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Teatro

Com reflexão sobre processos de castrações, “Eunucos” faz apresentações na Casa França-Brasil

Redação,
14/06/2024 | 23h06
Eunucos – foto de Nereu Jr

Viní Ventania e Vitória Jovem, performers que juntas compõe a dupla artística Irmãs Brasil, voltam ao país que levam no nome para temporada da performance autoral “Eunucos” no Rio de Janeiro. São dez apresentações gratuitas do projeto.

O Complexo da Maré, o Centro e a Zona Oeste da capital carioca são os primeiros locais confirmados a receber a performance. Antes da estreia, as Irmãs se apresentavam em Portugal com a Companhia de Teatro do Brasil na peça “Sem Palavras”.

Sinopse: “Eunucos” reflete sobre processos de castrações históricas, tecnologias de transição e performance de gênero. Duas existências, dois cavalos selvagens, duas sereias, duas ninfas e duas liliths negociando vida e desejos, atravessando o tempo e espaço e ativando um ritual de morte e ressurreição. As corpas passam por micro e macro cirurgias ao vivo, nos acidentes provocados e recebidos por elas. Nesta peça, o público não é um agente passivo, e também se posiciona diante dos conflitos de relação ativados pela performance.

“Eunucos” nasce em 2019 na primeira Escola Livre de Artes da Maré, a Elã. No projeto, Viní e Vitória passaram por ciclos de formação que convidaram as artistas a pensar em uma experiência estética a partir de sua própria história de vida. A experiência deveria ser capaz de comunicar ao mundo a identidade das irmãs, e o processo de transição que trilhavam juntas, bem como o caminho de seus corpos até ali, ofereceram as respostas para o exercício.

— A performance surge quando olhamos para a concretude de um corpo que, na época, estava em início de transição e buscando ferramentas para autoafirmação e pertencimento. Percebemos que esse era um corpo capaz de transformar em arte seus maiores medos, angústias, e toda a violência que vivenciou da infância até a vida adulta — contam as Irmãs.

O nome da performance faz referência a um versículo bíblico, encontrado no livro de Matheus, onde o autor descreve as variações de um eunuco — corpos que, de alguma forma, foram fisicamente castrados. Para as Irmãs, uma castração pode ir além da carne do corpo.

— A performance vem para constatar o quanto a sociedade é capaz de nos castrar de nós mesmas. Entendemos esse processo de castração para muito além do sexo em si. Vemos a castração dos nossos desejos, dos nossos sonhos, e do lugar onde nos imaginamos sendo quem realmente somos — explicam Viní e Vitória.

Durante a performance, as Irmãs Brasil manuseiam e encenam tecnologias de castração, desde bloqueadores de testosterona a gestos que emulam uma castração, mas castração essa “capaz de libertar o espírito”, como acreditam Viní e Vitória. No Brasil, “Eunucos” foi apresentada na 9ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo em março deste ano, e aterrissou em solo europeu para turnê na Suíça em 2023 nos festivais LES URBAINES, na cidade de Lausanne, e Festival Gessnerallee, em Zurique.

Agora, no Rio de Janeiro, “Eunucos” realiza sessões na Casa França-Brasil no dia 7 de junho às 19h, e nos dias 8 e 9 de junho às 18h. Depois, chega à Campo Grande, Zona Oeste do Rio, no dia 16 de junho para sessão no espaço Citrus Ateliê às 17h. A circulação começou nos dias 1 e 2 de junho, no Centro de Artes da Maré. Ao todo, serão dez sessões do projeto. As datas restantes, que ainda serão anunciadas, incluirão também a região metropolitana do Rio. Todas as apresentações serão gratuitas.

— É necessário que esse portal possa ser acessado e celebrado. Estamos esperando há cinco anos para poder voltar ao Rio de Janeiro com essa performance — contam as Irmãs, que viabilizaram a volta pela lei de incentivo Paulo Gustavo.

Viní e Vitória acreditam que o acesso do público à peça é fundamental, especialmente por significar que outras pessoas trans e travestis poderão ver na arte uma nova possibilidade de vida e expressão de suas realidades.

— A expectativa para a temporada no Rio é a melhor possível. “Eunucos” é um processo que, enquanto estivermos vivas, queremos compartilhar. A performance não fala apenas das nossas próprias questões, mas de questões enraizadas na sociedade patriarcal e cisgênera em que vivemos. Essa performance é pelas nossas “traviarcas” ancestrais e pela próxima geração de pessoas trans que ainda nem nasceram nesse mundo — refletem Vitória e Víni.

Com apresentações na Europa e no Brasil, as Irmãs notam semelhanças entre os públicos, que demonstram diferentes níveis de aceitação e resistência. Para elas, a normalização do corpo travesti em espaços de arte é mais que necessária, seja em qual continente for.

— É necessário que a lógica da inclusão não gere uma lógica de exclusão, como ao sermos colocadas em nichos específicos ou classificadas como “as artistas trans”, ou “as artistas travestis”. É ideal que as pessoas consigam nos ver inseridas numa programação geral, como qualquer outro artista — observam as Irmãs.

Naturais de Amparo, no interior de São Paulo, Viní e Vitória são filhas de uma rainha de bateria e foram criadas por uma família de palhaços de rodeio. A arte sempre esteve presente na vida das irmãs, que a abraçaram, de fato, anos depois no Rio de Janeiro, onde também iniciaram seus processos de transição.

“Eunucos” também traz referências ao que pode ser entendido como o primeiro contato da dupla com o conceito de performance, ainda na infância. A trilha sonora da performance, supervisionada pela artista Andrômeda, reflete a realidade vivida e a fantasia imaginada pelas Irmãs.

— A trilha está diretamente ligada à memória afetiva que a performance carrega. Decidimos substituir, por exemplo, os três toques comuns do teatro por um berrante, som usado para reunir o rebanho e conduzir o rebanho ao curral. Também evocamos o canto das sereias míticas que seduzem, encantam, chamam, distorcem, brigam e se vingam do mundo. Os sons de “Eunucos” são ligados à sua materialidade selvagem — explicam.

Antes de voltar ao Rio, as irmãs se apresentaram em Portugal com a peça “Sem Palavras” da Companhia Brasileira de Teatro. A apresentação aconteceu no Festival Internacional de Teatro Fitei. Com “Sem Palavras”, ambas Viní e Vitória foram indicadas individualmente na categoria de Melhor Atriz no Prêmio Shell de Teatro em 2023. Essa foi a primeira vez, em 33 anos da premiação, em que artistas travestis concorreram na categoria. O marco não passa despercebido pelas Irmãs.

— Fazemos arte no país que mais mata pessoas trans no mundo. Isso precisa ser entendido, e além de abrir espaços, é necessário que pensem na nossa permanência — reconhecem.

A circulação da performance “Eunucos” tem realização do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Paulo Gustavo – Edital Giros RJ.

Serviço

Centro de Artes da Maré

Endereço: Rua Bittencourt Sampaio, 181 – Maré, Rio de Janeiro

Data: 01 e 02/06

Horário: 17h

Ingressos: Entrada Gratuita

Classificação Indicativa: 18 anos

Duração: 40 minutos

Casa França-Brasil

Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 78 – Centro, Rio de Janeiro

Data: 07, 08 e 09/06

Horário: 19h (sexta-feira) e 18h (sábado e domingo)

Ingressos: Entrada gratuita

Classificação Indicativa: 18 anos

Duração: 40 minutos

Espaço Citrus Ateliê

Endereço: Rua Guaraciaba, 733 – Campo Grande, Rio de Janeiro

Data: 16/06

Horário: 17h

Ingressos: Entrada gratuita

Classificação Indicativa: 18 anos

Duração: 40 minutos

Ficha técnica

Concepção, criação, performance e trilha sonora: Irmãs Brasil

Operação de Trilha Sonora: Andrômeda

Visagismos: Hair Deluxe

Produtoras: Andrômeda e Priscila Manfredini

Coordenação de Produção: Rafael Fernandes

Consultoria de Assessibildiade: Larissa Ferreira

Cenotécnica: Raquel Martins

Programação Visual: Charles Pereira

Assessoria de Imprensa: MercadoCom (Ribamar Filho e Gabriel Folena)

Cobertura Audiovisual: Luis Guilherme Guerreiro

Cobertura Fotográfica: Charles Pereira

Realização: Quafá Produções

Perfil oficial Irmãs Brasil: https://www.instagram.com/travasbrasil/