha ex, não tudo, mas ela já sabia que eu tomava hormônios femininos desde a adolescência e que gostava de usar roupas de mulher, isso foi desgastando nosso relacionamento.
Sem ter com quem falar abertamente e pedir orientação, ficava na internet pesquisando sobre o assunto, vendo entrevistas e documentários de especialistas e de pessoas que se sentiam como eu. Demorei muito tempo para entender que era uma pessoa transexual.
Em 2016, procurei um centro de referência que atende pessoas transgêneros e iniciei minha transição de gênero, aos 28. Fiz o tratamento hormonal e acompanhamento com psicólogo, endocrinologista e fonoaudiólogo.
Após décadas vivendo presa em um corpo que não me representava, coloquei um fim nessa prisão e me assumi como mulher trans para a sociedade aos 30 anos. Alterei meu nome e gêneros nos documentos.
Paguei um alto preço por essa decisão, meus pais romperam comigo e meu casamento de 13 anos acabou. Eu e minha ex nos separamos de corpos, mas continuamos morando na mesma casa para criar nossas filhas, temos uma relação de respeito, o amor que tenho hoje por ela é de amiga. Ela e as meninas apoiaram minha escolha, desejam que eu seja feliz.
Em 2019, três anos após o início da transição, fiz a cirurgia de redesignação sexual. Embora já vivesse como mulher, o pênis me incomodava e todas as estratégias que utilizava para esconder o volume me causavam dor: eu o repuxava e o comprimia por entre as coxas, colava com esparadrapos ou colocava uma calcinha bem apertada, tipo cinta.
Sonhava em ter uma vagina, mas confesso que fiquei com medo de fazer a cirurgia e dar errado, ter alguma complicação e morrer, ou até mesmo me arrepender, mas pensei bastante e, em 2019, consegui fazer a redesignação sexual pelo meu plano de saúde.
Na técnica a que fui submetida, a cirurgia genital afirmativa de gênero, foi utilizada a própria pele do pênis para fazer o canal vaginal, e foi construída uma neovagina e um neoclitóris. O procedimento em si foi tranquilo, fiquei três dias internada, fiz repouso de um mês.
Antes da cirurgia, só tinha me relacionado sexualmente com mulheres, mas depois dela passei a me relacionar com homens. Só para deixar claro, a orientação sexual não tem nada a ver com a identidade de gênero e nem com a redesignação sexual, mas isso foi algo que mudou em mim.
Quando vivia no corpo de homem, sentia mais desejo e atração por mulheres. Hoje vivo no corpo de mulher e sinto mais desejo e atração por homens.
Geralmente, dois meses após a redesignação sexual a pessoa já está liberada para transar, mas, no meu caso, demorei muito mais, fiquei insegura e busquei uma pessoa especial.
Algumas coisas mudaram após a cirurgia, faço dilatação vaginal e uso lubrificante. Durante a relação sexual, chego ao orgasmo, mas o prazer que sinto com o órgão genital feminino é diferente do que sentia quando tinha pênis. O próximo passo agora é colocar silicone nos seios.
A jornada até aqui foi difícil, ainda hoje não entendo porque nasci transexual, mas me aceito e sei que ninguém pode mudar quem realmente sou. Acredito que há um propósito em tudo isso.
Mudei fisicamente, mas não mudei meu caráter. Hoje, me sinto feliz, realizada e com garra e fé para continuar enfrentando os obstáculos e lutando pelos meus sonhos, quero encontrar um novo amor, me casar e adotar uma criança.”
A pedido de VivaBem, o urologista Ubirajara Barroso Jr., chefe da divisão de cirurgia urológica reconstrutora e urologia pediátrica do Hospital da UFBA (Universidade Federal da Bahia) tira 8 dúvidas sobre a redesignação sexual:
*A entrevistada preferiu não divulgar o sobrenome.
Fonte: Viva Bem (UOL)