Dados exclusivos obtidos pelo Jornal Hoje mostram que a notificação vem aumentando, mas alguns estados ainda não se prepararam para somar as estatísticas sobre violência contra a população LGBTQIA+.
Discriminar alguém no Brasil por causa da identidade de gênero ou orientação sexual é crime no Brasil desde 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a lei contra o racismo também pode ser aplicada contra a homofobia. E, a partir desse marco, o Jornal Hoje vem acompanhando o número de casos de homofobia registrados em delegacias.
De acordo com dados obtidos de todos os estados e também o Distrito Federal, com base na Lei de Acesso à Informação, no primeiro ano após o julgamento do STF, de junho de 2019 a junho de 2020, foram 161 casos em todo o país. Esse número passou para 135 no segundo ano e, no terceiro, fechou em 600 casos.
Para o presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Paulo Iotti, o número de registros, apesar de ter aumentado, ainda não reflete a realidade.
Outros crimes
O Jornal Hoje também pediu aos estados os números de outros crimes que tenham sido motivados pela homofobia. Veja os números:
Homicídio
2018 – 31 casos
2019 – 25 casos
2020 – 26 casos
2021 – 17 casos
Ameaças
2018 – 309 casos
2019 – 309 casos
2020 – 335 casos
2021 – 627 casos
Ofensas
2018 – 249 casos
2019 – 253 casos
2020 – 237 casos
2021 – 354 casos
Somando todos esses crimes, o total de casos de homofobia no Brasil, que já vinha subindo ano a ano, teve aumento de 150% entre 2020 e 2021.
Casos totais
2018 – 1.292 casos
2019 – 1.426 casos
2020 – 1.726 casos
2021 – 4.347 casos
Falta de padrão
Os dados mostram um recorte do tamanho da homofobia no Brasil e como combatê-la. No entanto, eles não mostram um retrato completo do problema, pois há uma falta de padrão e confusão na forma como os estados lidam com esses crimes.
Alguns registram de forma mais organizadas e com muitos detalhes. Outros, no entanto, disponibilizam informações incompletas e imprecisas. Por fim, alguns estados sequer sabem quantos casos de homofobia possuem.
À reportagem, Minas Gerais, Rondônia, Tocantins e Rio de Janeiro não informaram nenhum dos números pedidos sobre homofobia nos últimos quatro anos. Procurados novamente pelo Jornal Hoje, veja o que cada governo estadual disse:
- O governo do Tocantins justificou que não dispõe das informações e que seriam necessários trabalhos adicionais com os dados para obtê-las. Disse ainda que tem atuado na segurança da população LGBTQIA+ com o atendimento em delegacias especializadas nas cidades de Palmas e Araguaína.
- O governo do Rio de Janeiro respondeu que “nos microdados aos quais o ISP- Instituto de Segurança Pública – tem acesso, não é possível ter acesso à motivação do crime” e que “não é possível distinguir casos de homofobia e transfobia”. A Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que está em plena conformidade legal quanto aos registros de crimes previstos na lei contra o racismo e que atua com outros órgãos do estado.
- O governo de Minas Gerais respondeu, em 2020, que havia atualizado o sistema de dados, incluindo como causa ou motivação presumida a opção “homofobia”, mas informou que “a ferramenta de extração o e consolidação de dados necessita de manutenção” para conseguir “relatórios estatísticos relacionados à homofobia e transfobia”. O estado terminou dizendo que a manutenção estava em processo pela implementação, mas não havia data certa para que entrassem em funcionamento. No ano seguinte, governo respondeu que os dados que indicam homofobia como possível causa de crimes ainda não haviam sido concluídos e, por isso, as estatísticas não estavam disponíveis. Neste ano, o governo de Minas voltou a responder a mesma coisa. Mais tarde, a Secretaria de Segurança de Minas disse que registrou 419 denúncias de homofobia em 2020 e 471 em 2021, mas não detalhou quais os crimes. A secretaria disse ainda que as mudanças no sistema de dados devem começar a valer no ano que vem.
- O governo de Rondônia havia dito à reportagem que nenhum dos números sobre casos de homofobia haviam sido registrados em quatro anos. Questionado novamente, o governo informou o número: foram 12 registros de homofobia em 2020 e 44 em 2021, também sem detalhamento. Segundo a nota, a polícia criou um projeto para a implantação de um núcleo de combate a crimes de intolerância, incluindo homofobia.
Preconceito no atendimento
A melhoria não precisa vir apenas no sistema de dados. O próprio trabalho policial precisa de mais preparo, como relatou a cuidadora de idosos Sheron Silva Moreira, agredida por um desconhecido na rua por motivações homofóbicas e que não recebeu o atendimento adequando da delegacia.
A agressão, as ofensas e o roubo não entraram nas estatísticas do Estado de São Paulo. Sheron procurou uma delegacia, mas desistiu de registrar o caso.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que todos os policiais passam por disciplinas que abordam as legislações vigentes sobre crimes contra a população LGBTQIA+ e que a corregedoria da Polícia Civil está à disposição para receber denúncias.
Para o advogado Paulo Iotti, é dever do estado mapear os casos para poder mapear o que acontece, onde acontece e criar políticas públicas de prevenção e repressão.
Do JN